Sanã, O Grande Curta que Gramado ignorou – (Por Ivonete Pinto – especial para o blog)
Sanã foi uma pedra preciosa que passou despercebida no festival. Documentário com um personagem tão forte quanto outro filme de não ficção, Repare Bem, de Maria de Medeiros. Pungente e trágico, a diferença é que ele é um curta e enuncia seu drama com outro discurso, aquele que se faz por imagens e conta com a capacidade e a vontade do espectador preencher sua história. E se o longa saiu reconhecido com três prêmios, o curta-metragem, embora não tenha recebido prêmio algum em Gramado, foi uma das poucas unanimidades da comissão de seleção da categoria, que este ano teve a felicidade de assistir a mais de 300 filmes e poder escolher 16 que representam um razoável recorte da produção nacional. Parece estranho, mas nem sempre em quantidade tão grande consegue-se eleger com entusiasmo os concorrentes que o regulamento prevê. Posso testemunhar que, das vezes que participei da comissão, nunca se fez discussão tão acalorada. E o fato de alguns poucos títulos emergirem com unanimidade em grupo com formação e gostos diversificados é sinal de que apresentam algo especial.
Com surpresa, viu-se Sanã ser ignorado pelos três júris que poderiam premiá-lo (oficial, da crítica e popular). Mais do que lamentar, trata-se de registrar a excelência deste trabalho que, junto com Tomou Café e Esperou, Pouco Mais de um Mês, Os Filmes Estão Vivos e Acalanto (este, o campeão em reconhecimento, tendo recebido seis prêmios, entre eles o de melhor filme pelo júri oficial e pelo popular), imprimiram a qualidade que um festival de histórico tão marcante quanto a esta metragem sempre prezou.
Dirigido pelo mineiro Marcos Pimentel, Sanã, que conquistou o “Prêmio Associação Brasileira de Documentaristas” (ABD/SP) como melhor documentário brasileiro no “É Tudo Verdade” deste ano, foi rodado nos Lençóis Maranhenses e é um dos filmes mais trágicos quanto à condição humana e sua circunstância mais triste: a solidão. O personagem, que vive numa ilha de pescadores já isolada, é albino e por conta disso sua solidão é ainda mais aguda. O sol é o inimigo contra o qual não tem como escapar: não há lugar à sombra para Sanã. É angustiante vermos como em gestos variados, ele tenta se esconder, sumir do mundo ensolarado. Assim como não consegue fugir da pobreza, das casas de palha que pela incidência do sol pegam fogo sozinhas, da areia que penetra na pele. As feridas no rosto e nas mãos prenunciam a possibilidade da morte prematura, mesmo que ela não esteja no filme como informação, apenas como ilação.
A natureza sonhadora e lúdica do adolescente pode ser “lida” na cor vermelha que aparece aqui e ali trazida à tona pela montagem (uma camiseta, a bicicleta, um pássaro). Elementos que pertenciam àquele universo, mas não fosse o olhar sensível do diretor e do montador, teriam desaparecido nos milhares de planos certamente postos de lado.
A Ilha dos Lençóis onde vive Sanã é conhecida por caçadores de exotismos, como a National Geographic, pois lá se concentram grande número de casos de albinismo. Há textos que relacionam a doença naquela comunidade à crença do sebastianismo (o rei Dom Sebastião teria acabado seus dias lá, e os albinos seriam filhos dele), no entanto, não há também maiores explicações científicas para a anomalia, mesmo considerando que os primeiros casos já apareceram no início do século passado, e que devido aos muitos casamentos endogâmicos hoje existam cerca de quinze albinos na ilha, de população menor a 500 habitantes.
Porém, não aparecem no filme outros albinos além de Sanã, e esta informação extra-fílmica deve pouco interferir na nossa leitura. O que importa é Sanã, (diminutivo de Jaçanã, o pássaro), um menino que perambula pelas dunas sempre sozinho, que nada, que brinca, mas que não interage com os moradores do lugar. Em contrapartida, o espectador tem a impressão que o personagem se sentiu muito à vontade “atuando” para a câmera, o que dá ao seu drama uma espécie de nobreza ao resignar-se ao destino.
Naturalmente, este personagem que vemos é o resultado da soma de escolhas da direção (e da montagem de Ivan Morales), mas é justamente isto que estamos analisando: as escolhas que nos entregam um personagem, vale repetir, trágico, na acepção aristotélica mesmo, com direito à catarse final. Fosse um longa, sua chance de repercussão sem dúvida seria maior. Mas o nome da categoria está dado e paga-se o preço por isso, desde o tratamento “sub” nas comissões de seleção, editais e festivais, até o espaço comercial e o interesse da imprensa. Sanã é curta porque tem 18 minutos (enxutos), mas é um filme poderoso. Aliado à delicadeza, explora os chamados tempos mortos, que neles não configuram maneirismo ou adesão gratuita a certa tendência do cinema moderno. Como exemplo, lembremos de um plano fixo que enquadra a porta de um casebre da vila de pescadores. Vemos o vento que empurra pela fresta da porta a areia fina da praia. O plano é longo – mais de 10 segundos já é longo para os padrões do cinema hollywoodiano –, e graças a ele o espectador entra por aquela fresta e observa o estrago que a areia produz dentro da casa. “Vemos” a areia se alojando no chão, nas camas, na mesa, na louça. Não foi preciso mostrar o interior da casa, pois ao espectador é dada a possibilidade de imaginar. O tempo estendido, quando conceitualmente bem utilizado, está a serviço da narrativa.
É também com base no tempo estendido que Sanã nos oferece um final dos mais impactantes e comoventes do cinema, juntando-se à galeria dos últimos planos de filmes como Os Incompreendidos e Deus e o Diabo da Terra do Sol. O gesto de Sanã, carregado de poder simbólico, foi compreendido pelo diretor e escolhido para fechar o filme. Os grandes documentaristas precisam ter intuição para perceber os momentos que lhe são dados. E é isto que faz de Sanã um grande filme, de um grande diretor. Tomara que no Cine Ceará, para onde foi selecionado, tenha melhor sorte que em Gramado.
Últimos Pitacos Sobre o Festival de Gramado 2013 – (Por Luiz Zanin, para o blog do Estadão)
1) Acho que o júri de longas brasileiros poderia ter equilibrado melhor a premiação. Ficou clara a decisão de não deixar nenhum filme de mãos abanando – a chamada reforma agrária. Ok, mas a distribuição de lotes poderia ter sido melhor. Não contesto a vitória de Tatuagem, de Hilton Lacerda, ou o troféu de ator a Irandhir Santos, ou outros prêmios que o filme pernambucano tenha recebido. Mas entendo que A Bruta Flor do Querer foi supervalorizado (Kikitos de fotografia e direção), em detrimento de Éden (desenho de som e atriz – Leandra Leal) e, especialmente, Os Amigos, de Lina Chamie, que ficou apenas com montagem. O belo filme de Lina, sensível, alusivo e poético, foi, para mim, o grande injustiçado do festival.
2) O júri de longas estrangeiros foi bem, apesar de uma opção talvez estranha. Depositou todas as fichas nas qualidades formais em Caçando Vaga-Lumes (Colômbia), com fotografia, roteiro, atriz e direção, mas premiou o conteúdo de impacto de Repare Bem, de Maria de Medeiros, dando-lhe a estatueta de melhor filme. Também a crítica entendeu que o pungente depoimento de Denise Crispim, ex-presa política e viúva de Eduardo Leite, o “Bacuri”, assassinado pela ditadura, merecia o destaque maior. Eu também votaria nele. Repare Bem levou ainda o Prêmio Dom Quixote, dos cineclubes, cujo emblema, uma pomba, foi desenhado por ninguém menos que Pablo Picasso.
3) O júri de curtas consagrou o belíssimo Acalanto, com trilha sonora, direção de arte, atriz, diretor e melhor filme. Ganhou ainda o júri popular. Ok, também gosto muito do filme. Mas, e Sanã, o estupendo registro do garoto albino e sua vida nas dunas do Maranhão? Ninguém se lembrou dele? Considero uma omissão grave. Menos mal que o também ótimo A Navalha do Avô, de Pedro Jorge, foi lembrado com roteiro e ator.
4) Premiação à parte, o nível médio do festival foi bom, com algumas nuances a considerar. A mostra brasileira, mais uma vez, foi melhor que a estrangeira. A curadoria precisa prospectar melhor os filmes latinos disponíveis. Há um universo de escolha muito grande nesse segmento, muito maior do que o dos filmes brasileiros. Uma sugestão: enviar um observador ao Festival de Havana (dezembro), o mais amplo painel do cinema latino entre os festivais do mundo. A partir deste ponto de observação, será muito fácil formar uma ótima seleção para o ano que vem.
5) Muito boa também a safra gaúcha, tanto de curtas como de longas. Claro que nem tudo é bom, mas o nível médio surpreendeu. Entre os curtas, achei interessantes As Memórias do Vovô, Férias e Ed. Muito bom, um patamar acima, é Os Filmes Estão Vivos, que competiu também na mostra nacional. É um filme de “filho para pai” com o crítico e cineasta Fabiano de Souza homenageando seu pai, Enéas de Souza, um dos críticos mais importantes do país.
6) Não vi todos os filmes da Mostra de longas gaúchos. Mas o que vi, gostei. Em especial o sensível Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes, estudo poético da obra de Caio Fernando Abreu, por Bruno Polidoro e Cacá Nazário. Também Dyonélio, de Jaime Lerner, é bem interessante em seu propósito de recriação da trajetória do grande escritor Dyonélio Machado, autor de “Os Ratos” e “O Louco do Cati”, entre outros romances. Danúbio, de Henrique Freitas Lima, é um interessante documentário sobre o artista plástico Danúbio Gonçalves e seu diálogo com os gravuristas mexicanos. Não conhecia Danúbio e a ele fui apresentado, por meio do filme. O cinema também serve para isso. Para preencher algumas lacunas da nossa ignorância.
7) Enfim, era meio que impossível ver tudo. As sessões noturnas foram longas demais, começavam às 19h e não raro se estendiam até depois de 1h da manhã. Dois longas, vários curtas e homenagens faziam das sessões noturnas provas de resistência física ao frio, à fome, ao sono e, às vezes, à frustração. Na noite em que houve a premiação da mostra gaúcha a sessão se estendeu até a madrugada. Até jantar e voltar para o hotel, não se dormia antes das 3h da manhã. Isso sem falar na temperatura polar que nos esperava fora do cinema. Não havia transporte, não há táxis e tinha-se de voltar a pé, sob uma temperatura de 2ºC. Não é mole, não. No dia seguinte, a rotina de debates recomeçava e, à tarde, havia as mostras gaúchas. Nem se o dia tivesse 30 horas ou mais seria possível seguir tudo. E agora se fala que Gramado pode abrir mais uma sessão, para filmes mais experimentais. Ou seja, teremos, cada vez mais, de escolher o que estamos dispostos a ver, ou até onde vai a nossa capacidade física e mental de apreensão. Noto que, pelo cansaço físico das maratonas, os festivais de cinema têm se tornado cada vez mais hostis à reflexão sobre os filmes. Quem está exausto não pensa.
8) Uma palavra final sobre o público. Houve queixas, até por parte dos curadores do festival, sobre a frieza da plateia. De fato, os aplausos eram apenas protocolares, quando aconteciam. Será que não sabemos mais nos emocionar com um filme e expressar essa emoção através de palmas? Filmes dignos de aplauso, havia. Homenageados famosos, idem. No entanto, o público parecia muito blasé, indiferente e arredio. Eu, que sou veterano de festivais, já testemunhei verdadeiras ovações públicas, mesmo em Gramado, conhecido por seu público mais contido. Será que não conseguimos mais nos emocionar? Será que o excesso de tudo nos tirou um pouco o brilho mental, a fome das novidades, e nos sentimos sempre como aquelas pessoas que se sentam à mesa já sem fome e enfastiadas? Ficam as perguntas, que não sei responder.
41º FestCine Gramado: Premiações Equilibradas – (Por Robledo Milani)
Se houve uma marca no resultado final do 41 Festival de Cinema de Gramado foi a distribuição equilibrada de Kikitos entre todos os filmes concorrentes. Na mostra competitiva de longas nacionais essa característica ficou ainda mais evidente: todos os oito concorrentes foram premiados, ainda que o nível de qualidade entre eles não tenha sido uniforme. Se uma premiação assim tranquiliza o júri e deixa todos os participantes contentes, por outro lado empobrece o festival como um todo, pois a impressão que oficializa é a da mediocridade, como se tudo tivesse sido mais ou menos igual – e essa sensação não poderia estar mais longe daquilo que foi visto na tela do Palácio dos Festivais.
Merecidamente vencedor dos prêmios de Melhor Filme pelo júri oficial e também pelo júri da crítica, a consagração de Tatuagem, de Hilton Lacerda, serviu também para reparar um equívoco cometido no ano anterior em Gramado, quando o conterrâneo O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, perdeu o prêmio principal para o divertido, porém inofensivo, Colegas, de Marcelo Galvão. Dessa vez, finalmente, o cinema de Pernambuco recebeu o reconhecimento justo. Tatuagem, no entanto, merecia mais, e a ausência dos Kikitos de Direção, Roteiro e Ator Coadjuvante (para Rodrigo Garcia) causou constrangimento.
Destes, o caso mais problemático talvez seja o prêmio de Direção, que foi para os jovens Andradina Azevedo e Dida Andrade, responsáveis pelo infeliz A Bruta Flor do Querer. Este foi certamente o ponto mais baixo de todo o festival, um longa vazio e superficial que em nenhum momento chega a ter algo de fato a dizer. No entanto, saiu da festa com dois Kikitos, levando também o de Fotografia – outro equívoco, pois o visual amador que apresenta está muito aquém daquele visto em Éden, em Até que a Sbórnia nos Separe e até mesmo em Tatuagem! Resta a torcida para que A Bruta Flor do Querer seja esquecido o mais rápido possível, assim como os seus realizadores.
Os Amigos, de Até que a Sbórnia nos Separe (melhor montagem) e Primeiro Dia de um Ano Qualquer, de Domingos Oliveira (melhor roteiro), deveriam ter saído de mãos abanando, pois são trabalhos muito aquém daqueles que estes realizadores entregaram em anos anteriores – e também em relação aos demais concorrentes. A animação Até que a Sbórnia nos Separe ficou apenas com o Kikito de Direção de Arte (além do júri popular), que foi merecidíssimo. Mas poderia ter ganho também trilha sonora. E o Prêmio Especial do Júri para o documentário Revelando Sebastião Salgado, de Betse de Paulo, foi um acerto.
Quanto às interpretações, ninguém tinha a menor dúvida de que Irandhir Santos (Tatuagem) e Leandra Leal (Éden) eram os únicos verdadeiros concorrentes aos prêmios principais. Ambos estão excelentes e magnetizantes, em atuações que se encaixam tranquilamente entre as melhores de suas carreiras. Walmor Chagas, recentemente falecido, teve nesse prêmio póstumo como coadjuvante por A Coleção Invisível mais um reconhecimento ao seu talento e ao conjunto da sua carreira do que um aplauso a este trabalho em particular. No mesmo filme está Clarisse Abujamra, escolhida melhor atriz coadjuvante, uma das poucas surpresas em que o júri oficial acertou na mira.
Longas Estrangeiros
Repare Bem, de Maria de Medeiros, era o melhor filme da mostra, tanto que ganhou os prêmios do júri oficial e da crítica. No entanto, foi curioso vê-lo sendo premiado apenas na categoria principal, enquanto que o filme com o maior número de troféus foi Cazando Luciérnagas, de Roberto Flores Pietro, que ganhou Direção, Atriz (Valentina Abril, que venceu por falta de concorrentes), Roteiro e Fotografia. É questionável também a premiação deste longa colombiano em Roteiro, uma vez que sua trama possui exatamente o mesmo argumento de A Oeste do Fim do Mundo, de Paulo Nascimento (que ganhou apenas como Ator, para César Troncoso, numa decisão acertada, além do Júri Popular). Venimos de Muy Lejos se contentou com o Prêmio Especial do Júri, enquanto que El Padre de Gardel e Puerta de Hierro – El Exílio de Perón saíram de mãos abanando.
Dos seis filmes selecionados na mostra competitiva de longas-metragens estrangeiros, três (ou seja, a metade) eram coproduções com o Brasil: Repare Bem (Brasil-Espanha-França-Itália), A Oeste do Fim do Mundo (Brasil-Argentina) e El Padre de Gardel (Brasil-Uruguai). O primeiro é inteiramente falado em português, enquanto que o segundo tem 50% dos seus diálogos na nossa língua. Se no passado a inclusão de títulos latinos significou a sobrevivência do festival, hoje em dia a realidade é outra, e a fraca representatividade dos títulos inscritos deixa isso bem claro. É de se pensar, para as próximas edições, em três possíveis cenários alternativos, pois do jeito que está, com duas mostras separadas, não faz mais sentido: ou unificam-se todos os concorrentes, e brasileiros, latinos e estrangeiros concorrem juntos ao mesmo prêmio (como ocorre no Ceará, por exemplo); ou cria-se uma mostra paralela, não competitiva e em horário menos nobre (à tarde, provavelmente) para os “convidados” latinos e estrangeiros – uma sugestão seria selecionar os vencedores de festivais irmãos, como Mar del Plata e Havana, por exemplo; ou extingue-se de vez a participação de filmes não-brasileiros, remetendo Gramado às suas origens de festival de cinema nacional!
Curtas Nacionais
Acalanto, de Arturo Sabóia, chegou de mansinho, quase aos 45 do segundo tempo (foi exibido no último dia da mostra competitiva), e fez a festa, levando os prêmios de Filme, Direção, Atriz (Léa Garcia), Trilha Musical e Direção de Arte. Todas as vitórias muito justas, mas acrescentaria mais uma: Ator, que deveria ter sido de Luiz Carlos Vasconcelos. Kauê Telloli, de A Navalha do Avô, está também muito bem, e não chega a ser uma escolha absurda – porém também não é óbvia. Este curta levou ainda o Kikito de Roteiro e o Prêmio Aquisição Canal Brasil. O gaúcho Os Filmes Estão Vivos, de Fabiano de Souza e Milton do Prado, levou o Prêmio da Crítica e o Prêmio Especial do Júri, reconhecimentos merecidos, mas ainda assim escassos diante das imensas qualidades que o curta apresenta. As vitórias de Arapuca (Fotografia), Merda (montagem), Tomou Café e Esperou (Desenho de Som) (Menção Honrosa) servem também como consolação, pois são títulos que poderiam aspirar a resultados mais impressionantes, que só não foram obtidos devido à alta qualidade dos demais concorrentes.
Parecer de um Jurado da Crítica do Festival de Gramado – (Por Ernesto Barros – especial para o blog)
Resolvi escrever este parecer sobre minha participação no júri da crítica do 41º Festival de Gramado pouco mais de uma semana depois do seu encerramento. Como também fiz a cobertura diária para o Jornal do Comércio, do Recife, achei melhor dar esse tempo. Não queria que a rapidez de uma cobertura diária, escrita no contrapelo do deadline, influenciasse minhas ideias. Apesar de gostar da urgência do jornalismo, tenho minhas reservas contra as análises apressadas. Quer dizer, não creio que a pressa seja a inimiga da perfeição, mas uma noite entre um dia e outro faz a gente pensar melhor. Em festivais de cinema, no entanto, isso não acontece.
Esse foi meu segundo ano de cobertura do festival. Acho que a edição foi melhor que a do ano passado em alguns aspectos; em outros, foi exatamente igual. Os que foram exatamente iguais não significam um elogio. Ouvi muita gente reclamando da frieza do público. Não sei, mas acho que as condições climáticas influenciaram a plateia um pouco. Apesar disso, percebi que o público – pode ser até uma ilusão de ótica, não tenho certeza –, foi melhor que o de 2012. Lembro de muitas sessões às moscas. Nesse ano, não.
Não sei o que fez o público correr para o Palácio do Festival. Pode ter sido até para se esconder do frio. No ano passado, tenho quase certeza, foram as cervejas grátis da Stela Artois que fizeram o público marcar ponto no hall do palácio e não nas poltronas. Como se sabe, esse ano o pessoal da Stela ficou concentrado num ponto da rua coberta. Acho que isso fez com que mais pessoas entrassem para ver os filmes e não ficassem para paquerar, beber cerveja de graça e jogar conversa fora.
O que achei ruim nesses dois anos – na verdade, tenho quase certeza – que não se repetirá no ano que vem.
1) Pelo que ouvi nos bastidores, o pessoal que participou da comissão de seleção do próximo “Festival de Brasília” assinou um terno pedindo a exibição dos filmes em DCP. Então, não teremos o espetáculo lamentável que vimos nesse ano – exceção, claro, daqueles poucos exibidos em película, vistos em ótimas condições. Grande parte dos longas da “Competição Estrangeira” e da “Competição de Curtas” saíram muito prejudicados com a exibição digital do Festival, principalmente os de formato 2:35, que ficaram reduzidos a um retângulo mínimo da tela. Para mim, isso é um crime sem perdão.
2) Também acho que o fiasco da curadoria em relação à “Mostra de Longas-Metragens Estrangeiros” não deverá se repetir. Acredito que não há mais para onde ir. Tenho o maior respeito por Rubens Ewald Filho, Marcos Santuário e José Wilker. Foi de Rubens o primeiro livro sobre cinema que li (Os filmes de hoje na TV, quando tinha 15 anos). Seu amor pelo cinema é contagiante, isso é um fato. Marcos Santuário é um crítico experiente, grande amigo, com o qual sempre paro para conversar e trocar ideias antes do festival. E Wilker, grande cinéfilo e ator, muito me deliciou com suas crônicas no JB. Mas, infelizmente, eles precisam partir do zero para encontrar filmes dignos para a próxima mostra. Acredito que o trabalho dos três merece continuidade. O cinema latino-americano, majoritário na mostra, ainda não conseguiu uma representação ideal nos últimos dois anos. Eles precisam fazer escolhas e ponderar mais em relação aos filmes que se inscrevem. Este ano, talvez apenas dois filmes merecessem entrar na competição. Torço para que o 42º Festival de Gramado traga candidatos bem melhores que o que vimos este ano.