O Som ao Redor
Como dizia Truffaut, um grande filme expressa sua visão de mundo a partir de uma visão de cinema. Em O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, encontramos essas duas virtudes cardinais do cinema de autor. Ao registrar o cotidiano de um quarteirão de classe média alta do Recife, Kleber reintroduz na cena o conceito de luta de classes, há algum tempo relegado ao segundo plano pelo cinema brasileiro. Reinventa uma narrativa composta por núcleos de personagens, que vão desenhando um mosaico significativo sobre a relação dos diferentes na sociedade contemporânea. Original na forma, O Som ao Redor resgata as contradições sociais reprimidas entre nós pela alienação ou pelo desinteresse. Põe em evidência, através de personagens como o velho senhor de engenho agora proprietário de imóveis, seus descendentes mimados e as pessoas do povo que servem a essa nova/velha elite a questão da permanência do passado no presente. Isto é, recoloca o fluxo histórico como tema quente, com lugar na agenda do cinema brasileiro atual. Promove um diálogo, nunca nomeado porém perceptível, com o clássico de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala. Algo da estrutura senhorial da sociedade brasileira, da convivência do arcaico com o moderno, que resiste ao avanço civilizatório, passa pelos meandros desse filme brilhante, sem dúvida um dos mais importantes da cinematografia brasileira nos últimos anos. (Luiz Zanin Oricchio)
Blog Estadão – Luiz Zanin Oricchio
Cinema com Recheio – Antonio Carlos Egyto
A volta ao mundo de O som ao Redor – André Dib
Filmes do Chico – Chico Fireman
Os outros quatro mais votados em ordem alfabética:
Educação Sentimental
Nesta Educação Sentimental de Julio Bressane, o título se refere a um encontro de encantamento entre professora e aluno. Não espere, entretanto, um desenvolvimento dramático dessa situação que, de fato, serve apenas de gatilho – ou se preferir, de pretexto para a elaboração poética de um motivo que vem da mitologia grega: um pastor se apaixona pela Lua e, por isso, é condenado a dormir eternamente banhado pela luz do luar. Mais do que meramente contar uma história, ou descrever acontecimentos, Bressane se dedica a criar símbolos e inventar imagens. O filme, na verdade, se faz de fragmentos audiovisuais quase independentes uns dos outros, como aquele bailado em que a protagonista mimetiza o ritmo lunar, ou a fascinação que as suas formas femininamente arredondadas exercem sobre o jovem. Estes são apenas momentos na profusão de reflexões que Bressane elabora em função desses temas. Em suma, uma obra para ser contemplada prazerosamente, antes de qualquer tentativa de compreensão e análise. (Luciano Ramos)
Elena
Elena está inserido na recente onda de produções em que diretores enfocam seus familiares. Dentro dessa vertente, há dois subgrupos: os que querem dar relevância histórica a um parente e os que desejam “apenas” expor um incômodo, entendendo que existe ali um tema universal. No caso do filme de Petra Costa, essa universalidade está representada pelo sentimento de perda. Petra e sua mãe são confrontadas com a morte de Elena, a irmã mais velha que tenta ser atriz em Nova York, mas sem sucesso. Mais do que entender as razões da morte, o que importa aqui é o processo de desorientação, assimilação e recomeço. Nada que se assemelhe a uma proposta de autoajuda, mas há uma certa beleza nesse entendimento. (Paulo Henrique da Silva)
Filmes do Chico – Chico Fireman
O Que se Move
Em O Que Se Move, de Caetano Gotardo, a perda, ou antes a ausência, não é apenas o “assunto” que unifica as três histórias, mas também o princípio que organiza a construção da narrativa. As elipses e a organização do espaço, deixando fora do quadro muitas vezes o que dá sentido ao que é mostrado, produzem no espectador (ao menos no espectador que se deixa levar pela experiência) a sensação física da perda, do vazio, da ausência. Essa dolorosa lacuna é preenchida, de certa forma, pela música, que nos três casos explicita as emoções até então contidas ou meramente sugeridas. É na junção entre música e imagem que o filme se completa, quase que numa epifania. Um filme de força e originalidade impressionantes. (José Geraldo Couto)
Cinema com Recheio – Antonio Carlos Egyto
Filmes do Chico – Chico Fireman
Tatuagem
Tatuagem é um manifesto político apaixonado que acha numa pequena história sobre encontros e desencontros, o espaço ideal para dar voz a seu autor. Ele veste as fantasias dos atores do grupo de teatro cuja trajetória acompanha para acomodar seu discurso libertário. As apresentações e os números musicais que concebe em riqueza de detalhes são transgressão pura e simples. O mais radical, uma “ode ao cu”, reverencia o dito como instrumento revolucionário máximo. A cena, belamente fotografada, é mais forte e ousada do que qualquer arroubo de Cláudio Assis, sob a asa de quem Lacerda se escondeu esse tempo todo. O diretor contrapõe militares e artistas, mas são os últimos que se assumem como soldados. Soldados da mudança. Mesmo quando recicla símbolos desgastados, Lacerda encontra o tom para encaixá-los na linha da vida de seu filme. História e transgressão caminham lado a lado. E de mãos dadas. (Chico Fireman)
Edição de texto: Tatiana Babadobulos
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