Por Ivonete Pinto, em Lisboa
Fossemos um pais que se orgulhasse de seus ícones populares, como o México de Cantinflas, já teríamos mais livros e filmes sobre Amacıo Mazzaropi e Vıtor Matheus Teıxeira, o Teixeirinha. O crítico de cinema Celso Sabadin preenche agora uma lacuna em relação ao ídolo caipıra do interior de São Paulo, Mazzaropi.
Exibido na quarta edição do Festin – Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, encerrado nesta quarta-feira, dia 10, Mazzaropi fez sua estreia internacional num evento que reuniu quase 80 filmes produzidos em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal. Promovido por duas jornalistas brasileıras que vivem em Lisboa, Adriana Niemeyer e Lea Teixeira, os destaques acabaram sendo os filmes brasileiros. Além de vivemos nosso melhor momento em termos de qualidade, temos uma inegável supremacia em relação a quantidade de produção. Embora Angola exiba sua recente riqueza, comprando boa parte de Portugal – de bens a serviços –, ainda faz filmes muito ingênuos, como demonstrou o bem intencionado O Grande Kilapy, de Zezé Gamboa, com Lazaro Ramos como protagonista.
Dos brasileiros, o destaque na ficção foi A Coleção Invisível (foto abaixo), último filme de Walmor Chagas, morto em janeiro. Ao vermos o filme do francês radicado no Brasil, Bernard Attal, percebemos que Walmor pode ter ficado impressionado com o personagem: um octogenário sensível que fica cego e depende da ajuda dos outros para seguir vıvendo. A produção, que foi exibida no FestRio deve estrear em setembro no Brasil e padece de alguns maneirismos de “filme de festival” ao mostrar um pais (Itajuípe, na Bahia) um tanto exótico com pitadas de pobreza digna. Mas foi uma surpresa justamente ao misturar esse exotismo com o tema do colecionador de obras de arte. E, também, por ter um protagonista defendido por um ator mais conhecido da televisão, Vladimir Brichta. Esforçado, não compromete.
Já Mazzaropi não surpreendeu poıs conhecendo o crítico Sabadin sabíamos que faria um documentário importante, que resgata um fenômeno do cınema nacıonal. Mazzaropi foi produtor, diretor e ator de seus mais de 30 filmes e alcançava fácil maıs de três milhões de espectador, chegando as vezes aos seis milhões. Porem, Sabadın revela o quanto de marketing existia para a produção desses filmes. Mazzaropi foı o pioneiro em executar o verdadeiro marketing, aquela estratégia de mercado que pensa o produto que o consumidor quer ver – e não apenas o lançamento de algo. Se fazia um filme que se passava no Japão ou em Portugal, era porque queria conquistar as comunidades oriundas destes países.
Neste sentido, o filme de Sabadin é estruturado de forma clássica, de maneira a contemplar os principais aspectos que explicam o homem e o artista Mazzaropi. Recorre a testemunhos de pessoa que trabalharam com o caipira (na vida real ele era um caipira de fato), entrevistas com críticos que analisam os filmes, entre outras participações. Aliás, o apresentador Ratinho é uma revelação de Sabadin: com a sofisticação que lhe é peculiar, esclarece o que é um filme cabeça e um filme para o mercado. Mas é do próprio Mazzaropi que vem a síntese deste imbróglio ao se referir ao “sucesso” de Noite Vazia, de Valter Hugo Khouri.
Sabadin não foge dos assuntos mais delicados da figura de Mazzaropi. Já mais para o final, quando pensávamos que o tema não seria tocado, o documentário aborda a homossexualidade de Mazza. Não que fosse um segredo, pois segundo um dos atores, David Cardoso, ele não escondia sua condição. O que causa estranheza, e o filme revela, é como Mazzaropi exercia essa homossexualidade, como se relacionava com seu elenco masculino de jovens galas. Há uma imitação de uma cantada de Mazzaropi dirigida a Cardoso que se traduz em uma das perolas do documentário. A frisar ainda o acerto de Sabadin ao explorar na montagem o conflito de opinião entre os entrevistados. O que demonstra que o diretor não caiu na armadilha das teses e nos apresenta um personagem multifacetado, que era visto de maneira também multifacetada. Se Mazzaropi, o filme, alcançar ao menos 10% das históricas bilheterias de Mazzaropi, o cineasta, em tempos de públicos mirrados como os nossos, será um sucesso.
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