André Olivieri Setaro, trajetória de um amante do cinema
Por Rafael Carvalho
Frequentando os diversos cinemas de rua de Salvador é que André Setaro, no esplendor da mocidade, entre as décadas de 1950 e 1960, começou sua paixão pela sétima arte. No entanto, ele não era natural da Bahia. Nasceu no Rio de Janeiro em 12 de outubro de 1950, de mãe baiana e pai carioca. Com a morte trágica do pai, quando André tinha apenas três anos, a família mudou-separa Salvador.
“Entrei na Bahia não pelas mãos de Carlinhos Brown, mas pela fatalidade”, relatou André em um de seus escritos. Estranha ironia, pois a mesma morte por enfarte do miocárdio que matou seu pai levou também Setaro no dia 10 de julho, contando 63 anos de idade. Foi a causa mortis do também crítico baiano João Carlos Sampaio, ocorrida há apenas dois meses, aos 44 anos, mesma idade do pai de Setaro quando veio a falecer. André deixou familiares, amigos e muitos de seus alunos entristecidos, pois, apesar da saúde debilitada, ainda permanecia ativo como professor da Universidade Federal da Bahia.
Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), continuava mantendo o Setaro’s Blog. Era um espaço na web que consagrou para falar abertamente de cinema, das obras clássicas que considerava os pilares da arte cinematográfica, da teoria e linguagem do cinema, dos diretores que admiravam e das estrelas que brilharam nas telas, especialmente sua musa maior, Brigitte Bardot, de quem era fã confesso e apaixonado.
Consagrou, na verdade, toda uma vida em prol do cinema, apesar de ter se formado em Direito pela Faculdade Federal da Bahia, ofício que logo abandonou. Pois essa era também a formação profissional de Walter da Silveira, crítico e ensaísta baiano, pilar da cinefilia no Estado, fundador do Clube de Cinema da Bahia onde Setaro afirma ter despertado para o “cinema como expressão da arte”. Estava ali o germe de um cinéfilo voraz, que cresceu assistindo aos filmes de gênero, sejam oswesterns ou as aventuras policias americanas, sejam as comédias brasileiras que tanto faziam sucesso naquela época. Através das palavras e ações de Dr. Walter – como Glauber Rocha costumava chamá-lo –,Setaro travaria contato com filmes clássicos dos mais relevantes diretores que solidificaram as bases da linguagem do cinema desde o seu nascimento e com aqueles que chamavam atenção do mundo naquela época.
Concluiu a faculdade em 1974, justamente o mesmo período em que começou a colaborar com o jornal Tribuna da Bahia, onde escreveu sobre cinema por quase 40 anos, sendo que, nos primeiros 20, assinava uma coluna diária de ensaios e críticas cinematográficas. Colaborou também com outros periódicos locais, como Jornal da Bahia, Jornal da Cidade e A Tarde.
Na Universidade Federal da Bahia, trabalhou como professor adjunto em 1979, na Faculdade de Comunicação.Ultimamente, ministrava disciplinas de Audiovisual, como a Oficina de Comunicação Audiovisual, além de Crítica Cinematográfica, Temas Especiais em Cinema, Linguagem Cinematográfica, História do Cinema, entre outras. Pretendia aposentar-se este ano, muito embora a sala de aula ainda o atraía e lhe permitia abordar as questões do cinema clássico que mais lhe interessavam – num dos últimos semestres trabalhou somente filmes de Charles Chaplin com seus jovens alunos em sala de aula.
Além do seu blog, mantinha uma coluna sobre cinema no portal Terra Magazine. Alguns de seus textos foram editados nos três volumes da coleção “Escritos sobre Cinema – Trilogia de um Tempo Crítico”, lançada em 2010 pela Azougue Editorial e Edufba. Também publicou, em 1976, o importante livro de revisão do cinema baiano, o imprescindível Panorama do Cinema Baiano, reeditado em versão revista e ampliada pela Fundação Cultural do Estado da Bahia em 2012. A pesquisa sobre o cinema local também lhe rendeu o título de Mestre em História e Teoria da Arte, em 1998, pela Escola de Belas Artes da UFBA, defendendo trabalho intitulado “Narrativa e fábula no discurso cinematográfico de ‘A Grande Feira’”, análise da produção baiana dirigida por Roberto Pires.
Seu jeitão sério e quieto, como que introspectivo, sempre de óculos escuros, escondia uma personalidade amigável. Fumante inveterado e dono de um bom-humor peculiar, bonachão, era sempre solícito aos convites para discutir cinema. Em 2010 compôs o júri oficial do Festival de Tiradentes, em Minas Gerais, onde quatro anos antes já havia participado de um seminário sobre crítica de cinema. Durante a mostra Howard Hawks Integral, promovida pela Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte ano passado, participou de um debate sobre o grande diretor americano.
Sua última participação pública, falando e espalhando seu amor ao cinema, aconteceu no Cineclube Glauber Rocha, no qual comentou o filme “Hiroshima, Meu Amor”, de Alain Resnais, cineasta que ele tanto admirava. Morreram ambos neste mesmo ano de perdas tão duras para o mundo cinéfilo.
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Edição: Alysson Oliveira, Chico Fireman, Tatiana Babadobulos e Yale Gontijo