Os leitores do Blog da Abraccine encontrarão, abaixo, alguns textos sobre o longa de estréia da cineasta baiana, Cecília Amado, que levou ao cinema um dos mais famosos romances de seu avô, Jorge Amado (“Capitães da Areia”, 1937, que já vendeu seis milhões de exemplares).
Há textos de André Setaro (Blog do Setaro), João Nunes (Blog do João/Correio Popular, de Campinas); Christian Petermann (Rolling Stones), de Ricardo Cali (Folhapress), Cid Nader (Site Cinequanon), Alysson Oliveira (Site Cineweb) e de Maria do Rosário Caetano (jornal Brasil de Fato e Almanaque).
Não escrevi uma crítica formal. Coloquei as reflexões baixo no meu blog. E no blog escrevo mais informalmente, uso a primeira pessoa e o texto fica mais com cara de impressões do que de crítica no sentido do que conhecemos. E, adianto: você vai detestar meu texto e me odiar depois dele.
Por João Nunes (texto publicado no blog do João/Correio Popular)
Não li o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado e, portanto, não posso fazer comparações com o filme de sua neta Cecília Amado. Mas o que está na tela é suficiente para dizer que houve erro de enfoque.
Se Jorge Amado colocava o dedo na ferida em plenos anos 1930 sobre a questão dos menores abandonados, no filme o que temos é a romantização da marginalidade.
E os alvos para o então comunista escritor eram os “burgueses”. Estes são vítimas dos assaltos constantes nas ruas de Salvador ou em nas descaradas emboscadas feitas a mansões de mulheres ricas – um dos meninos, deficiente, é usado como isca.
E tudo parece absolutamente natural. Os meninos agem como se estivessem trabalhando seriamente, organizados em quadrilha e ainda buscam dignidade, pois têm ética própria. E o filme reforça essa busca como se, renegados, a única saída para a vida fosse roubar os ricos – Robin Hood serve para tudo.
Até poderia ser uma crítica ao avesso: meninos abandonados pelo poder público (aliás, são maltratados quando nas mãos deste) se viram como podem para sobreviver. O problema é o filme referendar tal postura, comprar a seriedade dos meninos na utilização do crime como modo de vida e, pior de tudo, romantizar as ações.
E o mais incrível, quase todo mundo se dá bem. E, ao final, há até um discurso barato sobre liberdade, referindo-se ao protagonista, o trombadinha Pedro Bala (Jean Luis Amorim). Como assim? Não sei se Jorge Amado deixa isso claro no livro.
E, ainda por cima, o rapaz é alçado a herói, uma vez que o pai dele foi herói comunista e o filho segue os passos deste liderando o bando de pivetes. E o filme nunca questiona nada, só referenda como se o garoto merecesse todas as honras e, por ser oprimido, tivesse autorização para assaltar.
E quando preso, Pedro exercita seu heroísmo, soca os soldados e foge; em outro momento, é recebido com festa porque enganou a polícia e roubou um troféu de umbanda a pedido dos umbandistas. Temos que fazer alguma coisa, diz o agenciador dos meninos. E lá vai o nosso herói “roubar” ou “resgatar” (fica melhor) a tal estátua.
Ainda há um dado que pode passar despercebido, pois o filme toca na questão homossexual, mas os meninos gays são punidos. Um deles é expulso do grupo, outro (doente e, apesar da compaixão de Pedro) acaba morrendo. Não é curioso que a punição não aconteça para quem rouba? Ao contrário, estes têm lugar garantido no universo retratado. A marginalidade não está nos pivetes assaltantes, mas nos gays.
Podemos até levar a questão para o tempo no qual a história se situa: anos 1930/50. Se ainda hoje homossexualismo é condenado, imagine na época. No entanto, roubo não se justifica em tempo algum. É crime, só isso.
Técnica — Se entrarmos na questão técnica, o filme tampouco melhora. Há uma belíssima fotografia, mas aquela não é Salvador. Tudo é lindo, limpo, brilhante, iluminado por todos os lados – até o bordel é bacaninha, com suas luzes indiretas. O resultado na tela é exuberante, mas sua configuração no contexto de uma história de pobreza e denúncia social é completamente falsa.
Em relação aos atores, se dá o mesmo. O protagonista até se esforça, mas não segura, especialmente a cena mais dramática do filme; além disso, algumas cenas estão bem mal-resolvidas.
E mesmo o roteiro da diretora e do competente Hilton Lacerda se perde completamente ao não explicar várias coisas. Por exemplo, como num bando de dezenas de brigões, só Pedro Bala acaba preso? E por que sua musa Dora (Ana Graciela) vai parar num reformatório?
Bem, talvez eu precise ler o livro para tirar a má impressão que Capitães da Areia, filme, me deixou. Vou pensar sobre.
Por André Setaro (texto publicado no Blog do Setaro)
Já comentei aqui por várias vezes que a incorporação da estética do vídeo-clipe à narrativa cinematográfica prejudica sobremaneira a sua perfeita fruição, dando ao espetáculo um verniz de superficialidade. Nada contra o vídeo-clipe em si, que pode ser muito bom (Thriller, com Michael Jackson, entre tantos!), mas é intolerável que seja incorporado ao discurso cinematográfico. Capitães da areia, de Cecília Amado, neta do escritor Jorge Amado, sofre muito dessa pressa narrativa, ainda que bem produzido, bem alinhavado. E se a estética referida investe com força na primeira parte, por outro lado, a injeção de romantismo da segunda tira, ao filme, um corpus estrutural uniforme. Capitães da Areia, o filme, é muito inferior ao livro, sendo, apenas, pálido reflexo deste. Li Capitães da Areia na minha adolescência ao lado dos outros livros de Jorge Amado, excelente narrador, criador de tipos interessantes. Amado, com raríssimas exceções, não tem sorte com as adaptações de seus livros. Nelson Pereira dos Santos, sim, ele mesmo, o grão-duque do cinema brasileiro, matou Jubiabá, e desfigurou Tenda dos milagres. Carlos Diegues fez turismo em Tieta do Agreste. Marcel Camus carnavalizou Os pastores da noite. E Cecília Amado ilustrou Capitães da Areia em função das expectativas narrativas da contemporaneidade.
Filme traz galeria de seres inesquecíveis
Por Ricardo Calil (texto publicado na Folhapress)
Muito antes das gangues de Cidade de Deus, havia Capitães da Areia (1937), clássico de Jorge Amado sobre um grupo de garotos de rua que vivia de pequenos crimes na Salvador de 1930. Um romance social e ao mesmo tempo um livro de aventuras, com uma visão romântica, talvez um pouco paternalista, sobre o desamparo e a criminalidade juvenil. O livro finalmente ganha uma adaptação para o cinema pelas mãos de Cecília Amado, neta de Jorge.
Entre acertos e erros, tem uma virtude essencial para qualquer adaptação: consegue dar carne aos personagens imaginados pelo escritor, que surgem na tela em versões críveis e carismáticas. Não há a frustração causada pela sensação de que o personagem do filme é menor do que o do livro. Ou que se trata de
outro personagem.
No caso de Capitães da Areia, é um mérito enorme, porque o livro traz uma galeria de seres inesquecíveis. O mérito deve ser dividido entre o jovem elenco baiano, o casting e a direção de atores – que chegou a um belo meio-termo entre o naturalismo competente de Cidade de Deus e a teatralidade excessiva tão comum no cinema nacional.
Romance clássico de Jorge Amado chega às telas em versão surpreendente
Por Christian Petermann (texto publicado na Rolling Stones)
Dando início às comemorações do centenário do escritor Jorge Amado, estreia esta adaptação do romance homônimo do notório baiano, que marca também a primeira direção em longa-metragem de sua neta, Cecília Amado. Na Salvador dos anos 50, um grupo de meninos de rua usa a malandragem diária para garantir a sobrevivência. Cecília demonstra
segurança ao impor ritmo ágil à fita, com cortes rápidos e sem firulas. Atento à falta de concentração do jovem de hoje, o bom roteiro, que teve colaboração do talentoso Hilton Lacerda, se detém apenas nos principais elementos da história.
Mas o grande ganho do filme é o carisma do trio central de atores estreantes, bem preparado por Christian Durvoort, o mesmo de Cidade dos Homens: Jean Luis Amorim (Pedro Bala), Robério Lima (Professor) e Ana Graciela Conceição (Dora) levam seus dramas às telas com sangue, suor e sinceridade. Ao contrário, por exemplo, do que aconteceu com o Tieta do Agreste (1996), de Carlos Diegues, desta vez o escritor não tem motivos para se revirar no túmulo.
Sem parecer cinema.
Por Cid Nader (texto publicado no site Cinequanon)
O longa Capitães de Areia, baseado fielmente no livro homônimo de Jorge Amado, e confeccionado, como cinema, por uma sua neta, Cecília, carrega em sua construção muitos dos elementos mais negativos e prejudiciais à arte: parece trabalho brotado de influência televisiva, com cortes e mais cortes extremamente velozes, para embicar numa edição que o permitisse visto como obra de pendor “clíptico”, onde os atos e imagens se impusessem para não permitir que as intuições ou deduções do espectador tivessem tempos e espaços para maturação, e, quando imaginado com necessidade de tempo para avaliações, novamente numa ação invasiva e pré-concebida para evitar possíveis “desgastes mentais”, atitudes da produção se impusessem, com slow-motions excessivamente se ostentando, a título de “ornamentação”.
Se é de cinema que se trata, deveria haver técnicas dele sendo utilizadas para que resultasse, afinal de contas, cinema, e não genéricos televisivos: tomadas amplas para reforçar o ambiente, mas com caráter de reforço obtido pela cenografia, não pela “intuição” que deveria brotar das lentes; iluminação muito ajustada demais para ambientes que mereceriam mais “fidelidade” (como se de cenários de novelas); diálogos tomados com idas e vindas que não permitiam atropelos; afora a edição que já mereceu considerações acima. Como maneira de reforçar tal sensação, os personagens são rascunhados com características que não fogem em nenhum momento às que constam no livro, e com traços de personalidade que não “tentam” algo a mais para se adequarem aos tempos atuais – tudo muito a ver, fortemente, com o modelo da trilha sonora de Carlinhos Brown.
Se é para se ver um filme tão comportado assim, que só ousa por esteticismo vazio e pouco corajoso (comportado na douração da pobreza, quase que resgatando a estética da miséria), que se engana nos dados temporais (música cantada que é de época posterior ao momento da história, por exemplo), que ameaça questionamentos atuais (da realidade atual do país), similarizados aos dos momentos da criação do livro, mas se contenta com mesmices, que se fizesse algo específico para o outro veículo. Pois cinema é outra coisa, afinal de contas, queiram ou não, para o mal ou para o bem.
Por Alysson Oliveira (texto para o UOL, do Cineweb)
Em meados da década de 1990, quando se decidiu por trabalhar com cinema, Cecília Amado ouviu uma confissão de seu avô, o escritor baiano Jorge Amado. “Ele me contou que estava muito feliz porque sempre teve vontade de ser cineasta. Talvez por isso os livros dele sejam sempre tão cinematográficos”, lembrou a diretora ao UOL Cinema, do Rio de Janeiro, onde ela finaliza a adaptação de Capitães da Areia, prevista para estrear nos cinemas brasileiros em setembro.
Com vasta experiência como assistente de direção em cinema (Batismo de Sangue) e televisão (a série Cidade dos Homens e novelas como Da Cor do Pecado e Mulheres Apaixonadas), Cecília estreia na direção de longas exatamente com a adaptação desse livro, que é uma das obras mais famosas do avô, morto em 2001. “É um livro que marcou minha geração, a geração dos meus pais. É um romance que marcou a adolescência de muita gente porque descreve muito bem essa fase da vida, falando da liberdade, das descobertas”.
Desde o começo da década, quando, no Rio de Janeiro, viu uma adaptação para o teatro do mesmo romance, Cecília percebeu que poderia levar o livro para o cinema. “Tinha uma energia a história daqueles jovens. Eu pensei como seria bom levar a história de volta para Salvador, com as cores e a cultura da cidade, seria fantástico”. O filme entrou em produção apenas em 2006 com Hilton Lacerda num primeiro tratamento do roteiro.
“Eu sabia muito bem o que queria e o Hilton me ajudou a criar o corpo do filme. O livro [publicado em 1937] foi escrito por um Jorge Amado de 20 e poucos anos. Era praticamente outra pessoa, não o meu avô que eu conheci. Tive que fazer algumas adaptações, deixar algumas coisas de fora. Não tive pudor de abrir mão de questões que soavam datadas”, explica.
Apesar de ser um dos livros mais famosos de Jorge Amado, Capitães da Areia teve apenas uma adaptação para o cinema (The Sandpit Generals, no original), assinada por Hall Barllet, em 1971. Segundo Cecília, o filme nunca foi lançado comercialmente no Brasil, mas foi um grande sucesso na União Soviética. “É possível encontrar clipes na internet desse filme. É engraçado ver atores estrangeiros fazendo personagens que são tão brasileiros, ou ouvir o Dorival Caymmi dublado em russo”, diverte-se.
Filme recria história dos menores delinquentes de Jorge Amado com ótimo elenco, muito humor e música de Carlinhos Brown
Por Maria do Rosário Caetano (texto publicado no jornal “Brasil de Fato”)
Os Capitães da Areia estão de volta ao cinema. Há que se prestar atenção: são capitães da areia e não capitães de areia. Jorge Amado quis situar seus meninos delinqüentes em espaço preciso: um trapiche plantado nas areias quentes do mar da Bahia. Um trapiche-esconderijo. Se seus capitães fossem “de areia” seriam frágeis e desmanchariam como castelos feitos por meninos-escultores em dias de lazer praiano.
O romance, que já vendeu seis milhões de exemplares desde sua primeira edição (1937), ganhou, em 1970, versão cinematográfica gringa: The Sandpit Generals (ou The Wild Pack), dirigida por Hall Bartlett, falada em inglês e premiada no Festival de Moscou. No Brasil, esta versão só chegou às madrugadas televisivas, rebatizada de Dora. O sexto romance de Jorge Amado resultou, também, em minissérie de TV, dirigida por Walter Lima Jr, e em várias montagens teatrais. A adaptação atual traz na direção a estreante Cecília Amado, neta do escritor que, se vivo fosse, faria 100 anos em 2012.
A jovem realizadora, filha de Paloma Amado, trouxe a trama original dos capitães-da-areia, ambientada nos anos 30, para a década de 50. E fez dos protagonistas Pedro Bala e Dora adolescentes morenos (ao contrário dos louríssimos personagens do romance). Cecília embalou a narrativa em arrebatadora trilha de Carlinhos Brown e, o que é melhor, ampliou as tiradas de humor dos “capitães”. Jorge Amado, afinal, sempre encontrou espaço para exercitar duas de suas características mais sedutoras: o erotismo e o riso (às vezes rasgado, às vezes mordaz). O humor está até em seus romances mais raivosos (caso de O País do Carnaval, escrito aos 19 anos).
No final de Capitães da Areia – o romance, o protagonista Pedro Bala vira militante proletário. Dora morre (no livro e no filme). Professor, o capitão-da-areia que amava a leitura e o desenho, vira pintor no Rio de Janeiro. Volta Seca vai lutar com Lampião e bando, ao tornar-se o mais jovem dos cangaceiros. Sem-Pernas suicida-se pulando do Elevador Lacerda. Boa-Vida torna-se malandro e compositor de sambas e intrigas. Gato, o sedutor, vira cafetão de putas pelos bordeis da Bahia. Barandão substitui Pedro Bala no comando dos capitães-da-areia. Pirulito, o místico, vira Padre.
Nos momentos derradeiros do filme, ao anunciar o destino de alguns dos “capitães-da-areia”, Cecília e seu co-roteirista, Hilton Lacerda, tomam certas liberdades. Trocam o suicídio de Sem-Pernas por destino mais promissor: ele transforma-se em equilibrista. Com picardia e sarro à moda baiana, a dupla caprichou no destino do devoto moleque que enchia de esperança o coração do Padre José Pedro. Pirulito, cultor de imagens de santos e rezador, ordenou-se padre. E haveria de transformar-se em papa. E não seria um pontífice qualquer. Será “o primeiro papa pobre”, que “vai ajudar os meninos de rua e vai parar de roubar, sendo papa, né? Já pensou papa roubando? Não dá! Nem na Bahia pode uma coisa dessas!”
Cidade de Deus – Ao situar a trama nos anos 50, o filme de Cecília Amado criou um anacronismo: mandou Volta Seca para as fileiras do cangaço quando dele não restavam nem resquícios. O Governo Vargas dera fim a Lampião, em 1937, matara Corisco e baleara Dadá, em 1940. Mas isto é só um detalhe num filme de muitas qualidades. A maior delas é o elenco, oriundo de ONGs e projetos sociais de Salvador. Como as crianças e adolescentes de “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles/2002), os novos capitães-da-areia foram treinados em oficinas de dramaturgia. E todos deram conta do recado. Com garra e brilho.
No romance de Jorge Amado, o triângulo amoroso entre Pedro Bala, Dora e o Professor existe com discreta elegância. No filme ganhou maior relevo. A malícia erótica é mais forte no livro que na tela. Cecília quis realizar um filme para adolescentes. Mesmo assim, pegou censura 16 anos. Os produtores recorreram e conseguiram baixá-la para 14. Para alcançar os jovens, optaram por amenizar temas difíceis como suicídio e sexo entre menores. As cenas mais picantes ficam por conta da experiente prostituta Dalva (a bela atriz baiana, Ana Cecília), paixão do adolescente Gato, um dos capitães da areia.
Muitas sequências do filme foram elogiadas por sua boa carpintaria. Caso da fuga dos internos em reformatório, do trabalho nas lavouras de cana. O cinema brasileiro, que tinha fama de mau encenador de brigas, acertou com Cecília e sua equipe. Resultou muito bem filmado o confronto entre o bando dos Capitães da Areia e a gangue do Ruço, à qual se agrega o ressentido Ezequiel, expulso do trapiche por Pedro Bala.
Jorge Amado era ardoroso militante comunista quando, aos 24 anos, publicou Capitães da Areia. Por isto, os destinos de seus menores delinquentes foram imantados pela crença num porvir revolucionário. Cecília, adolescente e adulta num mundo sem utopias, pós-queda do Muro de Berlim, cortou todas as referências à ideologia que alimentou a juventude e parte da maturidade do avô.
Para o escritor, o comunismo nunca foi incompatível com a religiosidade baiana. O candomblé é visto (no livro e no filme) como força libertadora. E vale lembrar que, quando deputado federal (pelo Partido Comunista Brasileiro), Jorge Amado defendeu a Liberdade de Culto Religioso, inscrevendo-a no texto da Constituição de 1946. No livro (e no filme) há simpatia, também, por um lado da Igreja Católica: aquele que faz voto preferencial pelos pobres. A figura de Padre José Pedro, homem de pouco brilho intelectual, mas de coração generoso, é vista com imensa ternura. Ternura que falta à alta hierarquia da Igreja, na Bahia, fechada em palacetes eclesiásticos e distante do povo pobre.
Pederastia — A varíola, conhecida popularmente como bexiga, metaforiza, no filme, a Aids, doença que marcou profundamente o nosso tempo. Houve quem se incomodasse com o fato da varíola atacar, entre os capitães-da-areia, justo os que praticavam sexo entre iguais (os meninos Almiro e Barandão). Mesmo que Pedro Bala, líder do grupo, não aceitasse, de forma alguma, a pederastia passiva. “Uma das leis do grupo” – escreve o romancista – “era que não se admitiam pederastas passivos”. Os que fossem pegos em tal prática “seriam expulsos” do trapiche.
A participação da travesti Mariazinha (de nome civil Geraldo) na sequência em que Pedro Bala se deixa prender e é levado à Delegacia (pois pretende resgatar um Ogum recolhido numa batida policial em terreiro de Candomblé) nos revela o quanto havia de preconceito na primeira metade do século passado.
Há quem veja, no filme, maniqueísmo entre personagens do povo (bons e idealizados) e burgueses, desenhados como caricatura e maus. Que Jorge Amado toma partido dos marginalizados, não há como negar. Mas romance e filme têm nuances perceptíveis. A mulher burguesa que perde o filho e adota “Sem-Pernas” (sem saber que ele apenas prepara terreno para roubo a ser perpetrado pelos capitães-da-areia) é generosa e simpática. Mesmo caso do personagem interpretado por Murilo Grossi, que se encanta com os desenhos do Professor. Chega a ignorar furto dos moleques (de quem é a vítima) e, como bom mecenas, se oferecer para arrumar escolas de artes onde ele pudesse se aperfeiçoar. E mesmo entre os capitães-da-areia há conflitos de consciência. O caso mais visível é o de Sem-Pernas, o moleque que se apresenta para a adoção, que precede novos furtos. No romance e no filme, ele vive crises angustiantes. No livro, opta pelo suicídio. No filme, ganha solução “mágica” ao tornar-se, mesmo aleijado, um equilibrista.
Síntese – Jorge Amado tem fama de ser escritor caudaloso demais. Redundante até. Quem reler, hoje, Capitães da Areia, verá que um exercício de síntese faria muito bem ao romance. Mas ninguém há de negar o poder de sedução de sua prosa. O capítulo dedicado ao passeio de cangaceiros e, também, dos capitães da areia nos cavalinhos iluminados de modesto carrossel são literatura de alta potência. O prazer lúdico e a beleza visual de sua combinação de palavras lembra a densa poesia de “Mar Morto” (1936).
O que ficou datado, no livro, além da fé inquebrantável num porvir socialista, é a redundância. Cecília e Hilton Lacerda souberam, com inventividade, condensar a retórica amadiana. O filme resultou sintético, lacunar e, portanto, capaz de motivar nossa imaginação.
Há quem qualifique a montagem de Capitães da Areia como videoclipada, à moda de Cidade de Deus, filme que tanta polêmica causou, acusado até de construir projeto artístico-publicitário batizado de “cosmética da fome” (em contraponto ao manifesto “Estética da Fome”, de Glauber Rocha/1965).
O editor de Capitães da Areia (Eduardo Hartung) usa, sim, recursos de montagem semelhantes aos empregados por Daniel Rezende em “Cidade de Deus”. Inclusive o “efeito chicote”, que tanto atraiu gerações plugadas no cinema de ação norte-americano e nos videoclipes contemporâneos. Mas o filme de Cecília Amado, assim como o de Fernando Meirelles, faz isto com parcimônia. Não abusa do recurso, não o banaliza.
O tempo é o senhor da razão. Passados dez anos do lançamento de Cidade de Deus, com os ânimos serenados, as qualidades do filme foram se evidenciando. O mesmo deve acontecer com Capitães da Areia, um projeto que revelou atores-crianças- adolescentes-negros-mulatos-mestiços e expôs a tragédia histórica de nossos delinqüentes juvenis. E o fez com humor e picardia, qualidades que calam fundo na alma brasileira.
eu li o livro mas não vi o filme
pois bem, o livro também romantiza a marginalidade, o próprio ‘herói’ do livro é um estuprador.
não sei como está criticando o filme por fazer apologia ao crime sendo que o livro faz exatamente a mesma coisa.
Eu lih o livrooi
E acho q seu post é ridiculooo ,pois vc vem criticar algo q vc nem conhece
E outra o filme é una adaptaçao e tem q “vender”
E outra vc tem q entender oq o jorge amado tenta passar ,nao simplismente por a porra da sua opiniao de merda e essa cabeça fechada
E una dica antes de acusar tente entender as pessoas..
O livro é maravilhoso!A neta pecou fazendo uma obra tíbia.Eu creio que nos perdemos nossa memoria em detrimento da tão nociva publicidade que apagou as outras versões já produzidas antes desta mal fadada obra!O filme anterior é ótimo a história e como é contada…Sim fabuliza verdades duras e e chocantes mas apontar quem rouba para saciar necessidades minimas é complicado!O outro filme não tem imagem nem som e muito menos fotografia mas a maneira como é contado te prende do começo ao final.