A partir da próxima sexta-feira, as opções de filmes para o cinéfilo brasileiro vão diminuir ainda mais. Isso por conta das 1.100 salas de cinema que colocarão em cartaz A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1, quinto filme da série prevista para acabar no próximo ano. O circuito brasileiro conta com 2.225 salas e já viu dias parecidos quando, em abril passado, a animação Rio estreou em 1024 delas, e em julho passado, a última parte de Harry Potter tomou conta de 915.
Amanhecer ocupa metade do circuito
Por Luiz Zanin, O Estado de S. Paulo (SP)
Leio que Amanhecer deve ocupar “pelo menos” 1100 salas em seu lançamento.
O circuito brasileiro dispõe de aproximadamente 2200 salas.
Ou seja, 50% do circuito nacional será ocupado pelo filme.
Pode-se deduzir que muitos filmes, que estavam dando boa média de público, serão expulsos do mercado pela chegada do mega lançamento.
Como perguntar não ofende, eu pergunto: essa é uma prática razoável de mercado?
Como é possível ter um circuito exibidor saudável quando metade dele é ocupado por um único lançamento?
Como fica a saudável diversidade cultural, que só existe com a pluralidade de lançamentos e sua permanência nas telas?
Não custa lembrar que a nossa vizinha Argentina, tantas vezes por nós ironizada, lançou um imposto progressivo sobre esses lançamentos gigantes. Quanto maior o número de cópias mais se paga.
Dá para imaginar algo semelhante no Brasil sem que os “liberais” de sempre venham brandir o tema da liberdade de expressão e da livre circulação dos produtos culturais?
Não se dão conta de que uma ocupação militar do mercado, como essa, é que é o verdadeiro atentado à livre circulação das (outras) obras?
Mais salas, mais filmes, viva a diversidade!
Por Neusa Barbosa, Cineweb (SP)
O Palhaço, de Selton Mello, é o sétimo filme brasileiro lançado neste ano a ultrapassar a marca do 1 milhão de espectadores. E realizando a façanha de emplacar o primeiro lugar no ranking geral das bilheterias do País na segunda semana de exibição – o que é indicador seguro de que o boca a boca foi bom.
O público tem abraçado esta comédia singela e bem-intencionada, que saudavelmente se desvia de muitos dos cansativos clichês televisivos que embalam outras comédias campeãs de bilheteria em 2011 – dando nome aos bois, Cilada.com (campeão nacional do ano, com 3,2 milhões de espectadores), De Pernas pro Ar (a vice, com 3,1 milhões) e Qualquer Gato Vira-Lata (2,1 milhão).
Não quero aqui brigar com o público. Se existem esses milhões de pessoas que se divertem com estas comédias, sou a favor, está tudo bem. Só acho muito mais legal que em 2011 pelo menos duas comédias nacionais tenham saído dessa formulinha ditatorial que combina atores globais com dramaturgia precária. E esses dois foram O Palhaço e também O Homem do Futuro (visto por 1,2 milhão de pessoas), em que o roteiro brinca com viagem no tempo de uma forma bem legal.
Por trás de todos esses sucessos, reina a indispensável presença do ator que magnetizam o público. Selton Mello e Wagner Moura são dois desses que são mágica de bilheteria. É entrarem num projeto que o público se liga. Ponto para eles que procurem projetos que ousem um pouco mais, melhorando as opções que são ofertadas a todos nós. Dieta de uma comida só ninguém aguenta, nem merece…
Num ano bom desses, em que o cinema brasileiro repete o bom desempenho de 2003, embora sem igualar 2010 – que teve o fenômeno Tropa de Elite 2, com 11 milhões de espectadores -, só dá para lamentar que continue se repetindo o fenômeno da ocupação de metade de todo o circuito brasileiro, com seu total de 2.200 salas (insuficiente para o País, por certo), por um único blockbuster – nesta sexta, Saga Crepúsculo Amanhecer Parte 1 desembarca em cerca de 1.100 salas.
Diante dessa tomada, o que vai sobrar para O Palhaço – que detinha 262 salas até esta semana e ia muito bem? Vai encurtar sua carreira? Deixar de cumprir seu potencial, como já aconteceu com vários filmes brasileiros (aliás, nem só brasileiros) ? Isto é bom, justo, conveniente, saudável ? Se é, para quem?
Já é hora de o mercado exibidor, distribuidor e produtor de cinema, críticos e espectadores no Brasil reverem este modelo. E cada um fazer a sua parte.
Tá tudo dominado
Por Paulo Henriquel Silva, Hoje em dia (MG)
O leitor não pode imaginar um grupo de vampiros cantarolando “Tá dominado, tá tudo dominado”. Mas é esta a sensação de quem folheia as páginas de roteiro de cinema nas principais cidades do país, com Amanhecer – quinto capítulo da saga Crepúsculo – batendo o recorde de ocupação de salas (em torno de 1.100).
A invasão deixa o espectador sem opções e prejudica a carreira de muitos filmes, obrigados a saírem de cartaz mesmo dando boa bilheteria. Ocupando 50% do mercado exibidor brasileiro, a produção supera os números da animação “Rio”, que, no ano passado, entrou em 1.024 salas. Em Belo Horizonte, o domínio é evidente: 44 espaços. Além de Amanhecer, só estreiam dois filmes nacionais (O Céu Sobre os Ombros e Trabalhar Cansa), em poucas sessões.
O quadro se repete em menor ou maior escala em outras cidades. Em Porto Alegre, onde há um circuito alternativo mais consolidado, os espectadores tiveram melhor sorte, com o lançamento de outros seis longas-metragens e o início de mostra com 14 filmes inéditos.
Presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Luiz Zanin Oricchio vê muitos pontos negativos nesta ocupação, questionando se não é uma prática perniciosa do mercado. “Como fica a saudável diversidade cultural, que só existe com a pluralidade de lançamentos e sua permanência nas telas?”, indaga em seu blog.
O crítico observa que, na Argentina, prevalece um imposto progressivo sobre lançamentos dessa envergadura. Quanto maior o número de cópias, mais se paga. O dinheiro é revertido para a promoção da cinematografia local.
A questão é polêmica, como destaca Oricchio, com os “liberais de plantão” levantando a bandeira da liberdade de expressão e da livre circulação dos produtos culturais. “Não se dão conta de que uma ocupação militar do mercado, como essa, é que é o verdadeiro atentado à livre circulação das outras obras”, questiona.
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Dá uma olhada no curta que fiz em protesto a esta situação
Abraços
Bom, dia!
Primeiramente, parabéns pelo BLOG!
Concordo plemanamente com as ponderações feitas aqui.
Já está mais do que na hora, de o Brasil aprender a se proteger do “imperialismo cinematográfico”.
O pior é que, o circuito alternativo de Belo Horizonte, que estava delibilitado sofreu mais um golpe com a perda de mais um espaço, O cinecube Unibanco Savassi!
Marcelo,
Obrigado pelo comentário.
Pois é, o circuito brasileiro passa por um momento de crise. E fica complicado a cada dia com perda de salas que fogem do padrão cinemão. Uma pena.
abraços
Editores do blog.
Acredito que faltam espaços para que esses filmes sejam exibidos. Em Belo Horizonte por exemplo, há alguns poucos locais que dedica a filmes “alternativos”. Em Betim (minha cidade), nenhum!
Mas ainda há um problema da ordem cultural: os brasileiros ainda tem preconceito com a produção nacional. Embora os longas estejam com alta qualidade, ainda escuto muita gente dizer: “Filme Nacional? Deve ser uma porcaria!”
Acho que é preciso mudar essa linha de pensamento, criar nas pessoas o gosto pelo que é nacional para que esses filmes finalmente entrem no circuito.
Sei que a internet revolucionou muita coisa, mas é preciso pensar que esse tipo de produção exige um retorno comercial. Esse retorno tem crescido, mas não sei se já é suficiente…
Desculpem se falo bobagem!
Blog bem legal! 🙂
Marinha Luiza,
Obrigado pelos seus comentários. E, não, não falou bobagem nenhuma, não.
Sim, o cinema que foge do padrão blockbuster de grandes lançamentos encontra dificuldades de achar o seu espaço. O cinema nacional, então, nem se diga. Acho que podemos – tanto jornalistas quanto o público – trilhar um caminho alternativo e encontrar espaços.
abraços.
Editores do Blog
Caros Zanin e Paulo, sobre o lançamento de “Amanhecer” e a ocupação de 50% das salas de cinema no país, entendo a preocupação e partilho dela. Com cores razoavelmente diferentes, contudo, essa é uma discussão antiga. E nessa altura do campeonato me pergunto se não é o caso pensarmos em espaços alternativos para certo tipo de produção que sabemos fica restrita a mostras e festivais. Um revivel dos cines clubes? Não sei, mas hoje com a internet é possível baixar filmes que não serão exibidos no circuito comercial. Não vi discussão nesse sentido, por aqui. Mas acho que esse é um ponto a ser considerado. Outro dia, por curiosidade, dei uma olhada no Festival de Cinema Turco. Não acho há como discutir um ou outro filme por que não será exibido aqui. O universo internautico oferece possibilidades que creio precisam ser ponderadas. Um comentário de Luiz Zanin Oricchio em seu blog, com link para acesso, creio estimularia os leitores. As salas do circuito, safisfazem exlusivamente às leis do mercado e, com tristeza, o slogam “tá dominado!”, evocado pelo Paulo, não será modificado. O exemplo argentino destacado pelo Zanin, a se considerar o mercado, é uma questão de contabilidade: faço ginástica publicitária e de algum modo extraio o lucro.
É isso;
Humberto Pereira da Silva, da Revista de Cinema e convidado da Filmes Polvo
Humberto, caro, entendo as suas colocações. De fato, hoje, temos muitos meios (alternativos) de ver filmes sem maiores oportunidades no circuito. Mas não é por isso, acho eu, que devemos deixar para lá as questões referentes ao circuito “tradicional”, em especial quando ele se encontra obviamente ocupado, como neste caso. É algo que vai um pouco além das nossas competências como críticos, porque se referem à economia do cinema. No entanto, devo lembrar, a tal economia acaba influindo nos filmes que vemos. Então tem de ser discutida. Claro que nenhum de nós tem uma solução na manga, mesmo porque nesse caso há um senhor conflito de interesses. Continuo achando que devemos nos mexer e, com as armas de que dispomos, tentar colocar em questão esse tipo de coisa. Não sei, no caso argentino, se a taxação é eficaz. O que sei é que eles não estão de braços cruzados, como nós. abraços. Zanin