Luta de Gustavo Dahl é premiada
por Ernesto Barros, originalmente publicado no jornal Diário do Commercio/PE)
O terceiro homenageado da Mostra CineOP é o legado deixado por Gustavo Dahl. Cineasta e gestor foi diretor de distribuição da Embrafilme nos anos 1970 e, antes de morrer, no dia 26 de junho do ano passado, estava à frente da gerência do Centro Técnico Audiovisual – CTAv , Gustavo é um espécie de mentor da mostra e da ideia de preservação no Brasil. Dois filhos do cineasta Carolina e Diogo subiram ao palco para receber o Troféu Vila Rica.
Ontem, o primeiro debate do dia teve como tema Gustavo Dahl e a Preservação Audiovisual contou a participação de pesquisadores e pessoas ligadas a ele, que contaram detalhes de sua trajetória pessoal e profissional no cinema brasileiro. Apesar de ter dirigido apenas três longas-metragens um deles, O Bravo Guerreiro, de 1968, está na programação da Mostra CineOP , Dahl esteve ligado ao cinema desde os anos 1950, quando trabalhou na Cinemateca Brasileira e como crítico no Suplemento de O Estado de S. Paulo.
Para o pesquisador paulista André Gatti, Dahl foi o diplomata do cinema brasileiro, que transitava livremente entre os cineastas do udigrúdi e Luiz Carlos Barreto. De acordo com o professor Arthur Autran, da Universidade de São Carlos, ele foi o ideólogo da preservação no Brasil. Gustavo Dahl pertenceu a uma estirpe em extinção, autores que aliaram a pratica com o pensamento, como contemporâneos como Glauber Rocha, disse.
O cineasta mineiro Geraldo Veloso relembrou que conheceu o cineasta durante as filmagens de O padre e a moça, de Joaquim Pedro. Eu já o conhecia dos textos do Suplemento, mas pessoalmente só fui ter com contato com ele nas filmagens em São Gonçalo do Rio das Pedras, um distrito de Diamantina. Depois, Gustavo me chamou para ser seu assistente em O Bravo Guerreiro, mas infelizmente não pude aceitar o chamado. Ele era uma espécie de irmão mais velho para mim, afirmou.
Podres Poderes
por Cid Nader (originalmente publicado no Cinequanon)
Antes de mais nada: impossível escrever seriamente a respeito de algum filme que não tenhamos visto de cabo a rabo,e por um azar de percurso (algo extremamente raro de acontecer nos festivais e mostras de “trilogia mineira”), o último rolo de O Bravo Guerreiro simplesmente ficou esquecido em algum lugar do mundo (que não justamente na sala de projeção do Cine Vila Rica: único lugar onde deveria e mereceria estar), por algum equívoco qualquer da Cinemateca do MAM. Dó, muita dó: pois, apesar de imprescindível, era trabalho que ainda não tinha visto em nenhum instante de minha vida, e que havia me capturado de maneira diferente durante o tempo de projeção em que viveu diante de meus olhos e (principalmente) ouvidos “estupefatos” enquanto sobreviveu na tela…
De todo modo não vou deixar de comentar algo. O Bravo Guerreiro sempre carregou consigo a mítica de ser filme pertencente ao “Cinema Novo”: até o é, mas especificamente pertence à segunda fase do movimento, o que implica percebê-lo mais “distante” das obras mais mitológicas do primeiro balaio. De 1969, com maneirismos e tomadas que lembram bastante o que se fazia mais especificamente no Rio de Janeiro e São Paulo (filme absolutamente urbano), sempre foi lembrado como um bom exemplo do que seria o Cinema Político, e ao constatar ontem o quanto Dahl desapegou-se da encenação (das dramatizações “exageradas” nas encenações dos protagonistas), para imprimir fortes tintas nos discursos (que alternavam entre os corrompidos, ou os em fase de dúvida sobre ter de aceitar ou não os “jogos” políticos”; que variavam entre os que eram de prática esperta – no bom e no ruim sentido – entre lideranças sindicais, e os de matiz inocentemente idealista), não há como negá-lo importantíssimo, principalmente pensando-o no contexto: basta lembrar que foi finalizado no ano subsequente ao AI5.
O que mais impressiona no filme – para além de atuações absolutamente exemplares de grandes atores, como Mário Lago, Peréio (numa secura desalentada impressionante), Ítalo Rossi, Carvana, Paulo Gracindo… – é o quanto ele cresce de intensidade durante seu trajeto. Não nos modos de atuação, não nos modos de tomadas de imagens (que são corretas e justas, sem pirotecnias), nem no adensamento dos discursos e dos questionamentos (que são poderosos desde a primeira frase): mas, evidentemente pelo acúmulo do que vai se ouvindo; na junção de tudo que é falado desde o início; na constatação do quanto de pode dizer, no cinema, também pela via mais comum em outras artes que é da voz… E surge o corte na projeção e a explicação… Pena, impossível continuar…
Câmera sóbria, câmera febria
por Heitor Augusto (originalmente publicado na Revista Interlúdio)
Piada pronta: num festival em que se discute à preservação de arquivos e o respeito à memória do cinema brasileiro, a cópia de Bravo Guerreiro que foi enviada pela Cinemateca do MAM no Rio de Janeiro à CineOP veio com um rolo a menos.
Com isso, num filme que caminhava para um clímax do conflito existencial do deputado que toma consciência da comédia do poder, o público que foi ao Cine Vila Rica aqui Mostra de Cinema de Ouro Preto ficou sem saber o final desse pujante longa de Gustavo Dahl.
Uma pena. Mesmo. Bravo Guerreiro é um filme que responde ao seu presente – tanto que o “povo” é citado inúmeras vezes por seus supostos representantes, algo sobre o qual Glauber havia versado um anos antes de Dahl com Terra em Transe.
Ao mesmo tempo que o conteúdo do diálogo responde a um momento específico brasileiro, o filme de Dahl permanece com uma atualidade impressionante. Afinal, fala-se de política partidária, de conchavos, concessões, roubos ideológicos, sindicalismo, moral, ética. É um convite buscar os equivalentes de hoje para os três partidos fictícios que formam a cena do filme em 1968: o Partido Radical, do Povo e Nacional.
Na interrupção da projeção do filme, um grupo de jornalistas e críticos ficou brincando de buscar equivalências. “Ah, o Partido Radical seria o PT, o do Povo seria o PSDB”. Acho divertido, mas difícil encontrar precisão nas comparações: há muito o PT deixou de ser esperança de esquerda para quem se enxerga à esquerda (não me digam que foi o aperto de mão de Lula com Maluf que abriu os olhos).
No capítulo comparações, vale olhar esse filme ao lado de Terra em Transe. Não para buscar valorações de quem é melhor e pior, mas sim pelos recursos de encenação. A câmera do filme de Glauber (operada por Dib Lutfi) é mais febria (como esquecer a cena em que José Lewgoy, Glauce Rocha, Paulo Autran e Jardel Filho discutem e a câmera baila com eles?). A da produção de Dahl (operada por Afonso Beato) é mais sóbria, observadora (vale citar a cena do almoço com a lagosta em que os políticos fritam outro membro do partido).
São calhamaços de diálogos com uma intensidade afirmativa absurda. Fala-se tanto e com tanta propriedade que é preciso rever o filme para lembrar dos diálogos com detalhes. Tudo com muito rigor de encenação, de embate duro entre os atores, de retirada do véu da sujeira ontológica da política partidária.
Mas com umas curvas de humor para quebrar a sisudez (“Ah, Fulano, se você não fosse tão rico seria um poeta incorrigível”) e ironia (“Eu quero me aposentar, ir pra Roma, terminar minha tese em Proust”).
Bravo Guerreiro é exigente, duro, pesado. Já quem um dos personagens, o do senador, interpretado por Mário Lago, lembrou Proust, vale a comparação: o filme de Dahl exige o mesmo esforço de uma leitura de Proust. Mas o prazer da viagem e o fim da jornada valem o esforço.
Uma pena que a cópia enviada pela Cinemateca do MAM-RJ tornou a projeção na CineOP um coito interrompido. Vieram as preliminares, o contato, os beijos, o sexo. Mas na hora do gozo, alguém bateu na porta e berrou: “Pegadinha do Malandro”.
Carta de Ouro Preto
Texto originalmente publicado no blog Preservação Audiovisual
Resultados do CineOP
O Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais realizados durante a Mostra de Cinema de Ouro Preto teve bons resultados. Além da qualidade da apresentação dos convidados internacionais (da Itália, México e EUA), as mesas de debate foram extremamente interessantes, com discussões acirradas, inclusive.
A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) teve uma nova diretoria eleita para um mandato de dois anos, sendo composta por:
Presidente: Hernani Heffner (Cinemateca do MAM, RJ)
Vice: Carlos Roberto de Souza (UFSCar, SP)
Tesoureiro: Ines Aisengart (RioFilme, RJ)
Secretário-geral: Fausto Correa (Cinemateca Catarinense, SC)
Diretoria de Relações Institucionais: Laura Bezerra (UFBA, BA)
Diretoria de Formação: Fabián Nuñez (UFF, RJ)
Diretoria Técnica: Rafael de Luna (UFF, RJ).
Ao final do encontro, foi elaborada a CARTA DE OURO PRETO 2012:
As entidades e os profissionais de preservação audiovisual, a comunidade acadêmica de cinema, audiovisual, arquivologia e educação, e os demais participantes do Encontro de Acervos e Arquivos Audiovisuais Brasileiros, realizado na 7ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, no período de 20 a 25 de junho de 2012, vêm através deste documento reafirmar seu compromisso com o patrimônio audiovisual brasileiro, sua preservação e difusão junto à sociedade brasileira e mundial.
Entendendo a preservação audiovisual como um dos instrumentos mais importantes de nosso tempo para a construção da cidadania e da cultura, os presentes ao Encontro trocaram informações, perspectivas, pontos de vista e experiências que mais uma vez indicaram a importância deste Fórum e o valor da participação democrática como ferramenta para uma sociedade justa e culturalmente desenvolvida.
O Encontro abordou questões das mais variadas ordens e dimensões que indicaram mais uma vez como inadiável a formulação de um Plano Nacional de Preservação Audiovisual. Desdobrando este objetivo em ações mais imediatas, seus participantes propõem o estreitamento das relações entre o setor e diferentes instâncias de mediação e execução de tarefas de preservação audiovisual, em nível nacional e internacional.
Entre as medidas mais significativas e urgentes estão:
– a abertura de um diálogo franco e democrático com o poder público brasileiro, visando a formulação conjunta de ações que atendam as instituições, os acervos e o acesso a eles, dentro de um marco de cultura democrática que perpassa a sociedade brasileira atual;
– a formalização do campo da preservação audiovisual como um saber específico, uma profissão particular – iniciando a luta pelo reconhecimento da categoria junto às instâncias reguladoras do trabalho no País – e uma ação necessária à constituição do patrimônio cultural brasileiro;
– a promoção de uma formação técnica e acadêmica sistematizada, completa e contínua, como requisito a um aumento da qualidade dos serviços de preservação audiovisual, ao trabalho realizado dentro de parâmetros éticos e profissionais rigorosos e à difusão de uma cultura brasileira da preservação audiovisual de natureza plural e democrática;
– e o estreitamento das relações e ações mútuas com o campo da educação, refletindo a inserção do audiovisual na vida cotidiana dos cidadãos, em especial crianças e jovens, a apresentação regular de obras audiovisuais na escola e a necessidade de formulação de políticas e práticas adequadas de uso desse conteúdo como elemento formador do sujeito e da cidadania, ressaltando-se a função da preservação audiovisual dentro desse processo.O Encontro reforça ainda o apoio à manutenção do tombamento do Cinema Excelsior de Juiz de Fora, MG, endossando a mobilização para sua preservação, dentro de um marco que não descaracterize sua origem como espaço dedicado ao audiovisual, sem prejuízo de novas atividades culturais.
Reitera também a necessidade de conclusão do projeto de constituição e abertura da Cinemateca Capitólio de Porto Alegre, RS, como espaço de preservação do patrimônio audiovisual gaúcho e brasileiro.
Os profissionais da preservação audiovisual, assim como os demais cidadãos comprometidos com a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro, presentes à 7ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, ressaltam a importância, a continuidade e a promoção anual do Encontro, espaço fundamental para troca de ideias e formulação de ações, e o compromisso com a salvaguarda e difusão da obra audiovisual brasileira de qualquer época, suporte e origem.
Ouro Preto, 25 de junho de 2012.