Luiz Zanin Oricchio (SP), O Estado de S. Paulo
Dos filmes novos da Mostra (os clássicos, Kubrick, Resnais etc., não entram na conta) não houve nenhum mais impactante (pelo menos para mim) do que o romeno Child’s Pose, ou Instinto Materno, de Calin Peter Netzer, vencedor do Urso de Ouro em Berlim.
De que material é feito esse filme? De um acontecimento e suas consequências. Filho de família rica atropela um menino de família pobre e o mata. O problema da família rica, da mãe em especial, é livrar a cara do rapaz, que nem é tão garoto assim. A mãe é Cornelia, mulher dominadora, ao lado do seu marido apagado. O filho, Barbu, tem nada menos de 34 anos, namora uma moça sem graça, que a mãe não aprova, e não parece nada propenso a assumir responsabilidades.
Cornelia toma à frente do caso. Se o negócio é livrar o filho da prisão, tem de se envolver no pesadelo burocrático da polícia. Não basta – precisa ainda tentar mudar o depoimento de uma testemunha (o motorista do carro que Barbu, acima da velocidade permitida, ultrapassou). E ainda buscar um acordo (sem que pareça ser um acordo) com a família do garoto de 14 anos que morreu no acidente.
Por um lado, a super atividade de Cornelia em prol do filho pode ser vista com exercício de amor materno que, como se sabe, não conhece limites. Por outro, a maneira como age denuncia de fato a maneira como os ricos veem os pobres e de como esse relacionamento assimétrico diante da lei se dá no interior da sociedade romena. Mas, apenas romena?, perguntaríamos.
Claro que não. Descontadas particularidades culturais, se poderia dizer que é assim em toda parte. Se existe uma tendência universal é a de resolver tudo com dinheiro, ou com jeitinhos legais variados. Não é privilégio romeno. Ou nosso.
Mas é claro que Child’s Pose vai muito além desse registro. Como notou um crítico amigo nosso, ele é uma espécie de O Som ao Redor romeno. Num aspecto particular – coloca sua lente próxima a uma família e, a partir dela, enxerga, de maneira ampliada, a estrutura mais arcaica da sociedade. No Brasil, com O Som ao Redor, Kleber Mendonça Filho evoca o modo patriarcal-escravocrata que sobrevive mesmo na reciclagem do capital rural em especulação imobiliária. Na Romênia, o que está em cena é a coisificação capitalista que ressurge intacta mesmo após décadas de comunismo.
A maneira como essas sobrevivências são postas em cena é brilhante, num caso como no outro.
Entrevista com Lav Diaz: O incontornável peso da história
Heitor Augusto (SP), Revista Interlúdio
Você sente o peso da história, do passado, em cada fotograma de um filme de Lav Diaz. Ele está inscrito nas rugas dos personagens, nas falas balbuciadas, nas testas franzidas; nos momentos de silêncio. É nesses detalhes que você encontra a chave do cinema de Diaz e a fonte de onde vem sua força e importância.
Nada mais chavão do que começar um texto de apresentação da obra do cineasta filipino Lav Diaz com a famosa citação do crítico de cinema Alexis Tioseco, escrita em 2006 no seu site Criticine. A precisão com que Tioseco definiu a obra de seu compatriota torna, porém, inevitável uma lembrança, uma referência ao tal “peso da história”.
Pois é exatamente isso que se desprende dos filmes de Diaz: após a longa jornada de cumplicidade em que nos envolvemos com seus personagens, saímos com a sensação de que, mesmo as Filipinas sendo um país longínquo, cuja cultura tem praticamente lastro zero no cotidiano do brasileiro, entendemos que não é nada fácil ser filipino.
Após trazer ao longo dos anos alguns dos trabalhos de Diaz, a Mostra de 2013 realizou uma ampla retrospectiva. É por ocasião desse festival que aconteceu a entrevista com Diaz, guiada pela percepção da importância de (re)apresentar seus filmes ao público brasileiro. Promover essa conversa e passar pelos principais aspectos de seu cinema é reforçar o incentivo para o cinéfilo conhecer seus filmes – ainda mais que, mesmo com a retrospectiva na Mostra, muita gente viveu o dilema de “perder” espaço na programação ao encaixar um filme de Diaz, que costuma durar entre quatro a nove horas.
A Mostra acabou, mas existem paliativos para combater a invisibilidade da obra de Diaz. Se por um lado nenhum de seus filmes foi lançado em DVD, por outro existem os fóruns de compartilhamento, especialmente o Asian Torrents (acesso livre), Making Off e Karagarga (ambos necessitam de convites).
Seu conjunto de filmes aponta um interesse bastante forte pela história das Filipinas. Quando você vai contar uma história que se entrelaça com eventos das Filipinas, qual sua principal motivação? Propor uma nova reflexão, chamar a atenção do público para episódios desconhecidos, considerar o passado como forma de se pensar o futuro…?
Na verdade, todas as alternativas acima.
Seu estilo foi se apurando ao longo da última década desde Nu sob o Luar (1999, ao lado). A duração de seus filmes é uma das características, mas não só – você passou a se utilizar da música de maneira diferente, por exemplo. O que mudou do jovem Lav para o de hoje, já estabelecido como autor? Seu desejo de cinema continua o mesmo?
Minha crença no cinema ainda é a mesma, ainda acredito nele. O passar dos anos me traz mais sabedoria e a tal da maturidade, obviamente. Apesar de ter desenvolvido um trabalho que me deixa confortável com ele e com a maneira que eu lido com o fazer cinematográfico, ainda sou o mesmo apaixonado pelo cinema como era quando o descobri. Assisto a tudo de mente aberta, com mesmo nível de entusiasmo para descobrir novos mundos, perspectivas e culturas.
Estou sempre me esforçando pra entender o cinema e ainda brigando para entender a vida. É um desafio permanente essa práxis estética com a realidade do cotidiano que, não raro, impossibilita e ofusca o idealismo.
O crítico Alexis Tioseco, maior incentivador do seu trabalho nas Filipinas, que chegou até a produzir filme seu, deu aquela maravilhosa definição de que “você sente o peso da história em cada fotograma de um filme de Lav Diaz”. São muitos os planos que ilustram isso: o escritor isolado que acaba de voltar para as Filipinas no começo de Morte na Terra dos Encantos; a avó de Evolução de uma Família Filipina; o pai isolado de Nua Sob o Luar, o avô e sua neta mergulhados numa narrativa sem escapatória em Florentina Hubaldo, CTE. Como você constrói esses personagens que carregam uma alma machucada com cicatrizes crônicas?
Sempre me pauto por criar personagens que se assemelhem com os da vida real ou que, de alguma forma, representem a condição humana, o quão imperfeita nossa existência é, o quão frágil. Essas são as verdades intrínsecas ao meu trabalho.
Os últimos planos de Evolução de uma Família Filipina (abaixo) colocam em evidência não os mais velhos, mas os jovens, quase adultos, que cresceram durante a Ditadura Marcos (1972-86). São eles que terão de levar o país após à morte da avó e do pai. Gostaria que você explicasse para nós que não somos tão familiarizados com a história das Filipinas o que representa os chamados Anos Marcos e a importância de entender esse período para compreender a situação do seu país hoje.
A Ditadura Marcos, também conhecida como a Era da Corte Marcial, foi o período mais obscuro da nossa história. E os filipinos não devem, sob hipótese alguma, se esquecer disso, assim como outras nações ao redor do mundo devem apagar tais atrocidades de suas história: Augusto Pinochet no Chile, [Hadji Mohamed] Suharto na Indonésia, Pol Plot no Camboja, Hitler, Assad na Síria.
Percebo um certo esforço revisionista para reabilitar a imagem de Ferdinand Marcos e apagar os crimes que ele causou no psicológico de todo um país [o crítico Mauro Feria Tumbcoon Jr analisa esse revisionismo no cinema dentro do artigo Lav Diaz’s Ebolusyon: A Rearrangement of a Troubled Landscape].
Devo lembrar que a memória histórica das pessoas é curta e que o interesse pela história nas novas gerações é praticamente inexistente. Não tenho dúvidas que a disfuncionalidade estabelecida na Era Marcos em nosso país é muito mais severa que nos períodos de colonização/ocupação sob o julgo da Espanha, Estados Unidos e Japão.
Na entrevista que você concedeu a André Picard da CinemaScope você comenta que os filipinos são o povo da tempestade e como, desde a história antiga, o país está sujeito às leis da natureza. Em seguida você faz uma associação com uma certa resiliência provada pela extensão de tempo que os filipinos aceitaram a ditadura de Marcos. Você poderia desenvolver melhor essa ideia? Para nós que somos brasileiros e tidos como um povo hospitaleiro, pacato e gentil, essa resiliência nos parece bastante familiar.
A Natureza é um personagem fundamental na vida dos filipinos malaios. O Arquipélago das Filipinas é o cinturão do tufão no mundo. Temos em média de 25 a 28 tempestades/furacões por ano. Essa surra natural tem efeitos tanto físicos quanto psicológicos, é uma espécie de tortura permanente, cruel e brutal. Porém, nos acostumamos com esses ciclos. Aí entra a resiliência que, como atributo e característica, pode ser boa, mas tem uma óbvia conexão com uma atitude bastante apática dos filipinos, um tipo de passividade que representa uma sombria contradição.
Ela se tornou uma enfermidade, uma desesperança, algum tipo de estado de Chronic Traumatic Encephalopathy (CTE). Aceitamos como um destino incontornável: sofremos vagarosamente e apanhamos para sair desse estado. Ironicamente, a luta por emancipação ou redenção só acontece quando o estrago já se tornou tão, mas tão pesado, que é praticamente impossível revertê-lo. Esse é o grande paradoxo do povo filipino [tal paradoxo é melhor representado em Florentina Hubaldo, CTE. No filme, a personagem é sistematicamente abusada e prostituída pelo próprio pai, mas só consegue se libertar após anos de sofrimento].
Um dos assuntos que sempre me chamou a atenção em seus filmes é a iminência do abuso sexual ou do assédio. Seja como assunto principal do filme como em Florentina Hubaldo, CTE, como ponto fundador de uma personagem – Nua Sob o Luar – ou inserida no cotidiano, caso de Evolução de uma Família Filipina, em que o tema do assédio aparece até nas radionovelas que as personagens escutam no filme. Isso é um interesse seu ou realmente representa um desafio diário para a mulher filipina?
É um desafio diário. Nossa sociedade é deveras machista e sexista, o que, na verdade, não deixa de ser um traço de quase todas as sociedades e cultura. O homem ainda é um bárbaro.
Como você reage a uma crítica bastante comum em toda sua carreira: a de que, apesar de seus filmes falarem do cotidiano do povo filipino, ele mesmo não se sente encorajado a assistir devido à duração dos filmes?
Eu não poderia estar menos interessado se meus trabalhos são “assistíveis” ou não, pois tenho a convicção de que uma estética verdadeira sempre vence no final. Sou fiel, e também teimoso, com minha estética. É uma responsabilidade, podemos chamá-la de minha posição moral como artista e trabalhador cultural. O grande cinema deve desenvolver um público à altura.
Uma das sequências mais belas de seus filmes é a morte de Kadyo em Evolução, que começa com a facada na multidão durante os protestos e culmina com seu corpo empilhado junto a cadáveres não-identificados. Como você se relaciona com os atores? Que tipo de entrega é necessária da parte deles para a composição da dramaturgia que marca seus filmes?
Eles entendem o meu processo – ou talvez apenas acreditem nele. Falo do plano-sequência, do take de longa duração, da investigação do homem. Os vejo como personagens que criei e trabalhamos de forma a entender sua condição e seu entorno numa pegada mais orgânica e fluida. É um processo simples no qual o ponto-chave é sempre atingir a verdade do personagem, a verdade da cena, a verdade da narrativa.
Partindo do fato que seu primeiro longa, Serafin Geronimo: Ang kriminal ng Baryo Concepcion (1998), é vagamente baseado em Crime e Castigo, te pergunto: qual a influência de Dostoiévski na sua carreira?
A luta da culpada alma humana, além da forte investigação psicológica nos livros de Dostoiévski chamaram minha atenção. Ele apresenta o ser humano em sofrimento como algo intrínseco à própria existência. E há sempre a busca pela redenção, além da batalha entre o Bem e o Mal.
Como você tem conseguido financiar seus filmes sendo um artista que não pertence à chamada indústria comercial de cinema nas Filipinas?
Tenho o apoio algumas vezes do Hubert Bals Fund do Festival de Roterdã. Os amigos também ajudam. Sou um cineasta pobre e de maneira alguma estou romantizando isso, pois faço filmes porque quero, não por obrigação. Me adapto no processo ao que tenho em mãos. Não posso reclamar. Dias antes da nossa entrevista alguém me perguntou num debate após uma exibição: “Como você distribui esses filmes longos?”. Eu disse: “Não faço filmes para o mercado. Faço filmes para o cinema”.
Cinema Latino-Americano
Antonio Carlos Egypto (SP), Cinema com Recheio
O cinema latino-americano teve presença significativa na 37ª Mostra internacional de Cinema de São Paulo. Consegui ver vários dos filmes programados para esta edição. Da Argentina, muito bom foi Wakolda (ao lado), de Lucía Puenzo, sobre uma família na Patagônia que conviveu, sem saber, com Joseph Mengele, nos anos 1960. Ele morreria em 1976 no Brasil, em Bertioga. É uma história bem contada.
El Crítico, de Hermán Guerschuny, é uma comédia que brinca com a profissão de crítico de cinema. É divertida, mas irregular. Habi, A Estrangeira, de Maria Florencia Álvarez, deixa a desejar, ao contar a história de uma adolescente que resolve assumir uma identidade muçulmana. O cinema argentino, que tem sido apresentado regularmente no circuito comercial brasileiro, não chegou a ter grande destaque desta vez na Mostra.
Do Uruguai veio O Militante, de Manolo Nieto, que recebeu prêmio especial da crítica, mas que, a meu ver, não chega a lugar nenhum. Nem conta uma história, nem se aprofunda num clima que nos faça refletir de fato sobre alguma coisa importante.
De Cuba, vi La Partida, de Antonio Hens, um pouco mais ousado e com alguma inventividade, ao tratar de um relacionamento homossexual, em meio a carências sociais e familiares intensas.
Casadentro, de Joanna Lombardi, foi o filme do Peru e este me convenceu bem mais, ao falar de quase nada, ou seja, da rotina de uma mulher de 81 anos dentro de casa, às voltas com a cachorra e recebendo uma visita da família da filha. Onde, aparentemente, nada acontece pode-se compreender o envelhecimento, as marcas emocionais do passado e o significado da rotina na sobrevivência psíquica.
O melhor da América Latina nesta Mostra, porém, veio do norte: do México. Las Horas Muertas, de Aaron Fernandez, também aborda uma situação de espera, onde pouca coisa acontece. Passa-se num motel, onde uma mulher aguarda seu amante e se encontra com um adolescente que cuida do estabelecimento, enquanto seu tio se restabelece de uma enfermidade. Eles vão se descobrindo, se relacionando, lidando com suas fantasias e esperanças, longe da cidade, num local apropriadamente isolado. O clima é tudo nesse filme.
Do México nos veio, também, La Jaula de Oro, de Diego Quemada-Diez, prêmio da crítica como melhor filme e menção honrosa de ficção pelo júri. O filme acompanha a jornada longa e perigosa de alguns adolescentes que saem de favelas da Guatemala e atravessam o México, em busca de chegar a Los Angeles, nos Estados Unidos. À espera de uma espécie de paraíso que possa compensar o inferno de tal travessia. A crueldade, a ganância e a sordidez humanas ficam mais evidentes diante de jovens migrantes ilegais que ainda ousam acreditar e sonhar. Grande filme, que deve estrear brevemente nos cinemas.
Como se pode ver, se o cinema latino-americano não foi a grande expressão cinematográfica da atualidade, esteve longe de decepcionar.
Cinema Grego
É fato sabido que as crises econômicas, os regimes políticos totalitários, a censura, as guerras, estimulam a criatividade artística. Grandes expressões da arte resultaram de momentos de crise, em sentido coletivo, mas, também, individual. Crises existenciais são geradoras de grandes obras.
Já que a crise é também oportunidade de rever, repensar, ressignificar, buscar alternativas, o que se poderia esperar da produção cinematográfica do país que foi mais abalado, na comunidade europeia, pela crise do euro?
A Grécia, para começo de conversa, veio para a 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com um número expressivo de títulos, colhidos nos festivais pelo mundo. Uma presença bem mais significativa do que habitualmente acontecia no evento paulistano. E, a julgar pelos cinco filmes que vi, veio com força e qualidade.
O melhor deles, para mim, foi Miss Violence, segundo longa-metragem dirigido por Alexandros Avranas, vencedor do Leão de Prata de direção e melhor ator em Veneza. O filme, corajosamente, expõe a violência, o abuso e a prostituição forçada das mulheres de uma família, em suas várias gerações, e todas as consequências trágicas que daí resultam, com total realismo e procurando produzir suspense. A crise está presente no desemprego e na dificuldade de sobreviver que agravam o quadro ou, por outro lado, servem para tentar justificar ou validar a monstruosidade apresentada.
A outra leitura é possível, esta alegórica da situação, se olharmos para a família como representante da sociedade como um todo. A carência alimenta a opressão, o estupro, a exploração das pessoas e da mãe-pátria. Também faz sentido. E uma coisa não exclui a outra. Ao tratar do tema da exploração sexual da mulher, o contexto subjacente é o da crise social e moral em que se vive na sociedade grega atual. Mais difícil de aceitar é a visão de uma patologia individual determinando os fatos. Há um eloquente sentido de opressão coletiva, que se evidencia no desenrolar da trama e nas interpretações do elenco.
A crise da sociedade grega é muito mais evidente no filme Todos os Gatos São Brilhantes, da cineasta novata Constantina Voulgaris. Ali, uma artista tenta ganhar a vida como baby sitter, seu namorado ativista, convicto e radical, vai preso e se recusa a compactuar com o regime que ele sente que oprime o povo. Há “black blocs” pelas ruas e todo um clima político em que os jovens têm dificuldade para encontrar seu lugar no país, e se puderem saem dele. Mas para onde, se a crise está por todos os lados, pelo menos para qualquer lado das fronteiras que se olhe? Em tempo: no filme não há gatos nem brilho. Mas a fita flui bem, é expressiva desses tempos difíceis.
O Garoto que Come Alpiste, outro primeiro longa, desta vez do diretor Ektoras Lygizos, é uma experiência mais radical. É um filme sobre a fome, a impossibilidade de trabalhar e obter dinheiro, ainda que seja pouco, vividos por um jovem de 22 anos, cantor lírico, em Atenas. Embora baseado em texto literário antigo, a experiência do jovem remete, em tudo, à crise atual. Mostrado em situação limite, e fechada, sem saídas, com direito a cenas de grande impacto e tudo o mais, o filme é um soco no estômago. Vazio, ainda por cima.
Patos Selvagens, primeiro longa de Yannis Sakardis, trata de um tema mais específico. A ganância capitalista na área das telecomunicações, mesmo sabendo que pode produzir doenças graves nas pessoas, mantém seus comportamentos e abafa qualquer denúncia para garantir seus lucros. A solução, segundo o filme, é uma só: as pessoas se unirem para resistir. Nisto está sintonizado com o sentimento coletivo do país. Resistir a isso, e a tudo o que coloca a cidadania de quatro, nessa crise.
O quinto e último filme grego que pude ver nesta Mostra refere-se a outra dimensão. Meteora vai em busca de monastérios ortodoxos situados acima de pilares de arenito, suspensos entre o céu e a terra, conforme explica a sinopse que consta do catálogo da Mostra. Aqui, o que se vai viver é a relação entre a fé, o afeto e o desejo sexual humanos, presentes nas figuras de um casal de religiosos. Mesmo separados em duas montanhas de pedras diferentes, uma para cada sexo, e uma escadaria interminável para galgá-las, haverá modos de se encontrar e viver essa história de amor.
Meteora é o segundo longa do diretor Spiros Stathoupoulos. É o filme mais bonito visualmente dessa leva de gregos. Tem locações belíssimas, um clima que o situa fora do mundo real e uma muito eficiente atuação do desenho de animação, que se insere ao longo de toda a trama, pontuando o imaginário, o temido e o desejado. O fato de se distanciar tanto da realidade atual da Grécia não significa, no entanto, que não dialogue com ela. A busca da beleza, do amor e da fé, não deixa de ser um caminho alternativo, idealizado, quando o mundo real parece tão duro de enfrentar.
Vistos no conjunto, esses filmes gregos de novos diretores mostram que está germinando um novo cinema por lá. Ninguém espere a sofisticação e a estética maravilhosa do mestre grego do cinema, Theo Angelopoulos (1936—2012), é claro. Mas nem é possível, mesmo, exigir tanto de jovens cineastas. Que o cinema grego atual mostra talento, não há dúvida. Isso é muito promissor.
Zanin, João Nunes, Egypto, ótimo a atenção que deram os cinema romeno e grego;Especialmente importante a maneira de traçar paralelos, no caso, entre O som ao redor e Child´s Pose; essa articulação, para mim, é o que se extrai de mais instigante no momento. Muito sensível, de vcs, puxar uma discussão que não toma filmes como fenômenos isolados, de mero gosto pessoal, mas instiga comparações, recortes com semelhas e diferenças. abraços do Humberto
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