Celso Sabadin*
Realizar um filme maravilhoso e totalmente rodado dentro de um único ambiente é extremamente difícil. Realizar dois, então, é quase impossível. E três? É obra de gênio. Pois o genial Ettore Scola conseguiu outra vez! Depois de “O Baile” e “A Família”, o cineasta italiano apresenta “O Jantar”, filme que chega aos nossos cinemas com dois anos de atraso em relação ao mercado europeu. Em “O Baile”, de 1983, tudo se passa num salão de danças. Em “A Família” (1987), a ação não sai nem por um segundo de dentro de um casarão. E agora, em “O Jantar” (de 1998), a vida acontece no interior de um restaurante. Entre os três, difícil dizer qual o mais encantador.
Os primeiros segundos de projeção de “O Jantar” já são suficientes para emocionar qualquer cinéfilo. Não propriamente por alguma cena específica, mas pelos créditos de abertura: ao lê-los, a plateia fica sabendo que irá saborear – num único filme – as presenças de Giancarlo Giannini, Fanny Ardant, Stefania Sandrelli e Vittorio Gassman. De uma só vez! Talvez estes nomes signifiquem pouco ou quase nada para quem tem menos de 40 anos. Da mesma forma que maravilhas como “Um Americano em Roma”, “Feios Sujos e Malvados”, “Um Dia Muito Especial”, “Splendor” e “A Viagem do Capitão Tornado” – apenas cinco dos 80 filmes dirigidos por Scola – sejam apenas títulos perdidos numa empoeirada prateleira de videolocadora, para este mesmo público. Mas não faz mal. Eles não sabem o que perdem.
Em “O Jantar”, tudo acontece apenas numa noite. Aos poucos, as pessoas vão chegando e se acomodando no simpático restaurante comandado pela charmosa Flora (Fanny Ardant). Em cada mesa, uma pequena tragédia humana. Em cada prato, um pedaço de vida. Há um professor de filosofia enroscado com sua jovem aluna apaixonada. Uma mãe inconformada com a opção de filha de não cursar faculdade. Um pai tentando resolver suas diferenças com os filhos. Dois atores de teatro discutindo Dostoievsky. Uma garota que tenta decidir entre seus quatro pretendentes, todos sentados à mesma mesa. Uma festinha adolescente. Uma família de japoneses que tudo fotografa. Um vidente ilusionista. Três garçons e um chefe de cozinha, comunista, todos impagáveis. Peruas, namorados, executivos e – óbvio – celulares e mais celulares que não param de tocar. Num canto, um velho mestre a tudo observa. Dissimuladamente, todas as mesas acompanham as conversar de seus respectivos vizinhos, pois ainda está para nascer o italiano que fale baixo.
Os diálogos são tão ou mais saborosos que os pratos servidos. O garçom mais velho argumenta que não é obrigado a conhecer o preparo de um bife à milanesa, já que ali não é Milão. Outro garçom mostra uma poesia ao velho mestre e diz: “Escrevi enquanto andava de metrô”, ao que o mestre retruca: “Você deveria andar mais a pé”. Uma verdadeira celebração da vida, ao sugo.
A câmera de Scola passeia sem cerimônia por todo o restaurante, pela cozinha e pelos banheiros. Trabalha com maestria não só o primeiro e o segundo planos, como também o terceiro, o quarto e – dependendo da cena – até um quinto. Toda a tela grande é usada. Aqui, a ditadura do vídeo e da televisão não vinga. A trilha original do veteraníssimo (83 anos, mais de 160 filmes) Armando Trovajoli não hesita em referenciar – e reverenciar – o inesquecível Nino Rota. E os diálogos, assim como a imagem, também ganham segundo e terceiro planos. Legendar com fidelidade se torna impossível.
Nas cenas finais, a vida deixa de ser celebrada através da comida e da bebida, abrindo espaço para Mozart e, posteriormente, ao jogo. Massa, vinho, música e baralho. É assim que o italiano vive. É assim que Scola filma.