Alysson Oliveira *
No começo dos anos de 1970, o diretor Andrea Tonacci balançou os alicerces do cinema com seu “Bang Bang”, um filme anárquico, divertido e ácido sobre o estado das coisas e da cultura. Em 2009, novamente, com “Serras da Desordem”, questionou os limites do documentário e da representação, colocando em foco a questão indígena. O longa lhe rendeu diversos prêmios – entre ele melhor filme para a Associação de Críticos de SP, e diretor, no Festival de Gramado – além de discussões e questionamentos sobre os avanços e limitações da linguagem cinematográfica.
O novo trabalho do cineasta não é diferente daquilo que tem feito em sua filmografia. “Já Visto Jamais Visto” é um filme de fragmentações que buscam por um todo. Em parceria com a montadora Cristina Amaral, Tonacci compõe um painel que desafia o tempo e a forma. Valendo-se de filmes e fotografias de seu acervo, o cineasta investiga a passagem dos anos e o processo de amadurecimento – que analisa, então, não apenas como pessoa, mas também como diretor de cinema.
São imagens que acumulou durante meio século, delas retirando partes que tentam englobar a experiência do total. Estão na tela não apenas momentos de seus filmes “Bang Bang” e “Blá Blá Blá” (1968), mas de outras obras que não finalizou, como “Os últimos heróis” (1966), “At Any Time” (1960-1988) e “Paixões” (1994), além de vídeos caseiros de sua família. Essa construção pela memória resulta em momentos oníricos e na transitoriedade das lembranças. Essas, então, são uma tentativa de aprisionar o passado e impedir o esvaecimento.
A fragmentação, típica de nossa pós-modernidade, impede-nos de ver o todo – no filme, seria o fluxo da passagem do tempo, que vem truncado e com lacunas. Cabe ao exercício mental de cada espectador completar os espaços e dar sentido ao que se vê na tela.
Num diálogo com um amigo, num set de filmagens, quando parecem discutir sobre uma questão acerta do tempo, Tonacci aconselha,: “Você tem que seguir o seu tempo, quem vai determinar seu tempo na ação, seja você o investigador da história… Siga o seu tempo”. Essas palavras ecoam no presente, na negação da linearidade da narrativa em Já Visto Jamais Visto, que segue um fluxo de consciência modernista, pautado pela memória.
* texto originalmente publicado no site Cineweb