Perdemos Claude Miller
Por Maria do Rosário Caetano (para o blog da Abraccine – 04/04/2012)
O cineasta francês, grande amigo de François Truffaut (dele filmou o roteiro A Pequena Ladra, filme que revelou Charlotte Gainbourg), morreu aos 70 anos, em Paris. Nos tempos em que Gabi (Albicocco) era representante da Gaumont no Brasil, fomos — um grupo de jornalistas culturais — a um Encontro com o Cinema Francês, no Copacabana Palace. Miller integrava a trupe e conversou, longamente, conosco, à beira da piscina. Em pauta o roteiro que herdara do amigo Truffaut (A Pequena Ladra). Simpático, articulado, ele fez questão de prestar tributo ao amigo Truffaut, que morrera em 1984… Agora perdemos Miller….
Por Luiz Zanin (na ocasião do lançamento do VHS, para o Caderno 2, jornal o Estado de São Paulo, 19 de maio d 1993)
Último roteiro de Truffaut dá vida à ladra adolescente
Ladra e Sedutora, de Claude Miller, é, à primeira vista, um filme sobre o aprendizado da vida. A adolescente Janine (Charlotte Gainsbourg) cresce na França do pós-guerra. A mãe a abandonou. Fugiu com um italiano. Janine é rudemente criada pelos tios numa cidadezinha do interior da França. Transforma-se em problema, pois tem o hábito do furto. Exercita a cleptomania expropriando cigarros, calcinhas, sutiãs e a esmola da igreja. Não parece um filme de Truffaut? Pois quase é. O roteiro de La Petite Voleuse foi escrito por Truffaut, que morreu antes de poder filmá-lo. Quem passou o texto do papel para o celulóide foi Miller, assistente de Truffaut em oito filmes.
Miller tem a mesma mão suave que seu mestre. Esteve ho Brasil há 15 dias, participando do lançamento no Rio de outro filme, A Acompanhante, e garantiu que foi fiel ao roteiro de Truffaut em Ladra e Sedutora. Apenas, disse, adicionou uma dose de dureza que nãoera própria do diretor de Os Incompreendidos. De fato. Miller dirige seu trabalho com uma crueza que se pode chamar de lírica. Há crueldade na trajetória de vida de Janine. Mas Miller esbanja delicadeza nas cenas em que essa rebelde sem causa se inicia no mundo dos adultos, na sexualidade, no afrontamento de uma existência sem muito objetivo.
A “cor de época” (início dos anos 50) vem por meio de trechos de documentários. E pela música, sempre uma presença importante no cinema de Miller. Charlotte Gainsbourg constrói uma personagem interiorizada. Por seu olhar passam o medo, a ternura, a insegurança e a determinação. Está perdida e sabe disso. É a metáfora do seu país, que sai vencedor de uma guerra, mas passada a euforia da vitória se reencontra com um destino que não é exatamente glorioso. Miller usa a história de uma pequena vida como pretexto para discutir a política francesa. É um cineasta vigoroso.
Dono de uma filmografia pautada pelos dramas das relações entre pais e filhos, o diretor francês Claude Miller conta como foi voltar ao tema em ‘Feliz que Minha Mãe Esteja Viva’, coescrito e codirigido com o filho, Nathan
Por Carlos Helí de Almeida (para o jornal do Brasil, 26/03/2011)
Claude Miller passou grande parte de sua filmografia investigando a relação entre pais e filhos e os diversos níveis de manipulação psicológica e afetiva entre eles. Em Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, em cartaz desde ontem nos cinemas da cidade, o realizador francês retoma uma variação do tema, centrada no sentimento gerado pelo abandono, mas desta vez levando consigo o filho Nathan, que coassina o roteiro e a direção do filme.
Depois de servir como diretor assistente de vários títulos dirigidos pelo pai, pela primeira vez Nathan trabalhou lado a lado, de igual para igual, com o pai famoso, compartilhando ideias sobre a adaptação para o cinema de um caso real, ocorrido no final dos anos 90, envolvendo a trágica obsessão de um filho adotivo pela mãe biológica. Segundo a sabedoria popular, nenhuma família é perfeita, mas o diretor de 59 anos garante que a colaboração tão próxima em um tópico tão complicado não gerou qualquer tipo de constrangimento entre os dois.
– Houve um período, quando era mais novo, lá pelos meus 30 anos, em que eu era muito mais tímido e vivia focado no desejo de fazer os filmes que sonhava dirigir, que talvez não tivesse sido um pai perfeito. Mas fiz meus progressos – disse ao JB, com um grande sorriso no rosto, o diretor de Um Segredo de Família (2007), durante o Festival de Marrakech. – É bom lembrar que Nathan também se interessa por histórias sobre pais e filhos. Não é por acaso que ele trabalha comigo há dez anos. Este ano, ele vai dirigir seu primeiro longa-metragem. Na verdade, eu que o encorajei a abandonar a escola aos 16 anos e fazer cinema.
Ex-assistente de Robert Bresson (1901-1999), Jean-Luc Godard e François Truffaut (1932-1984), Miller reconhece a importância da experiência prática no aprendizado cinematográfico. A história da atividade, lembra ele, está cheia de bons exemplos de que, quanto mais íntima for a colaboração entre artistas, mais duradoura e proveitosa ela poderá ser.
– Reconheço que não há muitos pais e filhos trabalhando juntos em cinema, mas veja o caso dos irmãos belgas (Jean-Pierre e Luc) Dardenne, de O Silêncio de Lorna, os americanos (Joel e Ethan) Coen, de Bravura indômita, e os (Andy e Lana) Wachowski, de Matrix, entre tantos outros – observa Miller. – É claro que cada um tem uma função específica dentro dessas duplas, e sabe até onde um pode interferir no papel ou na decisão do outro. No nosso caso, posso dizer que Nathan teve sua área de atuação bem determinada dentro do processo de trabalho, assim como eu também tive. Num esquema parceria como este, temos que ser muito precisos sobre nossos limites para evitar maiores confusões.
Em Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, o destino de uma criança retorna ao centro do cinema de Miller. O diretor costuma dizer que se vê representado nos personagens miúdos que cria ou dos quais se apropria de outras fontes. Em A Escola da Carne, ele debruçou-se sobre um caso de pedofilia, drama vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 1999. Já no igualmente perturbador Betty Fisher e outras histórias (2001), acompanhou os desdobramentos psicológicos e ilícitos da morte de um filho em uma jovem mãe. No ainda recente Um Segredo, um adolescente judeu descobre um vergonhoso mistério sobre o passado dos pais.
– Meu interesse é compreender como uma criança, um jovem, enxerga o adulto. Para eles, é muito difícil entender o comportamento dos mais velhos. Crianças e jovens se sentem completamente indefesos diante deles – explica Miller, que nasceu em uma família judia. – Se a infância é um livrinho mágico que a gente guarda no bolso pelo resto de nossas vidas, acho que ainda sou aquela criança que deixei para trás.
No novo filme, acompanhamos a doentia busca de Thomas, filho adotivo do casal Annie e Yves Jouvet (Christine Citti e Yves Verhoeven), por sua mãe biológica (Sophie Cattani), que o abandonou e ao irmão menor aos quatro anos de idade. O trauma gera um crescente sentimento de raiva no garoto, que o acompanha durante a adolescência até o início da vida adulta. Inspirada em caso que chegou ao noticiário policial francês, os Miller decidiram contá-la em flashbacks, alternando as diferentes fases da vida do jovem.
– Percebemos muito cedo que todas as emoções dos personagens adultos só poderiam ser explicadas pelo passado deles. O filme tinha que ser como o tique-taque de um relógio, indo ao passado e voltando para o presente – justificou o diretor, que assumiu o projeto há cinco anos e que, originalmente, seria feito por Jacques Audiard (O Profeta, 2009). – Ele chegou a escrever uma versão do roteiro com outro escritor mas, no meio do caminho, acabou se envolvendo com outro filme. O produtor nos ofereceu o texto, e nós o reescrevemos, o transformamos em algo nosso.
Thomas é interpretado por Gabin Lefebvre e Maxime Renard, aos 4 e 12 anos, respectivamente. Em sua fase adulta, o jovem é vivido por Vincent Rottiers, talento encontrado fora das escolas de arte dramática há quase 10 anos e que está virando um queridinho entre os diretores da França.
– Vincent é um novo James Dean – elogia Miller. – É um talento nato. Vocês o verão em muitos filmes ainda.
Cineasta francês Claude Miller morre aos 70 anos
Por Neusa Barbosa (para o Cineweb, 05/04/2012)
Ex-assistente de Marcel Carné (O Boulevard do Crime) – com quem se iniciou no cinema – e François Truffaut, o cineasta francês Claude Miller morreu ontem, em Paris, aos 70 anos.
Conhecido por filmes como Ladra e Sedutora (88), A Acompanhante (92), Betty Fisher e Outras Histórias(2001), A Pequena Lili (2003) e Feliz que Minha Mãe Esteja Viva (2009), ele recebeu diversos prêmios, como o Especial do Júri em Cannes, em 1998, pelo filme La Classe de Neige.
Ele visitou o Brasil três vezes, a última delas em 2008, para lançar Um Segredo em Família. Na ocasião, concedeu entrevista exclusiva a Neusa Barbosa, do Cineweb, durante do Festival do Rio.
Abaixo, a íntegra dessa entrevista de 2008:
No drama Um Segredo em Família, o diretor francês Claude Miller, aborda a má-consciência francesa em relação ao período da ocupação nazista, nos anos 40, através de uma história de amor polêmica numa família judia, entre os ex-cunhados Tânia (Cécile de France, de Um Lugar na Plateia) e Maxime (Patrick Bruel).
No Brasil pela terceira vez – a primeira vez foi em 1992 -, Miller revela, em entrevista exclusiva, que sua intenção nesta história, que adaptou de romance autobiográfico do escritor Philippe Grimbert, foi “mostrar as vítimas do Holocausto não como uma massa anônima, como muitas vezes acontece, mas como pessoas reais, como nós”.
Ele também evitou pintar seus personagens como heróis. Aliás, esta foi uma das influências que ele admite guardar de François Truffaut, diretor de quem foi assistente em dez filmes, como Domicílio Conjugal e Noite Americana (1973). “Como eu, ele não gostava de heróis no cinema e sim de pessoas normais, até fracas”, explica.
Judeu, Miller conhece a fundo a época retratada no filme, os anos 1943-1944. “Nasci durante a guerra e me lembro nitidamente de, quando criança, ter sentido medo da deportação, que ameaçava os judeus. Meu primeiro poema de adolescência foi, aliás, não sobre amor, mas sobre esse medo”, recorda.
Mesmo já tendo feito 17 filmes desde 1969, Miller não havia até agora abordado diretamente um tema que lhe é tão próximo e pessoal. “Para mim, encontrar esse livro de Grimbert foi como um reencontro com meu passado. Acho que me ocorreu algo parecido do que ocorreu com Roman Polanski que, apesar de quando criança ter vivido no gueto de Varsóvia, só foi tocar num assunto parecido em O Pianista (2002).
O diretor observa, porém, que o que o atraiu para o romance foi mais a história de amor entre Tânia e Maxime que, na sua definição, “é politicamente incorreta”. Isto porque os dois foram cunhados antes – Tânia era casada com o irmão de Hannah (Ludivine Sagnier, de Uma Garota Dividida em Dois), mulher de Maxime. Durante a perseguição aos judeus, Hannah e o marido de Tânia acabam morrendo. Tânia e Máxime resolveram então casar-se, o que gera mal-estar dentro da família.
Miller não teme a polêmica, bem ao contrário. “A arte divide”, afirma. Por isso, ele reclama dos filmes hoje produzidos pela televisão na França que, na sua visão, “são mornos, não sacodem”. Em sua opinião, quem vai ao cinema “procura algo mais forte, mais exigente”. Por isso, o que ele gosta mesmo “é de desafios reais, não filmes para todo mundo se sentir bem. Isso eu não sei fazer”.
Mas é nesse rumo que vai a indústria cinematográfica francesa, a seu ver. Por essa razão, ao ser indagado como está a situação do cinema francês hoje, ele tem outra frase bombástica: “A indústria vai bem, a sétima arte vai mal”.
Isso não o desanima de continuar na profissão até porque ele teve bastante sucesso no lançamento de Um Segredo em Família nos cinemas no ano passado que, segundo ele, foi “um sucesso”. Para vir ao Rio, ele interrompeu temporariamente a montagem de seu novo filme, Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, desta vez uma história contemporânea, sobre adoção e com elenco desconhecido.
Abaixo duas críticas feitas por Cid Nader (para o site Cinequanon)
Um Segredo em Família (Un Secret , 2007)
A Segunda Grande Guerra parece continuar sendo grande pedida para que se ambientem filmes em seus meandros. Coisa que vem há décadas e que imaginava-se cessar num dado momento. À parte, é preciso lembrar ou reforçar que o assunto e, principalmente, a rememoração das tentativas de eliminação de etnias e povos por parte da Alemanha, então nazista, é um assunto que deveria continuar frequentando as mentes e ideias das pessoas, como modo de tentar imprimir em nossa carga genética ojeriza quanto a possíveis repetições. À parte, também, é bom perceber que alguns dos filmes que têm surgido mais recentemente referindo-se ao conflito têm vindo com pontos de observações inéditos ou maneira de retratamento que escapam da plastificação da Guerra através de imagens fortes e explosões.
Na realidade é muito triste sair de uma sessão onde o assunto foi o tema do filme visto e ouvir pessoas dizendo que “não aguentam mais ver judeus em campos de concentração, tristeza, mortes, fome…”. Triste mesmo saber que alguém priorize a constatação do cinema como algo que deva num certo momento parar de falar de assunto tão pungente,por conta de imaginá-lo como arte puramente visual e dinâmica. Creio, particularmente, na força da arte como a que deve privilegiar as imagens mesmo, mas creio também na necessidade humana do não esquecimento de fatos tão drásticos.
Claud Miller reforça algumas de minhas crenças e constatações nesse seu novo filme de 2007, Um Segredo em Família. Apesar de não ser dos diretores mais “confiáveis” no quesito bom cinema, apesar de esvaziar assuntos por vezes densos em troca de dinâmica muito estética e rasa, fiquei com a sensação de que nesse trabalho estava inspirado a mais do que sua média – se bem que não tenha concretizado uma obra-pima. O diretor reforça a possibilidade de se encontrar assuntos reais ainda de episódios da situação, e fala em seu filme de uma família surgida durante o conflito, mas com segredos consideráveis o suficiente para render uma boa história. Há aquele dispensável aviso de que o filme se baseia em fatos reais, logo no seu início – um aviso que normalmente faz com que alguns diretores abandonem a qualidade desejada num trabalho cinematográfico em favor da “verdade a ser dita”. Miller não se acomodou nesse sentido e, junto com divisão imaginária da história contada, elaborou bons momentos pictóricos para emoldurar a trama.
Inicia no fim dos 50, revelando um frágil garoto, François Grimbert, meio rejeitado pelo pai atlético, Maxime (interpretado por um Ludivine Sagnier um tanto envelhecido para algumas fases da vida dor personagem), e protegido pela mãe, Tania (a esplendorosa e bela Cécile de France – aliás, Miller tem extremo bom gosto pata escolher as atrizes em seus filmes). Corta para os 70 ou 80, onde vemos o frágil garoto já como um psicólogo adulto (aí sob a interpretação de Mathieu Amalric), com a história revelando seu pai como um solitário velho abandonado que pranteia o cão morto, e retorna a momentos anteriores ao início da Guerra, onde reforça nalgumas teimosias de pessoas que acreditavam que nada de mais drástico iria precipitar.
O fato relatado tem seu pé na verdade e é “quase inédito” – daí a dizer que o assunto não está encerrado e muitas coisas podem servir de mote para refilmagens -, quando, ao final, revela a preferência a seus animais de estimação do ex-presidente Pierre Laval, aos exterminados e perseguidos judeus, na reocupação de Paris. O fato histórico é um dos achados do filme, que junta-se a outra boa opção do diretor que é a de escapar do fascínio de bombas e sangue – algo comum e que causa parte das reações estranhas de pessoas que “não aguentam mais” – para construir filme de boa fluidez narrativa, com, privilégio evidente a boas captações de paisagens e locais. A opção pela maneira com que fatos decisivos e não tão antigos passam a ser revelados a François é meio acomodada, e de sequência acomodada também. Mas no todo, no pacote montado, resta um trabalho a ser visto – por seus dados e por suas opções estéticas.
Feliz que Minha Mãe Esteja Viva (Je Suis Heureux Que Ma Mere Soit Vivante, 2009)
Se há um ponto extremamente positivo neste filme dirigido por Claude Miller (desta vez com a colaboração de seu filho Nathan), é a bela qualidade das imagens conseguidas por ele para a sua confecção. Na realidade, o diretor tem cuidado bastante rigoroso com o aspecto das imagens (e de todas as suas correlações: montagem, cuidados na edição, captação, importantes variações cromáticas que conseguem diferenciar os tempos das ações…) em seus trabalhos (basta lembrar o que conseguiu em Um Segredo em Família, de 2007), fazendo com que a junção de sua obra seja coerente já pelos aspectos mais exteriores, mais à superfície do entendimento, que são os visuais.
Em Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva, quando se pula da imagem de variações obtidas através do vidro de um veículo, onde um jovem vasculha a vizinhança com olhar perdido, para a luminosidade chapada da praia (a história começa a ganhar traços junto ao mar, com pais e dois filhos adotivos interagindo, e com as dificuldades de relacionamento se estabelecendo com a evidente diferença entre as idades dos moleques ganhando peso nisso), e indo-se para um primeiro momento de flash-back que resgatará os instantes iniciais da vida do filha mais velho Thomas ante o amor extremo que nutre pela jovem mãe biológica, percebe-se de imediato que tudo o que virá no caminhar da trama será embalado com cuidado estético: e que tal cuidado, além de demonstrar respeito pela arte, se fará como razão evidente de que o cinema deve sempre se amparar fortemente no cuidado com essas questões. Talvez haja algo de preciosismo no diretor sobrando em tal atitude de cuidado, mas, mesmo que sim, antes isso do que a manipulação do material imagético sendo concretizada com desleixo (algo comum no modelo de cinema que ele executa – que é de viés que busca cutucar a estrutura familiar -, mas que é deixado de lado por outros cineastas que têm o mesmo “interesse”, e que apostam forte na fala, esquecendo-se que agem com lentes).
Ao contar a busca pelo elo adorado e perdido, e as complicações de caráter que atormentarão Thomas durante o tempo da história, os diretores (sempre apostando forte na quase totalidade das ações vitais brotando do pai, Claude) fazem com que os podres ou as bênçãos saltem ao exterior (coisa que se nota em seus – do pai – outros trabalhos), desnudados, para serem tratados dramaticamente de forma a se transformarem em algo que pudesse render um produto de seu meio de atuação (o cinema). As idas e vindas do drama vivido por todos os envolvidos, os flash-backs, constroem a história, revelando aos poucos o que virá e de onde vieram as situações que avolumarão e potencializarão os dramas. Se não há situações pilares que marquem ou se façam fortes o suficiente para emprestarem ao filme caráter de algo que é indispensável, não dá para relegar ao nada (ou a pouca coisa) os momentos extremamente enternecedores e tristes obtidos dos instantes em que os irmãos são muito novinhos, principalmente – rara e bela a cena dos dois à noite, sós, na mesma cama, além das reações do mais velho (de ajuda e impaciência, mescladas).
No todo, no conjunto, há situações que não dão ganho e não se fazem como algo marcante e indispensável, sendo que isso é algo a se esperar em filmes que não são obras de arte. Mas há a aglutinação de sensações que se juntam às ações, constantemente, enquanto se evita o tempo todo atos extremados (somente um ocorrerá): tal calma, sensibilidade e percepção na conjunção dos momentos revelam justamente o que é a correta compreensão dos tratos de uma obra: de cinema. E por perceber que o que foi feito era para ela transitasse solene e segura dentro de seus parâmetros, e que com o passar do tempo continua viva e em crescimento na memória, resta a boa sensação de que essa arte foi bem tratada, aqui. E isso é bom.