Por Cid Nader (Site Cinequanon)
Quando se reclama da infinidade de festivais e mostras que ganharam vida no Brasil nos últimos anos, nota-se o misto entre cobranças que vão desde se tentar perceber as reais razões de boa parte deles terem surgido (possibilidades de lucro sem que rigor ou objetivos críveis sejam notados), até programações deficitárias que não possibilitem nenhum tipo de “lucro” à população alcançada (quando alcançada), passando por organizações sofríveis (que vão desde desrespeito com horários e locais de apresentação dos filmes, ao maior dos pecados – e o mais constante – que é o desleixo com a projeção e com o som). Há grita geral entre imprensa e crítica quanto à qualidade inversamente entregada ao número de eventos que surgem.
Pois bem. Na semana passada (entre 29 de maio e 04 junho) ocorreu o Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, e esperanças de que a coisa possa valer quando levada a sério foram a tônica principal percebida durante todo o evento. E pelo que se notou – do princípio ao fim – esse festival promete ter vida longa e, principalmente, útil.
As questões práticas:
1)Sessões que iniciam na hora exata parece até um luxo desnecessário por aqui, daí nunca nem sequer ter entrado nas cobranças feitas. Mas lá, todas a que fui, e todas das quais soube, jamais sofreram atraso: e num evento que tinha programação que iniciava no período da tarde e se estendia para até as 22h isso se mostrou realmente importante;
2)Salas lotadas em praticamente todos os horários (eram 3 salas – duas num Shopping, de qualidade inquestionável, e outra na Cinemateca de lá, com conforto ideal), por público basicamente jovem (o que faz pressupor missão formadora sendo cumprida), e o melhor: atento e respeitando o fato de estarem lá para assistir cinema, e não para uma festinha tocada a bate-papo e distração (coisa bastante comum em festivais que entregam filmes com projeção e som defeituosos);
3)Falando em e imagem e som: creio que raramente tenha visto resultado de tão boa qualidade (nem em salas que exibem filmes em circuito comercial) como o que foi oferecido por lá, tanto nas projeções em DCP (Digital Cinema Package), de resolução 2K que não deveu nada a nenhuma das poucas em 4k que presenciei anteriormente, ou nas “transformações “ de HD e que tais em Blue Ray de qualidade também impecável, e ainda nas outras projeções saudosas e cada vez mais distantes em 35mm: na Cinemateca estavam um pouco – mas muito pouco mesmo – escuras (constatações de outros, pois não senti assim), além de um único problema relatado na primeira projeção de Sudoeste, interrompida por duas ou três vezes. Como deveria ser comum e batalhado: respeitar o que o realizador imaginou é como respeitar o que qualquer artista pensou e trabalhou para sua arte concretizada e exposta;
4)Escolha feita com coragem e raridade pela curadoria: sim, sabe-se que filmes são de apreciação diferenciada mesmo entre a crítica, mas ousadia em festivais combinam muito bem com a ideia de formação de plateia. E para uma cidade que era até “alardeada”, pelos de lá mesmo, como um tanto avessa ao cinema “mais autoral” (e principalmente quando o assunto é cinema brasileiro), as escolhas beiraram a uma muita acertada “insanidade”. Programação de curtas que já andaram por diversos festivais pelo país, mas que eram (em sua grande maioria) de qualidade extra; de longas nacionais que surgiram (em sua maioria) em mostras mais “resevadas”, de não tanto apelo popular, mas de forte apego ao rigor; de longas estrangeiros que revelaram apreço curatorial por obras que raramente alcançarão nossas telas numa escala mais comercial (isso, as que atingirem), quase todas bastante instigantes, com algumas poucas, menos possantes; a de curtas estrangeiros que talvez tenha sido a de menor acerto (e é bom sempre deixar claro que entre acertos e erros as opiniões são as minhas, não fruto de pesquisas gerais), mais irregular; além da justíssima mini retrospectiva do Cassavetes, que caiu no festival como uma papa finíssima.
No decorrer do período percebia-se que os organizadores – Aly Muritiba, Marisa Merlo e Antônio Júnior – estavam muito tranquilos, jamais esbaforidos pra valer, o que, notou o colega Celso Sabadin, “denunciava” que toda a infraestrutura se deu com correção nos seus devidos momentos, lá bem antes de iniciar para o público. Vale lembrar como mais um exemplo dos acertos perceptíveis, que nunca havia recebido pacote tão completo logo na chegada: vauchers já para todos os dias, mapa indicando a distância entre o hotel e as salas, horários bastante amplos e variados de vans (que nem precisariam ser usadas mesmo, pois tudo o que era importante ocorria a cerca de dez minutos de caminhada, para o lado que fosse), sugestões de diversos restaurantes, horários dos debates…Enfim, principalmente, organização logística que permitia independência com dados concretos para todos os convidados: o que é algo sempre muito bem-vindo.
Pode parecer entusiasmo demais por um evento que inicia: mas é justamente por isso que há o entusiasmo. Pois, em se pensando (desejando-se) nos idealizadores como gente séria, a ideia é de que ano que vem o festival possa ressurgir mais forte ainda, mais importante (notamos que no decorrer do evento, e com as notícias que jogávamos no ar, muitos colegas de imprensa e crítica passaram a manifestar o desejo de participar), com mais grana para se concretizar, impondo a uma região carente de eventos de cinema um que, ainda mais, é internacional, sem ser um “simples” repassador do que vende o sistema.
P.S.: vale lembrar que contamos com um júri da Abraccine por lá (importante para a entidade e para eles, com certeza, também), que foi constituído Annalice del Vechio (PR), Carlos Alberto Mattos (RJ), Edu Fernandes (SP), Eduardo Túlio Baggio (PR), Cid Nader (SP).
Pelo que li, parece que o festival teve muitos acertos, e isso é muito bom, já que estive em alguns que pecaram em várias coisas. Espero que haja outro no próximo ano para que eu possa ir!