Por Neusa Barbosa
O reformado Cine São Luiz foi um endereço ideal para o 25º. Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema. Plantado bem no centro de Fortaleza, com projeção, poltronas e som de primeira, o velho cinema de 1958 mostrou-se preparado para os novos tempos – e para sua utilização plena, como cine-teatro, daqui para a frente. Foi uma das boas notícias, mas longe de ser a única, desta edição.
A seleção dos longas, especialmente os ibero-americanos, foi uma das melhores dos últimos anos. Com a vantagem que, ao lado de realizadores experimentados, como Pablo Larraín (do vigoroso O Clube), Pedro Costa (e seu sublime Cavalo Dinheiro) e Lisandro Alonso (Jauja), foi possível conhecer o trabalho de diretores mais jovens e/ou ainda desconhecidos entre nós: caso do cubano Carlos Machado Quintela, que apresentou em A Obra do Século um relato ao mesmo tempo instigante e informativo de eventos não muito conhecidos, nem mesmo em Cuba, a saber, a tentativa fracassada de implantar uma série de usinas nucleares perto de Cienfuegos. Ou do sutilmente contundente peruano NN, de Héctor Gálvez, que colocou na linha de frente o peculiar drama dos mortos e desaparecidos da guerra suja entre exército e grupos guerrilheiros nos anos 1980.
No entanto, a maior surpresa desta seleção estrangeira foi a produção hispano-etíope Crumbs, de Miguel Llansó, que se valeu do formato de ficção científica para compor um filme que aborda a desintegração cultural e humana, incorporando uma reflexão madura por trás da aparência de farsa pop. Além do mais, trouxe a novidade de ser uma produção filmada na Etiópia, total raridade nas telas do mundo.
Entre os longas nacionais, ambos os títulos, Real Beleza, de Jorge Furtado, e Cordilheiras do Mar, de Genetton Moraes Neto, incluíram em doses iguais méritos e problemas. No caso de Real Beleza, ficou evidente a superioridade das ideias e intenções do roteiro diante da realização, especialmente por conta do par principal, Adriana Esteves e Vladimir Brichta, que não deram conta de injetar maior densidade a personagens promissores. Já o veterano Francisco Cuoco surpreendeu aqueles que o conhecem apenas da televisão, compondo um sábio de vocação borgiana.
No caso do documentário Cordilheiras do Mar, uma grande limitação é seu formato televisivo, “cabeças falantes” até mais não poder. E a questão maior é que nem todos os entrevistados realmente somam percepções condizentes com o tema, o resgate do obscuro episódio envolvendo o apoio de Glauber Rocha ao projeto de abertura política do ditador Ernesto Geisel. E o que é pior: faltam algumas cabeças que realmente teriam o que dizer, caso de Raimundo Pereira e outros luminares da imprensa alternativa dos anos 1970.
Foi uma pena, realmente, que tivesse sido retirado à última hora o filme de Anna Muylaert, Que horas ela volta? Certamente, teríamos um espectro nacional mais representativo neste festival.
Já na seleção de curtas, a curadoria foi bastante deficiente. A esmagadora maioria dos selecionados não representou real novidade, isto quando não foram francamente decepcionantes – a maior de todas as exceções, o criativo Quintal, de André Novais Oliveira (MG).
Um dos aspectos mais elogiáveis do festival continua sendo a excepcional oportunidade de convívio com os colegas de Portugal, Chile, Uruguai, Argentina, México e Peru, este ano, que permitiram uma saudável troca de experiências, tanto no dia-a-dia quanto no seminário da crítica ibero-americana. Além de um reforço para que o festival continue tendo esse recorte.