Pelas ruas do sentimento

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“A outra margem”, de Nathália Tereza

* Diego Benevides

Em relação aos longas, a seleção de curtas-metragens do 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe propostas bem mais maduras. Escolhido pela Abraccine e premiado pelo júri oficial com o Candango de melhor direção, “A Outra Margem” (MS), de Nathália Tereza, é um filme raro entre tantos outros bons realizados neste ano. A jovem diretora tenta extrair os sentimentos de um agroboy que anda pelas ruas de Campo Grande ouvindo uma rádio local até encontrar a mulher que ama.

A diretora joga seu olhar feminino na vida de um homem culturalmente amarrado em padrões que não permitem o descarrego de suas emoções. Até parece que é errado amar. Mais fácil é quebrar garrafas de cerveja na rua para reafirmar a masculinidade. Trata-se de uma história de amor comum sobre um rapaz deslocado na cidade. O roteiro em momento algum perde a sensibilidade nem provoca repulsa no retrato do protagonista, fazendo questão de humanizá-lo mesmo com suas próprias limitações.

Outro personagem fundamental para o desenrolar do curta é a trilha sonora que estabelece uma relação de empatia imediata com o público. A música aparece para revelar o que o silêncio do protagonista tenta esconder e todas as escolhas são acertadas. Independente se na rádio toca brega ou sertanejo, tudo parece se encaixar naquele homem aparentemente impenetrável. Auxiliado pela interpretação densa de Pepa Quadrini, o curta explora o íntimo de seus personagens por meio de um olhar preciso e maduro das possibilidades da linguagem cinematográfica.

Nathália Tereza tem a habilidade de criar e discutir relações que partem dos mais variados pontos, como visto nos curtas “Te Extraño” e “A Casa Sem Separação”. Em “A Outra Margem”, aquele homem que vaga dentro de seu carro, protegido do mundo e dos seus próprios sentimentos, segue por uma estrada de autodescoberta que, em um final catártico, pode mudá-lo ou não. Na verdade, ele talvez nem busque mudanças, mas compreensão de um sentimento que lhe é raro.

Produção cearense

Nascido no Rio Grande do Sul, Diego Hoefel atua como professor universitário e realizador na capital cearense há algum tempo. Como parte da pesquisa de um longa-metragem, desenvolveu o curta “Cidade Nova”, rodado em Nova Jaguaribara. O filme acompanha um personagem cheio de marcas do passado que não se encaixa mais na própria cidade onde nasceu.

A densidade dramática da obra fica evidente com a forma que Hoefel olha os personagens dentro da cidade. É um estranhamento que se mistura com a melancolia, resultando em uma inadequação inesperada. O protagonista tenta se refazer naquele lugar, mas não encontra muitas alternativas para ser feliz ali.

O curta deixa uma proposital vontade de conhecer mais aquele homem, fragmentando suas intenções com um final mais seco. “Cidade Nova” é um filme onde os silêncios buscam se encontrar nas paisagens submersas de uma cidade tão perdida quanto seus habitantes.

Ainda sobre olhares profundos, Leonardo Mouramateus concorreu com o média “História de uma Pena”, vencedor do prêmio especial do júri. A elogiada filmografia do cineasta continua firme em suas experimentações ao mostrar os conflitos dos nossos jovens. Talvez um pouco autobiográfico, o média foi o trabalho de conclusão de curso de Mouramateus, que decidiu jogar para dentro da sala de aula questionamentos sobre as relações entre um professor de poesia e um grupo de estudantes.

Mouramateus desenvolve um belo trabalho de direção que aprofunda suas intenções por meio do olhar que a câmera joga em cada personagem. Tudo ali parece estar prestes a ruir, sem deixar muito claro onde a trama vai chegar. É envolvente do começo ao fim. Com as discussões que vão muito além do teor acadêmico, a obra faz um retrato de uma juventude que quer se encontrar, dialogando com um homem experiente frustrado por estar ali. O diretor conta com o desempenho primoroso do elenco encabeçado por Caetano Gotardo, trabalhando as tensões de maneira pura e incisiva, e fortalecendo o cinema de Mouramateus.

Ao apresentar o filme no palco do Cine Brasília, Gotardo pediu atenção especial da imprensa e da crítica ao avaliar os curtas-metragens. Indiretamente, Gotardo reforçou o pensamento de quem estava por lá: os curtas, muito mais maduros, se sobressaíram em relação aos longas em competição. Devemos mesmo olhar com carinho para qualquer tipo de filme, curtas ou longas, que colabore artisticamente com o cinema brasileiro. Esses foram alguns.

* Diego Benevides é jornalista cearense; colunista da Rádio Beach Park; colaborador do Jornal Diário do Nordeste e autor do blog diegobenevides.wordpress.com; membro do júri Abraccine no 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

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