
Scola e o ator Rolando Ravello
Luiz Zanin Oricchio*
O título é singelo até demais: “A História de um Jovem Homem Pobre”. Atrás dessa simplicidade, há um grande projeto. Ettore Scola faz de pano de fundo da tragédia de Vincenzo (Rolando Ravello) o desemprego na Itália dos anos 1990.
Vincenzo mora com a mãe e os dois vivem da aposentadoria do pai, morto. Ele é professor, formado em filosofia. Não tem emprego, dá uma ou outra aulinha particular. Vida sem encanto nem esperança. No mesmo prédio, mora Bartoloni, o vizinho septuagenário interpretado por Alberto Sordi, apaixonado pela mulher com quem se casou há 40 anos e odiando o monstro em que essa mesma mulher se tornou quatro décadas depois.
A nota dominante da primeira parte do filme é o desemprego. A busca do dinheiro e a solução fácil do crime, proposta por Bartoloni. A da segunda é a busca do culpado, conduzida pelo assistente de promotor vivido pelo ator francês André Dussollier. Ele não está bem convencido da culpa de Vincenzo, embora tudo vá contra o acusado: o motivo, a oportunidade e o dinheiro encontrado em seu apartamento. Ainda assim, Dussollier desconfia, porque Vincenzo não quer se defender. Aceita a prisão. Mais: parece desejá-la. E esse desejo é o que há de mais interessante neste filme de Scola.
Há um momento em que o personagem diz que a cadeia não é assim tão ruim. Dizem ao preso o que ele deve fazer, a que horas acordar, o horário de dormir, alimentam-no, medicam-no, consolam-no, se for o caso. Não é tão ruim assim. Quem não encontra lugar na sociedade, faz sua vida fora dela. A prisão pode ser uma libertação. Por isso Vincenzo não faz mesmo muita questão de se defender.
Há uma grande tradição cinematográfica italiana em torno dessa questão: qual a posição do homem no meio em que vive? Qual o sentido que ele encontra na vida em sociedade? Chama-se a isso “cinema humanista”. Inicia em uma época, e volta, sempre revigorada. Em “Ladrões de Bicicletas”, de Vittorio De Sica, filme da década de 1940, Lamberto Maggiorani é o homem que não encontra mais lugar no mundo depois que seu instrumento de trabalho foi roubado. Nos anos 1960, em “O Conformista”, de Bernardo Bertolucci, Jean-Louis Trintignant quer sumir na multidão. É o homem sem rosto. Por isso pode ser fascista durante o fascismo e renegá-lo tranquilamente quando Mussolini cai.
Em “A História de um Jovem Homem Pobre”, Vincenzo se anula para sobreviver, e encarna o conformista dos anos 1990. É uma aula tanto sobre a alienação social e a continuidade histórica de uma tradição.
* crítico do Estado de S. Paulo
Originalmente publicado em O Estado de S. Paulo, 2/8/1996