Por Fernando Oriente*
Imagens e sons. É a partir desses elementos mínimos e estruturantes de um filme que a cineasta Julia Zakia faz de seu curta ‘Planeta Fábrica’ um contundente retrato sobre as ruínas de nosso tempo. Ruínas de um espaço afetivo para a diretora – a fábrica de chapéus de seu avô em Campinas – e ruína de uma forma de trabalho que cada vez mais se torna a exceção no mundo neoliberal. Mesclando três tempos distintos em uma montagem discursiva que flana entre diferentes blocos de tempo, corte após corte, o filme é uma reflexão poética sobre a deterioração material e simbólica de um ambiente físico e o colapso do trabalho assalariado; do operário de chão de fábrica. Entre esses extremos que se completam, existe toda uma reflexão sobre o passar do tempo e a finitude.
Julia Zakia filmou a fábrica de chapéus de 2010 (quando ainda estava produzindo) até 2018, quando o local já havia se tornado um espaço em ruínas após a morte de seu avô e o fechamento da empresa. Aliado ao que vemos desse período, a diretora usa cenas do filme ‘Chapeleiros’, dirigido por Adrian Cooper em 1983, momento em que o local funcionava a todo vapor, com dezenas de operários trabalhando num processo fordista de produção. Todo o discurso do curta é promovido por meio de imagens e sons, sem depoimentos ou falas em off.
Entre as cenas frontais de Cooper, que registram o trabalho de maneira direta, temos a beleza das imagens filmadas por Julia, que prioriza a sensorialidade de uma câmera que observa de maneira intrínseca e imersiva os espaços, seus detalhes, a arquitetura já deteriorada daquela fábrica. É um filme sobre a nostalgia, e o fato de a empresa produzir chapéus – item cada vez mais em desuso – é sintomático desse processo nostálgico. Nostalgia de um mundo em que chapéus, a fábrica, trabalho assalariado e o avô da diretora ainda existiam.
A força maior do filme vem exatamente da significação expressiva das imagens e sons de Julia Zakia. A composição de quadro e os ângulos de câmera, bem como o movimento dos planos são de grande potência. Um trabalho estético que determina a força discursiva do filme. E a dialética entre a poesia melancólica das cenas registradas pela diretora com a objetividade expositiva das cenas de ‘Chapeleiros’ torna o processo constitutivo do curta mais complexo e acaba por trazer à superfície todo o peso incontornável da passagem do tempo e as transformações sociais, materiais e subjetivas que isso carrega.
* Fernando Oriente foi presidente do júri Abraccine no 24º É Tudo Verdade.