Ismaelino Pinto*
A edição do Cine Ceará deste ano mostrou que, além de ter um dos melhores festivais de cinema do Brasil, os cearenses agora possuem uma volumosa e vigorosa produção de audiovisual, com muitos curtas e longas metragens exibidos com destaque no Cine-Teatro São Luiz.
A mostra competitiva trouxe Greta, um dos filmes deste ciclo de renascimento do cinema local. Dirigido por Armando Praça, numa adaptação livre do texto para teatro “Greta Garbo quem diria acabou no Irajá”. Na versão cinematográfica, foi feita incorporação de uma narrativa contemporânea, que imprimiu acentuada carga dramática aos personagens, com doses fartas de angústia, desilusão e melancolia. A trama gira em torno de três personagens – Pedro (Marco Nanini), um enfermeiro gay, de 70 anos; Daniela (Denise Weinberg), artista transexual com doença terminal; e Jean (Démick Lopes),um fugitivo da policia – que vão juntar suas carências e desilusões num Brasil real, objeto de um sistema em falência , onde todos estão buscando alimentar a vida com prazeres passageiros, mas recheados de melancolia e desamor.
Outro filme que produz leituras singulares, com personagens desesperançados e melancólicos, veio do Peru. Canção sem Nome, de Melinda León, possui recortes muito particulares sobre temas como repressão política, censura e sequestro de recém-nascidos, nos anos de 1980. O Peru, segundo a diretora, passa por um período de efervescência na produção cinematografia e, melhor, com reconhecimento do espectador peruano. O país com fortes tradições culturais é retratado por Melina de maneira emocional e política, com imagens quase poéticas, porém de rudeza contundente, tratando de um período obscuro da história do país. O trabalho ganha força pela fotografia ousada, imprimindo estilo de linguagem, todo filmado em preto e branco, obra do fotógrafo peruano Inte Briones.
Nesse filme, também temos a melancolia e a desilusão em cena, porque Canção sem nome conduz o espectador com olhar melancólico, seja pelo grito lancinante e desesperado da personagem principal, interpretado pela atriz Pamela Mendonza, ou pelas apresentações de grupos de cultura calados e ameaçados pela polícia política.
Existem diálogos de narrativas entre “Greta” e “Canção sem nome”, cada um contextualizando projetos de cinema político-emocional sobre uma forma, um tipo, uma maneira de ser humano e latino-americano.
* Ismaelino Pinto integrou o júri Abraccine do 29º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema