*André Dib
Encerrando o calendário de festivais de 2021, o 16º Fest Aruanda do Cinema Brasileiro foi realizado, como a maioria dos eventos nos últimos anos, em condições nada favoráveis. Além da pandemia e do desmonte da cultura, o festival paraibano terminou minutos antes de o novo super-herói entrar em cartaz (ironizado nas redes sociais como a variante “ômiaranha”), ocupando praticamente todas as salas comerciais do país.
Nesse contexto, programar por uma semana a maior e mais bem equipada sala de João Pessoa com filmes brasileiros que jamais seriam exibidos ali de outra maneira é revelador da importância do evento organizado pelo jornalista e professor Lúcio Vilar como espaço de encontros, fortalecimento da produção nacional, e principalmente, de resistência.
Não por acaso, o futuro das salas de cinema foi o tema conferência de abertura, com participação de Luís Gonzaga de Luca, presidente da Cinépolis no Brasil. De acordo com ele, a ocupação de milhares de salas por um único blockbuster está se tornando ainda mais intensa, pois a “janela” que separa a estreia nas salas e nos streamings foi reduzida de cinco para quatro semanas. Desta forma, produções pequenas e médias ficam ainda mais restritas ao circuito independente, ou diretamente à internet.
Durante uma semana essa distorção de mercado foi corrigida pelo FestAruanda, que restituiu a função social e cultural de uma sala de cinema ao permitir ao público paraibano o acesso a filmes que já haviam estreado nacionalmente (e não foram exibidos por conta da lógica apontada acima), como “Bob Cuspe – nós não gostamos de gente”, de César Cabral, e o imprescindível “Capitu e o Capítulo”, de Júlio Bressane, eleito pelo júri Abraccine como o melhor da mostra competitiva. A presença de Bressane, e seu encontro com o homenageado Othon Bastos foi um dos pontos altos do festival – em 1989, Bressane e Bastos trabalharam juntos em “Os Sermões – A História de Antônio Vieira”.
A Mostra Sob o Céu Nordestino (que leva o nome do primeiro filme rodado na Paraíba), cumpriu bem o papel de espaço nobre para a produção regional, facilitando o acesso às novidades e promovendo o intercâmbio entre realizadores, distribuidores e jornalistas de outras regiões do país. Nesse recorte, destacam-se o longa cearense “A praia do fim do mundo”, de Petrus Cariry, e o paraibano “Miami-Cuba”, de Caroline Oliveira.
A tela e sistema de som gigantes da Cinépolis amplificaram o talento de Cariry como fotógrafo e montador, fazendo da sessão de “A praia do fim do mundo” uma experiência única. Em seu novo longa, o diretor cearense desloca o cinema de Tarkovski e Bergman para um litoral pós-apocalíptico, onde mãe e filha lidam com a natureza intempestiva e a ausência do pai. A ausência de cores faz seu efeito e, a contemplar Marcélia Cartaxo em retratos suspensos no tempo se torna arrebatação.
Longe de intenção totalizante, “Miami-Cuba” observa João Pessoa de dentro para fora, e a partir da própria experiência da diretora, que morou na cidade em diferentes épocas. Guiada por um dispositivo que mapeia artistas, propõe performances e procura outras formas de ocupar as cidades, Caroline Oliveira tece uma sequência de planos, cenários e situações que vão traçando uma arquitetura do sensível. Frente aos problemas políticos, sociais e urbanos, a chave aqui é a da alegria e do envolvimento voltados para as possibilidades de mudança, em busca de uma cidade mais conectada e menos excludente.
Com relação ao formato, o FestAruanda acertou em manter a modalidade híbrida adotada em 2020, com debates e alguns filmes exibidos pela internet, e outros, apenas na sala de cinema. O que se viu foi um festival amadurecido, em sintonia com a produção brasileira. Ainda assim, faltou cuidar da exibição de alguns filmes, principalmente os curtas, que ficaram prejudicados por falha na leitura dos arquivos, tornando a projeção aquém da qualidade técnica permitida pela sala.
PS: Vivemos o luto constante. Somente no campo do cinema paraibano, duas vidas foram perdidas para o Coronavírus: o diretor e montador Ely Marques (1981-2021) e o diretor e professor Eliézer Rolim (1960-2022). Dedico este texto às suas memórias.
*André Dib foi júri Abraccine no FestAruanda
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