Pouco mais de um mês
André e Elida estão se conhecendo, assim como o espectador do filme está conhecendo a ambos a cada novo plano do filme. Sabemos tanto deles quanto eles sabem de si (talvez saibamos um tantinho menos). Num misto de realismo e construção rigorosa do espaço, em discretas piscadelas ao cinema de Abbas Kiarostami, com uma câmera sempre disposta a encarar frontalmente seus personagens no ambiente, o filme se equilibra entre a ilusão lúdica que remete à infância (a “câmara escura” na cortina do quarto de Élida, que parece impulsionar o envolvimento dos dois) e as exigências e responsabilidades afetivas do ser adulto. O casal só poderá realmente viver, tanto como indivíduos quanto como casal, não apenas se superarem as dúvidas, mas principalmente se as compreenderem e absorverem. Entre silêncios e hesitações, André e Elida talvez não saibam, mas estão protagonizando as angústias da idade adulta.(Marcelo Miranda)
Os outros quatro mais votados em ordem alfabética:
A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?
Com dispositivo semelhante ao curta anterior Ovos de Dinossauro na Sala de Estar, o diretor Rafael Urban, agora em parceria com Terence Keller, nos apresenta a mais um personagem peculiar em A que Deve a Honra da Ilustre Visita este Simples Marquês? É com essa longa indagação que Max Conradt Jr recebe os visitantes na residência onde guarda muito da memória escrita universal, em compêndios de jornais e revistas, e também local, em estudos do Paraná. Mas além da singularidade desse aposentado octogenário, o documentário se abre a temas que o circundam, como o ritual do cotidiano e as tradições da retratística e do colecionismo. Em um movimento circular, a exemplo do percurso realizado pelos cômodos da casa, o personagem termina por se inserir na mesma lógica dos retratos que tomam as paredes de sua sala de estar. Mas diferente dos rostos ali pendurados e anônimos a nós, ganha um nome e sobrenome.(Orlando Margarido)
André Dib – A que se deve a honra da ilustre visita este simples marquês?
A navalha do avô
A Navalha do Avô é um daqueles filmes que quanto mais vezes assistimos, melhor ele fica. Trata-se de um curta construído à base de sutilezas, que vão desde o roteiro , passando pelos enquadramentos e pela direção de arte, até a performance dos intérpretes. Neste quesito, há um primoroso trabalho de Kauê Telloli, Jean-Claude Bernardet, Sônia Guedes e Luiz Serra.O roteiro de Pedro Jorge (que também assina a direção) e Francine Barbosa deixa para o espectador a tarefa de imaginar quem é esse avô que não fala e que vai envelhecendo e adoecendo. Pode-se compreender que foi alguém que teve uma vida pacata em torno da família e que também é merecedor de muito carinho. A cena em que o neto, aludindo ao título do filme, faz a barba do avô, observado pela avó, é pleno de delicadezas, tanto em relação ao sentimento dos personagens, quanto ao tratamento técnico da decupagem. A própria recusa do barbeiro em não fazer mais a barba do avô é um ato de delicadeza, atributo que envolve a todos em cumplicidade. (Ivonete Pinto)
Jessy
Parece infame usar os termos a seguir para tratar de um documentário sobre drag queens, mas é exatamente isso: construção e montagem é o que definem Jessy e fazem do curta de Ronei Jorge, Paula Lice e Rodrigo Luna um dos melhores de 2013. Nele acompanhamos uma jovem mulher cujo sonho de ser drag é realizado. A transformação se dá graças ao empenho de um grupo de homens afeminados e fascinados pela imaculada legitimação que a iniciativa da garota traz à irmandade. Entre passos e poses, o imaginário drag se revela também nos comentários bem humorados. Descontraído, o ritual de iniciação prossegue na medida em que a narrativa se torna mais e mais interessante, principalmente no uso perspicaz das elipses. Ao fim, Jessy demonstra a derradeira virtude de um filme, a de não cair na tentação de existir além do necessário. No caso, quando nasce a personagem principal. (André Dib)
Sanã
Cada vez que revejo Sanã descubro novas leituras e percebo um personagem muito bem construído e que dispensa palavras para revelar quem ele é. O que mais me deixa interessado é a simbiose desse menino albino, que mora numa ilha nos Lençóis Maranhenses, com a Natureza. Quem conhece a filmografia de Marcos Pimentel sabe que o entorno é tão forte quanto os protagonistas humanos. A areia (elemento presente em outros de seus filmes) simboliza a passagem do tempo, tornando-se um personagem à parte. (Paulo Henrique Silva)
Edição de texto: Yale Gontijo
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