Por Antonio Carlos Egypto
Um filme de contrastes, estranhamentos, relações improváveis sobre coisas e pessoas que, às vezes, produz drama ou até mesmo terror. Mas que, de modo muito mais frequente, produz humor. A gente se diverte pelo inusitado, pelo inesperado e pelo clima que a encenação cria. Não há uma história condutora única, mas algumas que podem ser vistas como independentes, envolvendo os mesmos personagens, ao lado de outros que surgem, enquanto alguns desaparecem.
O espaço geográfico é uma pacata vila de pescadores e uma fazenda de coco. Enquanto se faz pesca em alto mar e mergulho, caminhões carregam cocos, onde o casal de protagonistas também faz sexo. Para isso, é preciso deixar espaço no veículo, essa é a senha do desejo. Fortes tempestades assolam o local em agosto, época em que um pesquisador de ventos aparece do nada, registrando sons, o que intriga os moradores. Mas não chega a incomodar tanto. Muito mais incômoda é a presença de um morto, que escapa de algum modo da sina local: lá, o lugar deles é o mar. Tanto que um mergulho pode revelar uma caveira, com dente de ouro e tudo.
A morte é uma presença constante, mas tratada sem maior cerimônia e com leveza. Por exemplo, como conseguir que a polícia se disponha a ir retirar o cadáver que por lá apareceu, se até na cidade ela não está disponível à população? Tudo isso pode sugerir um registro documental, etnográfico. Mas não, é tudo ficcional, embora conte com não atores da região retratada. Nada é puro ou visto como essência, como a nos dizer: isso não existe mais.
A personagem Shirley (Dandara de Morais) é uma moça que vive lá porque foi determinado que ela cuide da avó velhinha. Ela o faz, mas a contragosto, gostaria de ir embora dali. Por enquanto, passa seus dias ouvindo rock em som alto, toma sol nua, se banha de coca-cola, transa no caminhão de cocos, e a vida segue. A própria avó está lá porque não quis sair, há muito tempo atrás, quando oportunidade havia. E se arrepende. Mas agradece ter a neta a cuidar dela. Ou seja, estão deslocadas ali, embora sejam parte essencial da paisagem e da trama. Não é o destino, são as circunstâncias.
Há a beleza, há poesia no ambiente tão próximo à natureza, há os desafios do clima, do vento, das marés. O mar que avança não pode ser contido. Até o cemitério de mortos, fincado na areia, não resiste. O meio ambiente se expressa de forma poderosa.Ventos de agosto se espalha pela natureza e pelas pessoas da região e o tipo de experiências que podem viver de uma forma encantadoramente poética, mas sem ingenuidade. Tudo se mistura, se contaminha, se rearranja o tempo todo. Tudo é possível e nada é verdade.
VENTOS DE AGOSTO. Brasil, 2014. Direção: Gabriel Mascaro. Com Geová Manoel dos Santos, Dandara de Morais, Antônio José dos Santos, Maria Salvino dos Santos, Rachel Ellis. 77 min.