O melhor e o pior do 25º Cine Ceará

O Clube, de Pablo Larraín

O Clube, de Pablo Larraín

 

Por Daniel Herculano

Ainda postulante à Abraccine, em 2015, fui convidado para participar do júri do Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) do 25º Cine Ceará – Festival Ibero Americano de Cinema, em Fortaleza. No seu Jubileu de Prata, o festival aconteceu entre os dias 18 e 24 de junho na Capital cearense e em sua lista de concorrentes filmes encorpados. Comparados com as últimas edições do festival cearense, um grande avanço. Ou seria o retorno aos bons anos?

Vamos começar pior, que nem foi tão ruim assim. O cinema do Brasil ficou na lanterna entre os meus preferidos. Dentre os nove filmes que competiam por prêmios, destaco negativamente o documentário Cordilheiras do Mar – A Fúria do Fogo Bárbaro (Idem, Brasil, 2015) de Geneton Moraes Neto. Apresentado no 4º dia, o doc. evoca o espírito de Glauber Rocha, que fazia questão de não se ater à esquerda ou direita, branco ou preto, certo ou errado, mas escolhe apenas o que lhe convém a formatar uma visão de lado só dos pensamentos – principalmente políticos – do cineasta baiano. O que me parece uma decisão antagônica.

Como diria Glauber Rocha, personagem central analisado no documentário, “a poesia e a política, são demais para um homem só”. E são mesmo. Mas pode ficar pior, quando é posto em análise um olhar já formatado e sem espaço para escolhas políticas, culturais ou de qualquer natureza. Há depoimentos interessantes, hilários (como o de Jaguar) e uma ou outra revelação, mas nada que mude o universo.

Com uma estética e narrativa pobres, que se resumem a planos fechados e cabeças falando, sempre em P&B, acrescenta ainda o recurso de destacar as frases já ditas em entrevistas, quase que explodindo e martelando na cabeça do espectador. Enquanto isso, Cláudio Jaborandy se entrega aos berros à experiência e só.

No Cine Ceará recebeu o Prêmio Especial do Júri, algo que só se justifica como um prêmio de consolação para algo não muito bom.

Completando a lista nacional, um melodrama assinado por Jorge Furtado, Real Beleza (Idem, 2015). Autor de personagens humanos e filmes divertidos e inventivos como O Homem que Copiava (2003) e Saneamento Básico, O Filme (2007), seu novo filme não é ruim, tem seus momentos e é até uma belezinha. Mas a questão é que também não faz o olho brilhar e nunca atinge o nível de “real”.

Na história, acompanhamos João (Vladimir Brichta), um fotógrafo decadente, que procura uma nova modelo para relançar a sua carreira. No sul do Brasil fotografa dezenas de adolescentes e se encanta com a beleza de Maria (Vitória Strada, bela, mas de atuação limitada). Em busca da autorização para a jovem, acaba se envolvendo com a mãe da garota (Adriana Esteves). Mas ainda tem de enfrentar a oposição do pai (Francisco Cuoco), um senhor com problemas de saúde. O trio central (Brichta, Esteves e Cuoco) é afiado, e testemunhamos um belo nu frontal de Adriana Esteves. E acabou.

Ficaram no meio do caminho o cubano (em P&B) A Obra do Século (La Obra Del Siglo, Cuba/Argentina/Suíça/Alemanha, 2015) de Carlos Quintela, sobre uma cidade que giraria em torno de uma usina nuclear e se tornou fantasma; o pretencioso cinema paisagem de Jauja (Jauja, Argentina/Dinamarca/França/México/EUA/México/Alemanha/Brasil/Holanda, 2015) de Lisandro Alonso; o bonitinho Loreak (Loreak, Espanha, 2014) de Jon Garaño e Jose Mari Goenaga, sobre uma troca de flores/gentilezas; o peruano NN (NN, Peru, 2014) de Héctor Galvez, que traz uma história sobre corpos não identificados; e o tão belo quanto difícil Cavalo Dinheiro (Cavalo Dinheiro, Portugal, 2015) de Pedro Costa.

Vamos direto à lista dos melhores? Entre os longas, a dupla vencedora foi O Clube (El Club, 2015), um atropelamento psicológico do chileno Pablo Larraín, e a ficção-científica em tom de fábula, Crumbs (Imde, Etiópia/Espanha, 2015) de Miguel Llansó.

Crumbs foi a grande surpresa do festival. Papai Noel chegou mais cedo e misturou Michael Jackson com Tartarugas Ninja, sci-fi com fábula, Michael Jordan com boliche, Superman com nazismo e entrega uma deliciosa diversão. Com seu cenário naturalmente acabado (a Etiópia), seu diretor nos surpreende com uma história simples, mas de um frescor aconchegante. Premiado pelo júri do Prêmio Abraccine como Menção Honrosa do 25º Cine Ceará.

Sem pestanejar, O Clube levou a coroa não apenas da Abraccine, mas também foi o grande vencedor do festival (melhor filme, roteiro e ator – para todo o elenco masculino). E merecido.

Entre conflitos pessoais e o dia a dia da pequena cidade, há muito mais para se sentir do que ver, e assim somos tragados para o desconforto social, e até atestando que a humanidade não deu certo. O drama é tingido de cores frias e de sentimentos fortes, que se distribuem entre repulsa, medo, angústia e dor/peso na consciência.

O quintal, André Novais de Oliveira

O quintal, André Novais de Oliveira

Entre os curtas, o eleito da Abraccine foi o cômico O Quintal do mineiro André Novais de Oliveira. Engraçado com uma narrativa em tom fantástico, a obra brinca de liquidificador com ficção-científica (seriam as luzes alienígenas?), a aventura (o vento que leva a senhora e seca as roupas), o drama social (que tal investir a aposentadoria em uma academia), a comédia (ver filmes pornôs por acaso) e um final bem humorado/surpresa (quando poderíamos imaginar que tudo iria acabar em um mestrado?).

Para completar a edição especial, o palco foi o saudoso e restaurado Cine São Luiz (agora chamado cineteatro), com toda a pompa e beleza que se tem direito. Vida longa ao Cine Ceará, e que venham mais 25, mais 50, mais 100 anos de vida.

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