A parceria entre a Mostra Curta Circuito e Abraccine gerou mais um relato, desta vez de Amanda Aouad, que conta como foi a sessão de “Ladrões de Cinema”, de Fernando Coni Campos, realizada em Salvador no último 27 de agosto.
“Minha avaliação do evento foi positiva, ainda que demonstre que Salvador precisa de uma paciência maior e trabalho em relação a eventos deste tipo. Todos os quatro dias foram com pouco público, tanto para assistir quanto para o debate. Acredito que a parceria com a Abraccine seja fundamental para esse processo de discussão e pensamento crítico. Uma das organizadoras do evento, Dani Fernandes ressaltou, citando a associação e reforçando que o debate após a sessão é fundamental para o melhor aproveitamento da obra e do próprio evento.
Na minha fala, procurei levantar alguns pontos que acho importantes em Ladrões de Cinema, divididos basicamente na figura do próprio Fernando Coni Campos, no filme em si, no que representava na época e no que representa ainda hoje, se pensarmos em uma grande metáfora do cinema brasileiro. Este último ponto acabou gerando comentários calorosos no final.
Comecei falando da importância de resgatar Coni e sua obra, um cineasta que ficou à margem da história, pouco conhecido, assistido, divulgado. Tinha na plateia um fã do cineasta que contribuiu de maneira apaixonada, citando detalhes de outros filmes, estilos e sua frustração ao final da vida, quando se dizia ex-cineasta.
Estavam na plateia também os pais de Felipe Kowalczuk que dirigiu o curta-metragem “Champs e os Ladrões de Cinema” e está finalizando um longa-metragem sobre o diretor. Em minha fala citei o curta, que considero interessante exatamente pela emoção que compartilhamos com o jovem cineasta buscando descobrir quem foi Fernando Coni Campos e, junto com ele, vamos desvendando esse homem tão particular em nossa história.
Sobre o filme em si, os pontos principais que ressaltei foram a metáfora do nosso cinema, roubando equipamentos dos norte-americanos, mas com a película doada pelos franceses. A questão de Tiradentes ser uma simbologia daquele próprio povo. E a influência do neo-realismo (fiz um texto só sobre o filme, fica mais fácil ler por lá para esse relato não ficar muito extenso).
Sobre a época, relembrei o fato de estarmos no final do governo Geisel, a luta pela reabertura e liberdade que traziam um eco com o momento dos inconfidentes. E provoquei o pensamento sobre a situação atual do nosso cinema, principalmente em relação à força dos Estados Unidos na distribuição dos filmes, pegando o gancho do final, quando os moradores do morro são presos e quem monta e lança o filme são os próprios americanos que tem seu material devolvido. Isso, ressaltando que Silvério traiu os companheiros em um programa de televisão, o que traz outras simbologias.
E, por fim, falei da posição dos roteiristas neste cenário e o que é autoria no filme, a partir da figura do Grande Otelo que está o tempo todo com seu roteiro de “O Homem do Surdo” debaixo do braço sem ser ouvido pelos companheiros. Quantos roteiristas estão aí, assim, sem serem ouvidos, enquanto lemos na mídia que faltam roteiristas no Brasil? Ao mesmo tempo, quantos acham que escreveram sua obra-prima tal qual o personagem, sem nunca testar, tirar da gaveta e que, na realidade, pode não ser grande coisa porque lhe falta experiência?
A partir daí, o debate se direcionou para essa análise do cinema brasileiro, forma, espaços de exibição e maneiras de chegar ao público. Particularmente, acredito que a melhor maneira é com eventos como esse, com formação de plateias e estimulando o pensamento crítico”.