Do sonho à realidade

22356340228_5d0d63a1a6_bPor Marcio Sallem*

Não estamos habituados a encarar a mediocridade, fato que está relacionado com o tom pejorativo que o vocábulo adquiriu com o passar dos anos. Ser medíocre não é somente estar dentro do espectro do ordinário, mediano e comum, é pior: é ser irrelevante, ator e autor de uma existência que não deixou marcas de destaque no caminho. É por isto que estamos tão acostumados a histórias de campeões, azarões e até mesmo de perdedores crassos, todos inspiradores de uma forma particular, mas jamais de coadjuvantes, que, de tão reais, são como espelhos que refletem nossos sonhos não realizados, submissos a toda sorte de obstáculo posto diante de nós, inclusive, claro, a própria mediocridade.

O aspirante a jogador profissional Júnior é como um destes milhões de coadjuvantes, tal como já foi anteriormente o seu intérprete, Arícles Barroso, que depois de participar de “Se Deus vier que venha Armado” e “Jonas”, agora assume a braçadeira de protagonista. E que protagonista! Júnior é um rapaz modesto, franzino, tímido, que mora de favor com o tio beberrão e faz bicos noturnos para contribuir no sustento da namorada grávida, uma estudante do colegial, enquanto não realiza o sonho de se tornar jogador de futebol profissional.

Mas este sonho não é apenas seu, está igualmente dividido com o mais talentoso Bento, artilheiro e melhor amigo, vivido por Sérgio Malheiros como o típico jogador de futebol que não esqueceu das origens, e, por isto, acredita estar compelido a assistir Júnior da forma que pode – como se retribuísse as assistências que recebe dentro do campo. Nem preciso dizer que o rapaz, atolado em problemas pessoais e profissionais, tomado por uma inveja instintiva e com a autocrítica arranhada, administra isto da pior forma que há: ele internaliza as emoções dentro de uma caixa de Pandora que é aberta, somente às vezes, dentro das quatro linhas, em atuações explosivas e também violentas.

Esse turbilhão de emoções é tratado pelo diretor Ives Rosenfeld da seguinte maneira: enquanto orienta Arícles Barrosa a manter uma composição consistentemente trancada e minimalista, eu diria até covarde consigo próprio – no bom sentido, evidentemente -, o diretor trabalha o desenho de som, sua área de expertise, a fim de verbalizar tudo o que o protagonista rumina dentro de si. E assim, após abandonar uma peneira ou brigar com a namorada, e engolir sapos nas duas vezes, Júnior “grita” através das ondas que batem, revoltas, nas pedras e dos sons causados por um barulhento trem.

O trabalho de mise-en-scène e a decupagem também influenciam no desenvolvimento do estudo de personagem, e Ives Rosenfeld é bastante pertinente quando, no curso de uma discussão de família, jamais desvia o foco de Júnior, como boa parte dos diretores faria para ressaltar as atuações de Júlia Bernat e Karine Teles. O resultado é eficiente, e passamos a experimentar o mesmo desconforto sentido por Júnior, sentado, estático, enquanto escuta parte importante da sua vida ser desconstruída, indiretamente, com o sermão agudo bradado pela compreensiva mãe da sua namorada e também o que é pior para quem alimenta sonhos: enfrentar a realidade.

Talvez Júnior não seja tão especial quando acreditava e desejava ser, nem tampouco esteja destinado a glórias e riquezas. Talvez ele seja aquele que oferece a assistência antes do gol, um coadjuvante competente no que faz, apesar de medíocre, desde que na correta acepção do termo. E “Aspirantes” é a sua história, não um conto de fadas, e sim um retrato contundente de todos os milhões de Júnior combalidos por um duro golpe da realidade, contudo confiantes de que, tanto esforço trará recompensadas, e seu sonho um dia irá se concretizar.

*Márcio Sallem é crítico de cinema desde 2010, autor dos blogs Cinema com Crítica e Em Cartaz, integrante do portal iMirante, vinculado ao jornal O Estado do Maranhão. Membro da Online Film Critcs Society (OFCS).

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