Renato Félix *
A barreiras borradas entre documentário e ficção estão cada vez em evidência no cinema brasileiro. Brincar (mesmo que seja a sério) com esses limites parece sedutor desde, pelo menos que Woody Allen lançou seu “Zelig”, em 1983, ou, indo bem mais para trás, o que Robert Flaherty fez em “Nanook, o Esquimó”, de 1922.
Às vezes são ficções que parecem documentário, ou documentário que parecem ficção. No primeiro caso está “Vermelho Russo”, de Charly Braun, o mais saboroso longa exibido no Fest Aruanda 2016. O filme mostra as atrizes Maria Manoella e Martha Nowill em suas aventuras em uma gelada Moscou, para onde viajaram a fim de um curso de teatro (do método Stanislavski, para ser mais preciso).
As duas amigas estiveram mesmo na Rússia para fazer o tal curso. A viagem foi registrada em um diário de Martha. Daí, surgiu o roteiro – dela e do diretor.
Essa meta-adaptação – em que as atrizes interpretam a si mesmas, vivendo situações que realmente viveram – flui de maneira tão natural que o espectador pode pensar que há uma mistura entre momentos encenados com outros documentais, sem conseguir distinguir onde termina um e começa o outro.
Há muito humor, que surge principalmente da relação entre as duas amigas. Mas o filme também se sai bem quando o clima pesa: as aulas começam a exigir demais, a convivência diária cobra seu preço, vaidades aparecem e uma paixão em comum piora tudo.
É um filme que merece ser descoberto pelo público e que, por trás de seu espírito despojado, mostra ter pleno controle do que está mostrando. Bem como uma atuação do Método.
* Renato Félix é jornalista e crítico de cinema; presidente do júri Abraccine no 11º Fest Aruanda do Cinema Brasileiro