18º Fest Aruanda | Um Vandré na vida, outro na tela

por Neusa Barbosa*

Agora, o Geraldo Vandré que conhecemos na década de 1960 sobrevive apenas em filme, num curioso contraste com sua pessoa real, que compareceu, aos 88 anos, para uma homenagem no encerramento da 18ª edição do Fest Aruanda.

Aquele Vandré apaixonado, que entoava “Para Não Dizer que Não Falei das Flores” como um hino de guerra em 1968 continua bem vivo, porém, no documentário “Vandré no Exílio”, que foi resgatado do YouTube com pequeno tratamento de imagem e o acréscimo de legendas para exibição no encerramento do Aruanda.

São apenas 26 minutos de um material precioso, filmado numa emissora de TV em Munique, em 1973, quando Vandré se encontrava exilado na Europa, fugindo à perseguição da ditadura militar brasileira. Há mais material desta gravação alemã, mas diversas pessoas, inclusive a direção do festival paraibano, tentaram por vários meios obter o restante do que está disponível no YouTube e pertence à Bavária Filmes, até agora sem sucesso.

Para isso também servem os festivais, para resgatar a memória não só de um documentário que registra Vandré em sua plena forma, ao lado de seus músicos, entoando canções que alimentavam o ímpeto da resistência à ditadura militar, como “Che”, uma homenagem a Ernesto Che Guevara, e que o tornaram, talvez à sua revelia, um expoente do protesto contra o regime autoritário. Uma liderança que talvez ele não quisesse; queria apenas continuar sendo poeta, letrista, músico, cantor. Mas não eram tempos para apenas isso, o público que cantava aquelas canções esperava muito mais.

Se “Vandré no Exílio” não explica o silêncio e o isolamento do artista desde sua volta do exílio, justamente o ano de 1973, certamente traz de volta as imagens do símbolo que ele foi. Para quem não viveu os idos de 1968, ver o filme numa tela grande como a do Cinépolis do Shopping Manaíra em João Pessoa, tendo na sala o velho alquebrado e lacônico que Vandré é hoje, sem dúvida é uma experiência quase de ficção científica. É como se tempos diferentes convivessem naquela sala de cinema e a gente pudesse quase sonhar que o Vandré de 50 anos atrás descesse da tela, como no filme de Woody Allen, “A Rosa Púrpura do Cairo”, e retomasse a sua trajetória interrompida em 1968, quando quiseram silenciá-lo. Infelizmente, este silêncio se produziu e só o cinema guarda a memória do grande artista que ele foi e da veemência que o caracterizou. 

Estranhamente, no entanto, uma semente do que aquela geração de 1968 semeou pode ser vislumbrada justamente em vários filmes desta seleção do Fest Aruanda, caso de “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges, “Saudosa Maloca”, de Pedro Serrano, “Levante”, de Lilla Hallah, e “Sem Coração”, de Nara Normande, em que se revela no que se transformou o País novo que resistiu a outras arbitrariedades e abusos, alguns mais recentes e, como lá atrás, se reinventou e reinventa sem cessar. 

*Neusa Barbosa fez parte do Júri Abraccine.

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