Por Marcelo Milici*
Seja através de uma caminhada sem perspectivas em busca do improvável, ou na observação silenciosa em um passeio entre reinos, na sensação de abandono e até mesmo em um resgate a um passado conturbado ou melódico, o 15º Fest Aruanda promoveu acessos intensos. Além de conduzir os espectadores a experiências dramáticas, belíssimas e curiosas, permitiu uma viagem cultural pelo país e fora dele em um ano em que a locomoção tem se demonstrado perigosa. De maneira híbrida, nos formatos online e presencial, o evento disponibilizou, entre os dias 10 e 17 de dezembro, vinte e cinco produções, em mostras competitivas, em retrospectivas e especiais, mantendo a mesma boa qualidade habitué no festival desde sua primeira edição.
Dentre as obras que competiram aos almejados troféus, como as escolhidas pelo Júri Abraccine, composto por Marcelo Milici, Suzana Uchôa Itiberê e Bertrand Lira, como o curta-metragem A Profundidade da Areia, de Hugo Reis, do Espírito Santo, e o longa Codinome Clemente, de Isa Albuquerque, do Rio de Janeiro, também vale mencionar o simbólico A Travessia, de Otávio Almeida, do Piauí, pela condução de grande esforço físico, sem ignorar a degradação psicológica, de um personagem que representa uma realidade bastante comum e por vezes ignorada; e os que promoveram debates raciais como o fantástico curta Sobre Nossas Cabeças, de Susan Kalik e Thiago Gomes, da Bahia, com boas interpretações de Dan Ferreira e Danilo Mesquita, e Tentehar – Arquitetura do Sensível, de Paloma Rocha e Luís Abramo, que despertou um conteúdo importante para discussões em qualquer época, essencial para os valores da sociedade.
Há necessidade de ressaltar o documentário A Construção, de Leonardo da Rosa, por espelhar a luta pelo recomeço de pessoas simples, sem se esquivar da dramaticidade no olhar de Maria (Cely Farias) no retorno inconveniente à casa da mãe em Remoinho, de Tiago A. Neves. Exemplares que carregam simplicidade e arrependimento disputavam sadiamente com as viagens animadas de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, com Mãtãnãg – A Encantada, além do deleite visual de Rasga Mortalha, de Thiago Martins de Melo.
Os longas dessa mostra também se mostraram eficientes em transmitir mensagens políticas e promover resgates históricos. Mesmo não tendo sido selecionado pelo júri, Libelu – Abaixo a Ditadura, de Diógenes Muniz, é uma excelente aula de História e Política, na representação de um período de repressão e buscas, assim como Chico Rei Entre Nós, de Joyce Prado, e Nheengatu – A Língua da Amazônia, de José Barahona, envoltos em contextos que permitem boas e necessárias reflexões. Já Glauber, Claro, de César Meneghetti, trouxe ao internauta a possibilidade de conhecer um lado obscuro do cineasta em sua experiência italiana, com curiosos depoimentos e registros. Por fim, a magia de Todas as Melodias, de Marco Abujamra, Mariana Marinho e Viviane D´Ávilla, merece ser enaltecida pela direção acertada de Abujamra e na montagem de Paulo Dimantas.
Com o público imerso em sensações audiovisuais vibrantes e satisfeitos pela representatividade do cinema nordestino, o Fest Aruanda ainda reservou momentos de muita emoção com homenagens merecidas pela contribuição à Sétima Arte brasileira a nomes respeitados como o de Vania Perazzo, José Maria Lopes, Helena Solberg e João Carlos Beltrão, além de póstumas, reservadas a Linduarte Noronha e Wills Leal.
*Marcelo Milici fez parte do Júri Abraccine