15º Fest Aruanda: Um balanço

Por Suzana Uchôa Itiberê*

Foi uma decisão unânime. A escolha dos vencedores dos prêmios de melhor curta e longa-metragem pelo júri da Abraccine, formado por Marcelo Milici, Suzana Uchôa Itiberê e Bertrand Lira, foi fruto de uma reunião das mais agradáveis, embora virtual. Não é sempre que júris chegam a vereditos com tamanha concordância. Pelo contrário, muito se fala nos bastidores de diversos festivais sobre acirradas rixas entre jurados, que lutam por seus preferidos com ânimos exaltados.

Nesta 15ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, todos os longas-metragens eram documentários. O que se viu foi uma curadoria acertada não só na qualidade e diversidade dos 7 títulos. Ao se limitar ao gênero, a seleção estabeleceu um centro coeso, focado no humano, grande parte em personagens históricos da política e cultura nacionais. Nosso eleito, Codinome Clemente, da carioca Isa Albuquerque, trouxe à luz uma figura emblemática dos anais da resistência à Ditadura Militar no Brasil. O tema também é abordado em Libelu – Abaixo a Ditadura, do paulista Diógenes Muniz, mas o concorrente não alcança a densidade do relato confessional do próprio Carlos Eugênio Paz, o Clemente, membro da luta armada nos anos 1960 e 70.

Ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), ele lembra dos dias de clandestinidade e revisita lugares de dramáticas ações urbanas das quais fez parte, como o assassinato do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, famoso por trazer ao país uma máquina de tortura com eletrochoques conhecida como “pianola de Boilesen”. A cineasta costura a presença pulsante de seu protagonista com depoimentos de antigos companheiros e preciosas imagens de arquivo. Codinome Clemente é uma obra de primeira linha. Clemente morreu pouco depois das filmagens, em 2019, aos 68 anos.

A votação de melhor curta-metragem começou com uma brincadeira. Cada um dos jurados deveria revelar seu preferido entre os 15 títulos em competição na categoria. Não deu outra: A Profundidade da Areia, de Hugo Reis, do Espírito Santo. Em apenas 16 minutos, o cineasta realiza uma envolvente obra de mistério, que flerta com o realismo fantástico para lançar seu grito de revolta diante da violência contra a comunidade negra. Em um início provocante, um grupo de jovens – e uma criança – “brota” da areia de uma praia. Ao longe, há o som de uma guerra que parece se aproximar cada vez mais. Hugo Reis brinca com os sentidos do espectador e não hesita fazer referências a vítimas emblemáticas, como Marielle Franco. Mensagem potente e urgente.

É animador, em um ano tão caótico, poder assistir à produções do audiovisual nacional com tamanha qualidade. Como tantos outros festivais, o Fest Aruanda se reinventou para seguir adiante com a programação presencial e online. O trio de jurados da Abraccine sentiu não poder celebrar ao vivo os 15 anos do evento, mas fazer parte desse movimento de resistência durante a pandemia foi uma honra.

*Suzana Uchôa Itiberê fez parte do Júri Abraccine

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s