Por Celso Sabadin
Foi muito bom constatar que, nesta sua 42ª edição, o Festival de Cinema de Gramado novamente deu mais importância ao Cinema que às badalações vaziam que o levaram ao fundo do poço, anos atrás. Pela 3ª vez consecutiva, desde que sua organização foi entregue a uma nova equipe, Gramado pensou e respirou Cinema, fazendo com que se tornassem ainda mais distantes aqueles tristes anos onde até a famigerada “Vila de Caras” se instalou no evento.
Tivemos longas e curtas brasileiros de alta qualidade. A competição, equilibrada, brindou o público com pelo menos quatro longas de grande dimensão cinematográfica, como “Sinfonia da Necrópole” (de Juliana Rojas), “A Despedida” (Marcelo Galvão), “A Estrada 47” (Vicente Ferraz) e “A Luneta do Tempo” (Alceu Valença).
Muito mais que apenas ótimos filmes, esta tetralogia de longas demonstrou que (1) Marcelo Galvão alcançou uma maturidade extremamente bem-vinda, após o comercialmente bem sucedido, mas cinematograficamente frágil “Colegas”; (2) Vicente Ferraz mostrou que o cinema brasileiro tem, sim, qualidade suficiente para incursionar por gêneros que nos são historicamente favoráveis (Guerra), abrindo um leque de possibilidades cada vez maior para as nossa produções; (3) Juliana Rojas, no primeiro longa que dirige sozinha, comprova um talento que seus curtas já haviam sinalizado, e ela se firma, não mais como uma promessa, mas como uma realidade no nosso cinema e (4) Alceu Valença, quem diria, não bastasse o enorme talento que sempre demonstrou no campo da música, agora se mostra um nome de peso também no cinema.
E vale lembrar: todos eles são jovens talentos, com muita lenha pra queimar no nosso cinema. Alceu, se não é jovem na idade, é jovem neste seu novo metiê.
A curadoria de curtas também soube montar uma programação de grande qualidade, mesclando tanto filmes de narrativas mais clássicas e tradicionais (“A Pequena Vendedora de Fósforos” e “O Que Fica”, por exemplo), com produções mais arrojadas e experimentais, como “Se Esta Lua Fosse Minha”, “História Natural”, “Compêndio”, e aquele curta do Carlos Adriano que não há maneira de alguém decorar o título. Todos, no mínimo, instigantes.
A exceção fica por conta do infantiloide “Cartas a uma Jovem Cineasta”, que une uma colagem de imagens que já era antiga nos anos 60, um entediante texto discursivo-panfletário, e letreiros patéticos onde pululam até erros de digitação. Provavelmente o diretor estava brincando e a curadoria aceitou a brincadeira, pois não há como levar o filme minimamente a sério.
A mostra competitiva dos filmes latinos foi o ponto baixo do festival. Não somente pela qualidade apenas mediana (ou pior) da maioria dos títulos em competição (salvo as honrosas exceções de “El Crítico” e “El Lugar del Hijo”, que tampouco são notáveis), mas também pela falta de ineditismo dos mesmos, quase todos já exibidos na Mostra de São Paulo ou no Festival Latino da mesma cidade.
Chamou a atenção também o fato de, dos 5 longas em competição, 4 serem produzidos ou coproduzidos com a Argentina. Nada contra o cinema dos “hermanos”, mas com a quantidade de títulos produzidos pela América Latina como um todo, Gramado deveria ter se empenhado tanto na questão do ineditismo, quanto no quesito diversidade. Afinal, vale lembrar que temos uma dívida eterna com a América Latina, cujos filmes salvaram o Festival de Gramado da extinção, naquela triste época em que o então presidente Fernando Collor quase matou nossa produção cinematográfica.
Mas vergonhosa mesmo foi a participação de “Esclavo de Dios”, filme que não apenas tem roteiro de novela mexicana e direção que busca a estética norte-americana de filminho de ação de segunda linha, como traz uma constrangedora propaganda sionista ao colocar todos os personagens judeus como heróis salvadores da pátria e todos os árabes como animais fanáticos. Gramado não merecia isso.
As premiações
Os cineastas costumam dizer que só o fato de ter seu filme selecionado para um festival já é um prêmio. Todos compreendemos o aspecto simbólico desta afirmação, mas ultimamente, em muitos festivais brasileiros, a frase tem se tornado menos simbólica e mais literal. Ou seja, graças à política de “deixar todo mundo feliz” adotada por vários júris, quase todo mundo que concorre acaba, mesmo, ganhando prêmio.
A intenção de premiar “todo mundo” pode até ser das melhores, mas isso acaba gerando distorções cinematográficas, estéticas, éticas e até de lógica. É o caso, por exemplo, de “A Estrada 47” (filme que eu gosto muito, por sinal): ele não foi escolhido pelo júri como o de melhor roteiro, nem melhor direção, nem fotografia ou atores.. quase nada (ganhou o de melhor som)… e mesmo assim saiu do Festival de Gramado com o prêmio máximo de Melhor Filme. Como se diz por aí, pode isso, Arnaldo?
Há quem defenda esta prática, argumentando que é uma forma de valorizar os demais filmes. Eu não vejo o menor sentido. E, pensando bem, também não há o menor sentido em “dividir” uma obra tão coletiva como a cinematográfica em pedaços (fotografia, montagem, roteiro, etc…) só com o intuito de torná-la objeto de competição, de premiação e, consequentemente, de assunto midiático.
Celso Sabadin viajou a Gramado a convite da organização do festival.