Cineasta, que realizou três filmes baseados em Graciliano Ramos, e os documentários”Casa Grande & Senzala” e “Sérgio Buarque e Raízes do Brasil” não realizou um de seus sonhos: “Guerra e Liberdade – Castro Alves em São Paulo”, épico em que Maria de Medeiros interpretaria a atriz Eugénia Cámara.
Maria do Rosário Caetano
O cineasta Nélson Pereira dos Santos morreu no dia 21 de abril, data consagrada a Tiradentes e às comemorações da inauguração de Brasília, cidade onde atuou como professor da UnB (Universidade de Brasília) e na qual filmou o curta “Fala Brasília” e os longas “A Terceira Margem do Rio” e “Brasília 18%”. “A Terceira Margem”, baseado em contos de João Guimarães Rosa, inaugurou o complexo de estúdios do Pólo de Cinema do Distrito Federal, na cidade-satélite de Sobradinho, do qual Nélson foi um dos artífices.
O mestre paulistano-carioca tornar-se-ia nonagenário em outubro próximo. Mas um câncer fulminante no fígado, detectado 40 dias antes, impediu os festejos programados para comemorar seus 90 anos de vida, quase 70 deles dedicados ao cinema brasileiro. Ficam, como testemunho de essencial trajetória dedicada ao nosso audiovisual, seus filmes baseados em Graciliano Ramos (“Vidas Secas”, “Memórias do Cárcere” e um dos três episódios de “Insônia), seus experimentos da época de Paraty (“Fome de Amor”, “Azyllo Muito Louco”, “Quem É Beta” e “Como Era Gostoso o Meu Francês”), sua kurosawiana recriação de “Boca de Ouro”, baseada em Nelson Rodrigues, sua Trilogia do Rio (aos seminais “Rio 40 Graus” e “Rio Zona Norte”, há quem acrescente “El Justicero”, visto como “uma espécie de Rio Zona Sul”), “O Amuleto de Ogum”, um de seus filmes mais populares, seus diálogos com o amigo Jorge Amado (“Tenda dos Milagres” e “Jubiabá”), seus documentários (“Raízes do Brasil”, a partir de Sérgio Buarque de Hollanda, “Casa Grande & Senzala”, a partir de Gilberto Freyre, e o magnífico “A Música Segundo Tom Jobim”, que ele dirigiu com Dora Jobim).
Nélson manteve intenso diálogo com a literatura brasileira, mas não conseguiu realizar um de seus maiores sonhos: “Guerra e Liberdade – Castro Alves em São Paulo”, épico que teria Maria de Medeiros como intérprete de Eugénia Câmara, a grande paixão do poeta baiano. O ator protagonista que reviveria a história de Castro Alves (1847 – 1871) em sua passagem pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, onde ambos estudaram, variava muito. Nélson sempre lembrava a necessidade de contar com um jovem de 20 e poucos anos (o poeta morreu aos 24) e que faria sua escolha na hora em que estivesse com a pré-produção engatilhada. Nélson ocupou, na Academia Brasileira de Letras, a cadeira que tinha Castro Alves como patrono.
O diretor do seminal “Rio 40 Graus” foi também produtor (ou coprodutor) de filmes como “O Grande Momento” (de Roberto Santos,1958), “As Aventuras Amorosas de um Padeiro” (Waldir Onofre, 1975) e “A Dama do Lotação” (Neville D’Almeida, 1978).
Em 1998, quando todo país comemorou os 70 anos do mestre cinemanovista, o CineCeará – Festival de Cinema de Fortaleza prestou grande homenagem a Nélson. A entrevista que segue abaixo é fruto de longa conversa com ele, no hotel que hospedava os convidados do festival. Entre os assuntos abordados está, como não poderia deixar de ser, o projeto estético de seu filme mais famoso: “Vidas Secas” (1963), considerado junto com “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha (1964), e “Os Fuzis”, de Ruy Guerra (1965), a Santíssima Trindade do Cinema Novo. Vale lembrar que Nélson montou “Barravento”, o primeiro longa do jovem Glauber.