Uma certa tendência no Cine Ceará

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João Paulo Barreto*

Após a maratona cinéfila na capital cearense, com foco principal nas mostras competitivas, mas, também, tendo a sorte de conferir um pouco da cena cinematográfica peruana, pude avaliar, após a reunião final de júri que definiu os vencedores, mais adequadamente todo o evento.

Notei uma tendência mais voltada à seleção de obras que não se arriscam tanto em sua proposta de cinema. Curtas como A Ponte e Eu sou o Super-Homem, apesar de suas premissas atreladas à compreensão e aceitação de diferenças, tendem a banalizar o ponto principal da mostra, que é o de trazer reflexões mais ricas para os trabalhos, fugindo de clichês e do lugar comum. Da mesma forma, obras como A Escolha de Isaac, com todo seu sadismo, acabam por não acrescentar muito, a não ser desconforto ao espectador. Digo isso não sob uma óptica simplista e puritana de que a única função do cinema é a diversão. O incômodo também é necessário (vide as obras de Haneke, para dar um exemplo distante), mas o modo como o filme em questão o faz acaba por não acrescentar muito, ficando apenas no território do asco.

Em contra-partida, curtas como O Vestido de Myrian, com sua melancolia evidente e retrato de uma velhice solitária e cúmplice, conseguem atrair a atenção do espectador de um modo mais eficiente, tornando a reflexão sobre aquela fase da vida e a forma como ela surpreende seus personagens um ponto crucial para o eficiente resultado final. Nessa mesma linha, Nova Iorque tem resultado semelhante ao levar carisma a personagens tão áridos que mais parecem reflexos do lugar onde vivem.

No âmbito dos longas, Petra e Diamantino podem ser considerados os dois grandes destaques da mostra. O primeiro, com sua estrutura fragmentada a utilizar a montagem na divisão de seus capítulos, acerta na criação de um ritmo envolvente para o espectador, levando-o gradativamente a penetrar na história daquele clã e percebendo suas angústias. Um alento dentro de toda programação. Já o longa português conseguiu encerrar bem a competitiva por unir reflexão acerca da situação xenofóbica na Europa e a futilidade de uma sociedade de consumo em reflexo à pureza de seu personagem título. Isso tudo envolto a uma estrutura de comédia que não tornou banal o resultado.

Falar apenas dos pontos altos do festival na seara dos longas seria soar um tanto condescendente para com o evento. Assim, acaba sendo inevitável citar a seleção de filmes cuja fragilidade evidente apresenta uma discrepância em sua seleção. É o caso de Anjos de Ipanema, filme que até possui méritos pela sua pesquisa e depoimentos acerca do período recortado, mas que, em sua constrangedora montagem e utilização de recursos gráficos de ilustração, faz o espectador perceber o quão deslocado é ver uma obra como essa dentro de uma competitiva. Creio que teria sido mais adequado exibi-la como uma homenagem à realizadora, que encerrou sua carreira com tal trabalho.

Ainda neste aspecto de escolhas equivocadas dentro de um contexto competitivo, obras como a colombiana A Secretária trazem questionamentos semelhantes. Sendo um filme de perfil comercial, uma comédia nos moldes tradicionais do popularesco, a escolha da produção para a competitiva nos leva a refletir acerca do fato de que, provavelmente, a Colômbia possui exemplares melhores em sua cena local, algo corroborado por cidadãos do país com quem conversei após a sessão.

Outro ponto que o festival poderia priorizar em futuras edições reside em um mais apropriado casamento temático entre os filmes de uma mesma sessão, buscando criar um equilíbrio nos tons de cada trabalho a ser projetado. Desta forma, se evitaria que a imersão por parte do espectador em uma película seja prejudicada por conta da disparidade de tons encontrada em uma produção exibida anteriormente na mesma noite. É necessário priorizar um equilíbrio temático para que uma produção não prejudique a exibida em seguida. Da mesma forma, a duração das sessões deve ser observada. Penso que três curtas exibidos junto a um longa tornem desnecessariamente cansativa a experiência. Dois curtas e um longa-metragem é o formato ideal.

* João Paulo Barreto foi júri Abraccine no 28º Cine Ceará.

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