Bianca Zasso*
O músico e compositor gaúcho Nei Lisboa, em seu disco de 1988 intitulado Hein?!, fala na canção Rima Rica/Frase Feita, sobre uma menina de olhos grandes como a lua. Um verso que define bem a protagonista de Luna, primeiro longa de ficção do diretor Cris Azzi, exibido no quarto dia do 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A trama gira em torno do rito de passagem de Luana, interpretada pela estreante e talentosa Eduarda Fernandes, uma adolescente que mora na periferia de Belo Horizonte com a mãe. Seu cotidiano é o de muitos jovens do nosso país: escola, conversas, risadas, primeiras experiências. Luana demonstra uma maturidade no quesito de saber que precisa se virar desde cedo. A cena em que ela prepara brigadeiros para vender na escola e ajudar na renda da casa deixa claro isso. Ela sabe que precisa fazer sua parte para que a vida doméstica seja um pouco menos complicada.
Mas Luna é um filme focado em uma outra face do amadurecimento. A personagem principal vai experimentar sensações que ajudam a construir nosso olhar sobre o mundo, o conhecimento do nosso desejo e a nossa inteligência emocional. A chegada de Emília, vivida por Ana Clara Ligeiro, uma garota de classe média e dona de um estilo descolado, é a porta para que Luana comece a desbravar um novo mundo. É por meio dessa amizade que a personagem cria o hábito de se exibir em bate-papos da internet. Com o vazamento de um desses vídeos, Luana conhece o lado mais baixo e sádico de seus colegas de escola. Um baque sem precedentes para alguém que está vivendo a época onde a aceitação é importante para a construção da auto-estima.
Luna transforma as dores e delícias da adolescência em poesia visual. O diretor de fotografia, Luís Abramo, e a diretora de arte Maíra Mesquita, constroem um ambiente verossímil sem deixar de lado a criatividade. Uma das cenas que causou divergência de opiniões da crítica foi a que mostra o delírio de Luana após ingerir uma quantidade grande de remédios, numa tentativa de suicídio. Nunca é fácil tocar em um assunto delicado como esse, ainda mais tratando-se de um personagem jovem. As cenas de Luna correndo pela floresta de eucaliptos, cercada por máscaras sinistras e uma densa neblina, é angustiante, quase um pesadelo. Houve quem afirmasse que a cena romantizava o suicídio e detectava uma falta de cuidado da direção. Opiniões à parte, Luna é sobre a dolorosa tarefa que é crescer. Não em tamanho, mas em alma. O que dizer da cena final, uma espécie de grito libertário da protagonista? Nasce ali uma mulher dona de si.
E também nasce uma estrela. Eduarda Fernandes, que tinha 18 anos quando filmou Luna, tem uma construção corporal de dar inveja a muitas atrizes veteranas. Seu olhar expressivo hipnotiza a plateia, que em pouco minutos de filme já está deixando-se guiar pelos passos curiosos de Luana, inclusive quando ela experimenta viver a fantasia de ser Luna e mostrar seu corpo para desconhecidos. Vivemos num mundo onde os experimentos que fazem parte da descoberta da sexualidade são tratados de maneira diversa para meninos e meninas. Luana vai descobrir que ser livre custa caro, mas vale a pena.
Num festival onde a presença feminina não foi apenas em quantidade, é uma dose extra de esperança ver a história de uma jovem que vai encarar o futuro de forma mais autêntica, ciente de suas vontades e disposta a lutar para estar onde quiser e ser quem bem entender. Cris Azzi se dispôs ao desafio de contar a história de um amadurecimento feminino. Seu trunfo, além de um talento natural para conduzir o elenco jovem, foi investir no diálogo com as mulheres que o cercam, estejam elas na equipe de filmagem ou não. Isso fez de Luna um exemplar digno de dividir a mostra competitiva com filmes em que a mulher tem voz, tem corpo e tem vez. Assim como As Duas Irenes, de Fabio Meira, e Antes que o Mundo Acabe, de Ana Luiza Azevedo, a produção de Cris Azzi merece entrar para a lista de grandes filmes sobre a adolescência, essa fase que andava esquecida pelo nosso cinema e que merece um olhar apurado. Assim como os grandes e lindos olhos de Luana.
* Bianca Zasso foi membro do júri Abraccine no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.