Pelo terceiro ano consecutivo, o Festival do Rio ofereceu o Talent Press, programa de capacitação e treinamento voltado para jovens jornalistas e críticos de cinema de países de língua portuguesa, fruto da parceria entre o Festival do Rio, o Berlinale Talents, o Goethe Institut e a Fipresci , contando com o apoio da Abraccine.
O Talent Press Rio é parte da iniciativa internacional do Berlinale Talents, que também acontece em Berlim, Buenos Aires, Durban, Guadalajara e Sarajevo. Não se trata apenas de uma oficina de crítica por ser uma experiência de formação ampla com possibilidades de intercâmbio cultural e ampliação de redes. Entre os dias 2 e 8 de novembro, seis jovens profissionais de Portugal, Brasil e Moçambique participaram da terceira edição do programa de formação e capacitação que inclui encontros com críticos e cineastas, realização de entrevistas e redação de textos.
O coordenador do Talent Press Rio é o crítico da Abraccine Pedro Butcher que contou com o apoio de dois outros mentores no acompanhamento do participantes durante o período, a também crítica da Abraccine Amanda Aouad e o crítico português Luis Miguel Oliveira. Os três críticos tinham como função dar suporte aos participantes, discutindo seus textos e fazendo um trabalho de editoria ao mesmo tempo em que acompanhavam com eles as atividades diversas que contaram com bate-papos exclusivos com críticos como Juliano Gomes, Luis Carlos Oliveira, Ruy Gardnier e Eduardo Valente. E também com equipes de filmes como o casal Renée Nader Messora e João Salaviza, diretores de “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”.
Uma experiência rica em trocas de aprendizados que gerou ótimos textos dos seis participantes dessa edição: Susy Freitas (AM), Juliana Costa (RS), Mariana Souza (PE), Álvaro André Zeini Cruz (SP), Leonel Matusse (Moçambique) e Ricardo Vieira Lisboa (Portugal). Confira os textos completos no site do festival.

Fotos: Davi Campana
Talent Press Rio 2018*
(…)”Para além da economia da memória, que favorece estes objectos, parece-me que o fenómeno prende-se mais com aquilo que vinha descrevendo antes: uma vontade de perspectivar o cinema, agora que este se encontra numa encruzilhada possivelmente mortal de formas novas de produção, distribuição, visionamento e mesmo reflexão. Há portanto uma vontade de súmula, como quem antecipa que o fim está próximo e é necessário começar a embrulhar o presente – nos dois sentidos da expressão. No Festival do Rio, como aliás é cada vez mais comum em quase todos os festivais de cinema, existe uma secção própria dedicada a este tipo de objectos, aqui chama-se Film Doc, e contou este ano com títulos sobre William Friedkin, Alice Guy-Blaché, Orson Welles e Hal Ashby (o mais banal dos quatro). Houve também um documentário sobre o brasileiro Humberto Mauro, na secção Premiere Brasil, e outros dois documentários mais poéticos, sobre as memórias do cinema, o da portuguesa Teresa Villaverde “sobre” o realizador italiano Tonino De Bernardi feito diário de umas férias de verão e o mais recente título de Guy Maddin – com Evan Johnson e Galen Johnson –, esse realizador mediúnico que sempre levou à letra a expressão “séance de cinéma”, ambos na secção Panorama do Cinema Mundial.” Ricardo Vieira Lisboa
“Encarar a produção artística de Marguerite Duras é supor que essa mulher jamais vivenciou algo que não fosse de uma enorme intensidade. Seja na literatura, teatro ou cinema, uma potência absurda emana das situações-limite encaradas no íntimo de seus personagens. Soma-se a isso outra característica que perpassa a obra de Duras: a presença de uma narração em primeira ou terceira pessoa, chegando ao extremo de confundi-las. Por vezes, o recurso é o único fio condutor explícito da trama, especialmente no caso de seus filmes, tais como A mulher do Ganges (1974), India Song (1975), Le camion (1977) ou Hiroshima, meu amor (1959; dirigido por Alain Resnais e roteirizado por ela). Levando tais características em consideração, põe-se na mesa o desafio de Emmanuel Finkiel ao adaptar para o cinema um livro de Duras, A dor, resultando no filme Memórias da dor. Para tanto, o francês focou em dois blocos da obra literária: o primeiro, que empresta o título ao livro e ao filme no original francês, e o segundo, intitulado “O Sr. X, aqui chamado Pierre Rabier”.” Susy Freitas
“Clementina é um resgate histórico e ao mesmo tempo um filme profundamente atual, se formos a considerar que o Brasil vive hoje uma efervescência do movimento negro, que tem entre suas principais reivindicações a ausência de representatividade e marginalização do seu legado. Por outro lado, o documentário Zuza Homem de Jazz, sobre Zuza Homem de Mello, nos conduz à mesma questão, quando ilustra que o jazz reinventa-se na sua passagem pelo Brasil, onde revestiu a sua textura com o tecido sonoro da Bossa Nova. O género musical igualmente efetua movimentos migratórios e, nesse processo, alterações são inevitáveis. O documentário Zuza responde, desta feita, parte da pergunta sobre que influência a música que obedece às ondas de Ipanema exerceu sobre os norte-americanos.” Leonel Matusse Jr
(…) “Ilha se inicia com signos que evocam a violência. Um homem encapuzado é mantido refém. O sequestrador interage com a câmera, dialoga com quem está por trás e utiliza expressões comuns ao cinema. Essa aparente antítese quebra a primeira de muitas paredes. O imaginário sobre a negritude é cercado pela tragédia e pela falta de um interlocutor sensível, Ilha tenta encontrar esse interlocutor. Contar histórias é enfrentar. Os medos, os traumas, as opressões. As camadas narrativas do filme são uma paráfrase da complexa vivência da população negra do país que se sustenta no ideal de “paraíso das relações raciais”. O mesmo país onde a cada 23min um jovem negro é morto. “Você mata na palavra, mata na imagem e depois mata em praça pública”. Nessa fala, confunde-se o interlocutor, assim como se confunde encenação e realidade.” Mariana Souza
“Silêncio: ‘ausência completa de som ou de ruído; calada’. A escolha pelo plural – Los Silêncios – não é aleatória na intitulação do filme de Beatriz Seigner; os silêncios que constituem a obra são díspares e diversos. No som, por exemplo, há uma contração da fala e da música em prol dos ruídos da noite, dos insetos, sobretudo. Na encenação, um silêncio espacial é dado pelo isolamento da ilha onde a história se passa, bem como pelo esporádico alagamento das palafitas, que dissolve parte das arquiteturas e dos corpos. Na narrativa, há o silêncio das autoridades e do poder diante dos conflitos armados que cercam a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Há também o silêncio da menina Núria, paradoxal, uma vez que, embora calada, ela permanece um estrondo imagético.” Álvaro André Zeini Cruz
“Em Imagem e palavra, ou O livro de imagens (tradução literal do título em francês), Jean-Luc Godard retoma arqueologia de imagens da série História(s) do Cinema, sobretudo na primeira metade. A arqueologia da arqueologia das imagens, já que trabalha com intertítulos e cenas da série. “A imagem virá no tempo da ressurreição”, disse Godard em História(s) do Cinema, (ou será o tempo da ressurreição?), e como tal reatualiza todos os tempos. Para sempre e agora o porteiro de A última gargalhada acompanha as senhoras na chuva, e Johnny Guitar pedirá para Vienna mentir. Também para sempre e agora a bomba explode diante de nossos olhos (horror, horror, horror). “Você não quer mesmo se tornar imortal?”. “O que será de mim se eu não morrer?”. No museu imaginário de Malraux, o tempo é a distância entre dois quadros. Ou entre dois planos. Não importa a distância temporal – não existe tempo na ressurreição – mas o corte, a passagem, a relação. A doce obsessão de Godard.” Juliana Costa
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