Realizada entre os dias 18 e 31 de outubro, a 42ª Mostra de Cinema de São Paulo traz uma variedade de obras nacionais e internacionais que sempre rende ótimas reflexões cinematográficas. O júri da crítica organizado pela Abraccine formado por Roger Lerina, Isabel Wittmann, Bruno Ghetti, Filipe Furtado e Cecilia Barroso traz um rico panorama sobre a competição “Novos diretores” (confira os textos completos). E os demais associados presentes no festival refletem nesse dossiê sobre as obras diversas que passaram pela capital paulista. Confira o texto completo clicando no nome do crítico.
Mostra – A luz no fim do túnel
“Como bem definiu a diretora da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Renata de Almeida, a 42a edição do evento deve servir como “uma luz no fim do túnel” para um ano tão conturbado social e politicamente. Essa nota de esperança está bem ilustrada no pôster e vinheta do evento, assinados pela multi-artista Laurie Anderson, a partir de uma instalação dela mesma e Huang Hsin-Chien, Chalkroom, que poderá ser visitada no novo anexo do Cinesesc. Neste ano, a Mostra conseguiu assegurar para sua programação os longas premiados nos três principais festivais do mundo. De Berlim, vem o romeno Não me toque (foto), de Adina Pintilie; de Cannes, Assunto de Família, do japonês Hirokazu Kore-eda, que também receberá o Prêmio Humanidade; e de Veneza, o mexicano Roma, de Alfonso Cuarón, que será exibido no encerramento e também deverá fazer parte da programação da repescagem.” (Alysson Oliveira)
Vermelho sol
“O diretor Benjamin Naishtat, de 36 anos, não havia nascido quando a Argentina sofreu um golpe militar cuja ditadura durou de 1966 a 1973. Talvez por isto tenha optado no roteiro que ele próprio assina, em contar a história sem narrar fatos diretamente relacionados ao regime militar. O que temos é o nascimento do ovo da serpente, a origem do mal que está entranhada na própria sociedade civil, no caso, a população de uma pequena cidade do interior argentino. Rojo, a cor vermelha que remete ao cabelo ruivo do personagem forasteiro e que detona os fatos, é também o vermelho que simboliza o comunismo, a ameaça que então justificava a intervenção militar daquele época nem tão distante assim.” (Ivonete Pinto)
Infiltrado na Klan
“Lee está em grande forma aqui, compondo um filme que lança mão de tudo, imagens reais, antigas e recentes – como os conflitos de 2017 em Charlotteville -, uma participação de Alec Baldwin bem no começo, encarnando um político de extremíssima direita (ele que interpreta Trump no humorístico Saturday Night Live), trechos de filmes como O Nascimento de uma Nação e …E o Vento Levou (imagine-se para que comentários). Além disso, ao longo da narrativa, alterna suspense (muitas vezes você se pega com o coração na boca pelo perigo que correm os dois policiais infiltrados no ninho da serpente) e, curiosamente, bastante humor. Humor na medida certa, onde cabe. A mão de Lee está muito, muito boa aqui.” (Neusa Barbosa)
Deslembro
“E da belíssima fotografia de Heloísa Passos (“Construindo Pontes”) à edição de som de Edson Secco, “Deslembro” é um filme sobre essa memória, e como ela se manifesta. Os planos fechados, e nem sempre discerníveis, são muitas vezes pedaços de imagens (como o rosto nunca visto do pai). Os diálogos se sobrepõem a planos que vêm antes ou depois deles, nem sempre sincronizados, mais como uma lembrança do que uma cena em si. E o significado que nossos sentidos conferem a um cheiro, uma foto, ou uma música – pouco mais de 1 ano depois de “Arábia”, “Três Apitos” vai te fazer chorar de novo numa das cenas mais bonitas do filme – é fundamental.” (Daniel Oliveira – cobertura)
A casa que Jack construiu
“Ao penetrar na mente do assassino vivido por Matt Dillon, o diretor, notório por abraçar polêmicas, mas não sem embasamento nas razões para levantá-las em seus filmes, cria uma profunda análise da mente doentia e perversa de um serial killer. Sim, o filme esbarra em um aspecto misógino, uma vez que as vítimas aleatórias que o personagem-título escolhe no contar de sua história são todas mulheres em um estado de estupidez e de ingenuidade que incomodam. Mas, conhecendo as personagens fortes e femininas dos filmes anteriores do cineasta, não é de se espantar encontrarmos uma irônica e proposital inserção da fragilidade na construção dessas presenças.” (João Paulo Barreto – cobertura)
A Valsa de Waldheim
“Sob o escudo da moralidade, foi defendido por seus eleitores, que acusavam uma conspiração internacional para derrotá-lo. Beckermann faz uso certeiro das imagens da época, nos deslocando para os debates entre políticos, historiadores, manifestantes e partidários, descortinando o posicionamento de cada peão no complexo tabuleiro político. Embora o formato seja convencional, o filme ganha força na montagem que compõem um panorama bastante claro. O interessante é que em meio a isso tudo, não seja apresentado o candidato concorrente. Talvez porque a documentarista esteja mais preocupada em, ao mesmo tempo descortinar o absurdo daquilo tudo, mas também deixar a narrativa aberta o suficiente para que os espectadores contemporâneos possam preenchê-la com as histórias atuais de direta conservadora que, com seus nacionalismos extremistas, novamente está em ascensão na Europa.” (Isabel Wittmann – cobertura)
Assunto de Família
“Quando levou a Palma de Ouro em um Festival de Cannes cheio de discussões contundentes fora e dentro das telas, Assunto de Família (2018) pode ter surpreendido a muitos lá presentes. A decisão de dar essa honraria pela primeira vez ao cineasta japonês Hirokazu Kore-eda e por seu novo e agridoce trabalho ser mais abrangente na tarefa de agradar público, crítica e júri podem ser levadas em consideração para justificar essa escolha. No entanto, é bem mais interessante a ideia de premiar um filme que trate de maneira genuína e delicada a complexidade das relações humanas, dos laços familiares e da moral.” (Nayara Reynaud – cobertura)
Teatro de Guerra
Em Teatro de Guerra , Lola Arias – diretamente norteada pela encenação de Campo Minado , que apresentou na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MIT-SP) – realiza operações, acerca das fronteiras entre documentário e ficção, realidade e interpretação, deixadas intencionalmente à mostra diante do público: toda a estrutura do estúdio de filmagem permanece exposta, bem como escolhas de figurinos, reprodução de acontecimentos em maquetes, simulações de experiências em determinadas locações. O resultado é instigante. (Daniel Schenker)
A árvore dos frutos selvagens
“A árvore dos frutos selvagens é o novo trabalho do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, que prima por imagens de grande elaboração e beleza nos seus filmes. Enriquece o seu apuro visual com locações na Anatólia, a região turca de sua origem, que tem paisagens exuberantes. É, portanto, com grande prazer que vemos a natureza magnificamente enquadrada, as expressões humanas se revelando, em meio a um ambiente amplo, mostrado por planos gerais e panorâmicas, mas também por detalhes significativos do contexto cultural abordado.” (Antonio Carlos Egypto – cobertura)
Amanda
“Mikhaël Hers não entende a vida à base da relação de causa e efeito, embora este filme tenha, sim, um grande evento definidor de praticamente tudo. Hers se apropria de um tema grandioso, um assunto do momento, para focar no íntimo de seus personagens e mostrar como o externo nos revela por dentro. Amanda, no final das contas, é sobre crescer. Sobre estar preparado ou não para enfrentar pequenas e grandes tragédias.” (Chico Fireman)
Outras coberturas:
Entrevista com Lázaro Ramos por João Paulo Barreto
Podcast com Isabel Wittmann