O Melhor Longa Metragem Brasileiro de 2018 segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine foi “Arábia”, de Affonso Uchoa e João Dumans, escolhido pelos associados entre todos os filmes exibidos em circuito comercial no país durante o ano.
Sobre Arábia (clique no nome para ler o texto completo):
“Arábia parte da história de um personagem para compor um retrato do trabalhador brasileiro em uma conjuntura histórica que perpassa uma década. O interesse não é procurar entender as causas das desigualdades sociais e econômicas dentro da experiência de mundo do personagem, que antes acreditava “não ter nada de importante para contar”. O olhar da direção vai para outro caminho: aproximar-se do modo de vida desse trabalhador, das pessoas que ele conhece – inclusive Ana, o grande amor de sua vida –, e do despertar diante de sua condição como parte da engrenagem que integra a alienação do trabalho”. Camila Vieira
“É pela característica de tentar revolucionar pela calma que o cinema mineiro parece se destacar com a habilidade de poucos. Funcionando quase como uma inconfidência tranqüila contra a habitual urgência da violência para encontrar soluções imediatas, Arábia nos acena como algo refrescante e bom. Sendo sua capacidade tão transformadora – ou até maior? – quanto aquelas outras obras que urram e exigem pela força uma revolução social”. Luiz Joaquim
“Porém, apesar dessas camadas formais, o filme está menos preocupado com a proposição de uma narrativa que discuta suas nuances, ou seja, com uma metanarrativa fílmico-literária, e muito mais interessado no substrato moral e íntimo que dê conta de forjar a identidade do protagonista, através de uma aparente banalidade de seu cotidiano. É quando o ordinário se torna pulsante, sem abandonar a cadência naturalista que dita o ritmo do filme. Aristides Souza, ator não-profissional, dá corpo e voz para esse jovem homem do trabalho, e é importante destacar essas duas dimensões de sua atuação. Primeiro porque Arábia concentra-se muito no texto em voz off do próprio Cristiano, dando consistência aos testemunho de suas aventuras errantes; mas é também muito forte a presença de Aristides em tela como imagem e semblante do jovem à procura de seu lugar no mundo”. Rafael Carvalho
“Entre os muitos acertos de Arábia, está o sair do lugar comum de tantas narrativas e apostar no trânsito entre realidades, não só com a inversão do protagonismo, mas com o abandono de uma história já tantas vezes contada para focar em outra ainda pouco explorada. Não há uma exclusão de realidades, mas aquele que seria o protagonista natural – mesmo que tenha toda a complexidade e aprofundamento que um personagem bem construído precisa ter – deixa de ser o que mais importa logo após o prólogo para que uma outra história, mais urgente e também interessante, seja contada”. Cecilia Barroso
“Um dos aspectos mais interessantes de ARÁBIA é como a narrativa em tom rude de Cristiano consegue ser também tão delicada. O filme é praticamente todo narrado com a voz do rapaz, em sua passagem por diversas cidades de Minas Gerais, inclusive tendo feito uma passagem pela prisão por roubo de carro. Em suas paradas em tantos lugares, ele conhece pessoas que influenciam o seu modo de pensar, como o homem que trouxe os sindicatos e a greve a um povoado que estava trabalhando sem ser devidamente pago pelo patrão, dono de uma plantação de tangerinas”. Ailton Monteiro
“O dispositivo de Arábia é a narrativa. A narrativa que fica tão explicitada na carta deixada pelo protagonista, a partir do momento da troca de protagonismos do filme, que funciona como um alerta dos diretores para o espectador: algo como “este não é mais um filme agradável sobre um jovem de classe média, mas uma interpretação sobre uma realidade brasileira. Uma realidade geralmente escondida entre sacos de frutas colhidas no campo, máquinas de uma tecelagem e corredores de uma indústria”. Chico Fireman
“O cinema dispõe de recursos poderosos para nos trazer, reportar, realidades, que podem estar distantes de nós, não apenas por meio de uma riqueza de informações, mas também com a carga emocional que a situação apresentada requer. Bons personagens, dentro de uma boa estrutura dramática, são capazes de nos levar a viver a experiência de vida intensa e sofrida de pessoas que estão mergulhadas em contextos sociais diversos dos nossos”. Antonio Carlos Egypto
“A potêncio do longa dos diretores mineiros Affonso Uchoa e João Dumans (de “A Vizinhança do Tigre”) está na genialidade com que ele subverte esse clichê e essa expectativa. Em “Arábia”, a empatia, a riqueza humano e o poder da narrativa estão todos dentro de Cristiano. E a generosidade e a poesia com que os dois cineastas constroem isso é o que faz da produção não só o melhor longa no Festival de Brasília, mas um dos filmes mais importantes já realizados em Minas”. Daniel Oliveira
“Arábia pulsa em tela e nos convida a imergir naquele universo com a força de suas imagens, suas músicas e personagens E, principalmente, pela força do seu texto. Parece paradoxal ao se tratar de cinema, mas é impressionante como tudo se ressignifica a partir dele. Uma experiência única que merece todos os prêmios e elogios”. Amanda Aouad
O Melhor Curta Metragem brasileiro de 2018 segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine foi “Guaxuma”, de Nara Normande, escolhido pelos associados entre todos os filmes exibidos em mostras e festivais no país durante o ano.
Sobre Guaxuma (clique no nome para ler o texto completo):
“Nesse sentido, a personalidade visual e sonora (por sua voz como narradora onisciente) que Nara criou aqui estabelece um universo onírico que é, ao mesmo tempo, particular e reconhecível.‘Particular’ porque a ‘Nara’ e a ‘Tayra’ que enxergamos em Guaxuma são únicas. E mesmo que construídas em formatos diversos (mas seguindo o mesmo princípio estético), e carregando sempre a areia como elemento presente em seu corpo, elas são únicas. Nas bonecas ‘Nara’ e ‘Tayra’ de areia com enchimento, por exemplo – que certamente têm o perfil mais marcante -, vemos seus rostos circulares com os olhinhos pretos redondos e sem a boca, sugerindo uma eterna curiosidade”. Luiz Joaquim
“Além da delicadeza da narrativa, há um esmero estético que esta produção meio pernambucana, meio francesa, apresenta na junção de várias técnicas: o stop motion está nas formações de areia, bonequinhos de massinha e lã, fotos e até origamis, assim como desenhos e breves filmagens eternizam a sua amizade com Tayra”. Nayara Reynaud
A metáfora é evidente, pois tudo que é de areia alude ao transitório, poroso, passível de ser desfeito pelas vicissitudes, assim como as lembranças. Com o suporte de fotografias da meninice, Nara demonstra particular apego à recordação de Taira, sua melhor amiga, aquela com quem dividiu momentos-chave. Até a explanação da fatalidade que levou a companheira embora é feita de forma terna, com o auxilio de origamis que simbolizam a morte. Marcelo Müller