O Melhor Longa Metragem Estrangeiro de 2018 segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine foi Roma de Alfonso Cuarón, escolhido pelos associados entre todos os filmes lançados no país durante o ano, incluindo em streaming e os lançados na TV por assinatura.
Sobre Roma (clique no nome para ler o texto completo):
“Mas há muito afeto no modo escolhido para expor a jornada desta mulher. O modo com que Cuarón assume o filme e conta a história de alguém que foi tão importante em sua vida é extremamente pessoal, tanto que faz questão de assinar o roteiro, a produção e a montagem, além da direção de fotografia. Há sentimento e nostalgia em seus planos em movimento e estáticos, no modo como poeticamente trabalha com a luz e na definição de quadros que transmitem os sentimentos de cada um momentos retratados, seja em detalhes pontuais ou na grandiosidade de algumas cenas”. Cecilia Barroso
“Nos imensos planos panorâmicos, para qualquer canto que se olhe há o detalhe de uma reconstituição que aparenta ser perfeita. Mesmo que o preto e branco da fotografia tenha a capacidade de esconder imperfeições, e por isto é um recurso bastante utilizado por filmes de época, em Roma ele serve ao estilo, ao código memorialístico que, no audiovisual, costuma retirar as cores das lembranças. Em cenas como as do hospital, repletas de figurantes e adereços dos anos 70, soa um exibicionismo de produção. Se fosse um filme de baixo orçamento, os planos seriam mais fechados, teríamos apenas figurantes suficientes para dar a medida da ação”. Ivonete Pinto
“A sua direção carrega uma noção e uso da espacialidade que convidam o espectador a adentrar na cena. Elementos extracampo, por vezes, entram e saem do quadro, enquanto passeia a sua câmera em tilts que alcançam panoramicamente todos os cômodos da casa que conhece tão bem ou em travellings que correm por uma Cidade do México em polvorosa no final de 1970 e início de 1971, em uma mise-en-scène que complementa ou confronta a ação central”. Nayara Reynaud
“Os dramas que se desenvolverão a partir daí na vida das duas mulheres protagonistas, Cleo e Sofia, provocarão um turbilhão de eventos, que se entrelaçam com as lutas políticas do período, entre milícias e manifestantes estudantis, que acabarão por exercer papel decisivo no desenrolar da trama. Mas os homens que se relacionam com as protagonistas são os grandes responsáveis pela dor e sofrimento que elas têm de viver. A condição de mulher aproxima ambas. Aquilo que as diferenças de classe separam a condição feminina agrega”. Antonio Carlos Egypto
“Mas o silêncio de Cleo não é uma covardia, ou uma deficiência, de Cuarón. Pelo contrário. É o reconhecimento de que ele não poderia jamais falar por ela. E mais do que isso, de que ela jamais falaria, naquele momento, com aquelas pessoas, sobre coisas que talvez nem conseguisse articular. O que o cineasta pode fazer é tornar o olhar de Cleo não só o elemento mais potente de seu filme, dando o sentido a todas aquelas imagens, mas o centro da história”. Daniel Oliveira
“Se nos filmes anteriores do diretor havia um senso de urgência e perigo latentes (Gravidade, Filhos da Esperança e mesmo Harry Potter e o Prisioneiro de Azkabam), em Roma o tom é outro. Cuarón observa com parcimônia e cuidado a rotina de tais personagens sob um olhar afetuoso, e não necessariamente condescendente. Ser uma empregada doméstica no México no início dos anos 1970 não é das vidas mais desejadas. No entanto, ainda que a rotina de Cleo seja marcada pelo trabalho incansável, há lampejos de felicidade que o diretor não se furta em retratar. Por outro lado, são suas aventuras amorosas que rendem também a ela alguns problemas, como as consequências indesejadas dos encontros fortuitos com Fermín (Jorge Antonio Guerrero), um interesse amoroso”. Rafael Carvalho
“Mas não é (apenas) dos pequenos de Cleo e Sofia que Roma quer o olhar (ou deseja o seu olhar). É, particularmente, o dessas mulheres fortes. Numa das falas mais objetivas entre as duas personagens, com Sofia chegando embriagada em casa após entender que seu marido não mais voltará, ela diz, olhando nos olhos de Cleo – cujo pai de seu bebê, ainda no ventre, também a abandonou: ‘Não importa o que eles digam, sempre estaremos sozinhas!’ ”. Luiz Joaquim
“A trajetória de ambas mulheres é retratada por Cuarón com a simplicidade ínsita aos dramas intensos, evitando recorrer à cafonice e ao sentimentalismo, em geral o porto-seguro de diretos menos confiantes. Só ajuda o fato de Cuarón, ao mesmo tempo em que narra a história, ainda está redescobrindo seu passado e a personalidade de familiares queridos.” Márcio Sallem
“A câmera de Cuarón busca essa mulher e essa família de uma maneira ímpar, nos passando essas sensações de maneira grandiosa e angustiante como a cena da praia ou a do hospital, mas também em cenas simples e pontuais como um suco pedido no momento de assistir a televisão, ou uma vitamina que precisa ser feita”. Amanda Aouad
“O filme não adere a nenhum tipo de revolução mas de observação das nossas contradições como sociedade. A atenção ao percurso do tempo, aos pequenos gestos dos personagens e especialmente a importância dos grandes planos gerais mostram a delicadeza do diretor. Essas opções, para mim, revelam que o filme não é meramente esteticista ou que é simplesmente repleto de adereços ou penduricalhos, mas, ao contrário, há um rigor que se aproxima de um certo laconismo”. Marcelo Ikeda
“Outra possível raiz do filme é recurso ao estilo chamado “cinema direto”, ou cinèma verité, praticado a partir da década de 1960, no qual a expressividade dos objetos e das pessoas filmadas era o que bastava para contar uma história. Note-se a importância da sequencia que ilustra o descompasso entre o tamanho dos automóveis e o da garagem onde eles deveriam ser guardados. Esses vestígios, assim como a quantidade de pontas de cigarro no cinzeiro do carro, indicam algo sobre o desequilíbrio do casal. Acrescente-se como sintoma, numa visão freudiana, a desmedida irritação do dono da casa em relação à sujeira causada pelo cachorro”. Luciano Ramos