Por Mônica Kanitz*
Simplicidade e bom humor foram as qualificações do júri da crítica para considerar MAMATA como o melhor curta da mostra competitiva do 50o Festival de Cinema de Brasília. Com quase 30 minutos de duração, o filme do diretor baiano Marcus Curvelo propõe uma reflexão sobre a total falta de esperança no Brasil destes últimos anos, principalmente entre os mais jovens. Trata-se de uma população que já deveria estar economicamente ativa, mas diante da falta de empregos acaba sobrevivendo de freelas – ou, se possível, tenta sair do país.
Em MAMATA, Curvelo faz o espectador rir disso tudo. É como se a nossa situação “social, econômica e política” se transformasse num teatro de absurdos, pontuada por episódios que fazem parte do nosso cotidiano e que, reunidos na tela, dão uma dimensão inacreditável do que (já) vivemos. O curta é protagonizado por Joder, personagem de Curvelo já visto em filmes anteriores do CUAL (Coletivo Urgente do Audiovisual), que reúne jovens e criativos cineastas baianos. Logo no início, o personagem tenta conseguir trabalho na produção de um filme para pagar a passagem aos Estados Unidos, onde a namorada foi estudar por dois anos. Enrolado numa situação que combina sua falta de habilidades com as péssimas notícias sobre o Brasil, Joder tem pesadelos com o pato amarelo da Fiesp (que inacreditavelmente aparece no programa do Luciano Huck), confessa que só tem nove meses de contribuição para o INSS e se afunda na angústia junto com a interpretação cambaleante da cantora Vanusa para o Hino Nacional. É tudo tão trágico que soa cômico – e vice-versa.
Curvelo combina todos estes elementos de maneira muito hábil, numa narrativa que aposta na simplicidade dos cenários, em um personagem que tem a simpatia do público e na objetividade necessária para compreender os dias atuais. Praticamente um solitário na sua angústia, Joder é um herói bem brasileiro – só falta ser reconhecido como tal.
ARÁBIA, dos diretores mineiros Affonso Uchoa e João Dumans, venceu o prêmio da crítica em longa-metragem por um elemento-chave: a sensibilidade. Assim como em MAMATA, o roteiro também tem como pano de fundo o universo do trabalho e um protagonista um tanto quanto solitário. Mas o Cristiano vivido por Aristides Souza (prêmio de melhor ator no festival) é o “típico” peão da cena brasileira: um sujeito humilde, com pouca qualificação, que tira seu sustento de trabalhos esporádicos, desde plantações de frutas até a construção civil. Já o tom do filme investe num registro mais melancólico, refletindo uma vida sem grandes ambições ou expectativas de melhoria.
Um dos diferenciais do longa-metragem é que a trajetória deste trabalhador que viaja pelo interior mineiro é contada por meio de uma narrativa em off, a partir de seus diários. O recurso, que muitas vezes pode enfraquecer um bom roteiro, neste filme só reforça a composição do personagem e enfatiza o percurso embrutecido e ao mesmo tempo comovente de sua saga – ou sensível, como percebeu o júri da crítica. Para além disso, os diretores-roteiristas encontraram uma maneira delicada de apresentar esta narração, se valendo de um menino que encontra as anotações de Cristiano em sua casa. Este mesmo garoto terá, mais tarde, uma presença fundamental dentro do contexto da trama.
ARÁBIA poderia ter sido construído como um documentário sobre as (difíceis) condições de um trabalhador brasileiro, mas a humanização que empresta a Cristiano faz deste um filme essencial nos tempos de hoje. O personagem ganha pouco, vive muitas situações insalubres, mal compreende o que é um sindicato e se diverte nas modestas rodas de violão e cerveja com os amigos que vêm e vão. Seu “roadmovie” também não tem nada de glamouroso, sem paisagens paradisíacas ou carros de luxo. O único momento em que encontra algum sentido maior na vida é quando se apaixona por Ana, com quem vive uma história de amor curta e bem particular. Mas, num universo em que nem sempre os sentimentos encontram seu lugar e as palavras não têm tanta força, o sofrido Cristiano precisa seguir adiante – como a maioria dos brasileiros sobreviventes.
ARÁBIA acabou sendo o filme mais bem resolvido entre as muitas polêmicas e debates do Festival de Cinema de Brasília. Equilibrado entre direção, roteiro e atuações, também levou o prêmio de melhor filme pelo júri oficial. E tem, desde já, um dos finais mais bonitos do cinema brasileiro.
* Mônica Kanitz é jornalista e crítica cinematográfica, foi presidente do júri Abraccine no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.