Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil
Ivonete Pinto
Um dos eventos do seminário O Estado da Crítica, em comemoração aos 10 anos de fundação da Accirs, foi o lançamento do livro Trajetória da crítica de cinema no Brasil, organizado por Paulo Henrique Silva pela Editora Letramento. A sessão de autógrafos contou com a participação do organizador e presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e de alguns autores do livro. A iniciativa da publicação é da associação de críticos e soma-se aos outros títulos já lançados pela entidade nos últimos quatro anos.
A obra, com 450 páginas, apresenta 23 artigos, acrescidos de um bloco anexo com textos sobre o aparecimento e a consolidação da crítica na Internet, sobre as mulheres críticas de cinema e sobre a organização da crítica através das associações formalmente constituídas.
Os artigos do bloco principal ocupam-se essencialmente com um panorama histórico de como se deu a crítica de cinema em 23 estados da Federação, tendo ficado de fora apenas Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia e Amapá, estados que apresentam um retrato ainda incipiente quanto ao tema.
Trajetória da crítica de cinema no Brasil conta com 33 autores, entre críticos e pesquisadores convidados, e com dois textos introdutórios: a apresentação de Ismail Xavier e o prefácio de Jean-Claude Bernardet. Duas das maiores referências da teoria, da crítica e da docência na área do cinema, Ismail e Bernardet são também filiados à Abraccine, entidade criada em 2011 e que vem a ser a primeira associação nacional de críticos do País. Ismail Xavier destaca em seu texto o caráter pioneiro do livro, que “cobre de forma admirável enorme lacuna nos estudos da crítica de cinema no Brasil, ao equilibrar abrangência e concisão, dada a pluralidade de pontos de vista expressos na montagem dos percursos próprios a cada estado da Federação.” Jean-Claude Bernardet, em sua escrita sempre provocativa, reflete sobre o que significa a crítica de cinema e, fazendo menção à pessoa que escreve, cutuca o leitor com uma pergunta difícil de responder: “a crítica é o que escreveu ou pensa ter escrito quem escreveu, ou é o que entendeu ou pensa ter entendido quem leu?”
Como notou Paulo Henrique Silva no prólogo, foram os cinemas de vanguarda e o neorrealismo italiano que impulsionaram o surgimento de revistas como a Cahiers du Cinéma, na França em 1951, e logo em seguida, em 1954, em Minas Gerais a importante Revista de Cinema. A cena internacional, aliada aos inúmeros cineclubes espalhados pelo País, forma o contexto dos artigos do livro e onde não escapam citações à grande influência que foi – e é – Paulo Emilio Sales Gomes.
Ao longo do livro, uma conclusão vai se estabelecendo, qual seja a de que a crítica floresceu e se sedimentou com maior expressão nos estados em que a produção de filmes também foi expressiva. Assim, temos relatos mais densos quanto ao Centro-Sul e igualmente vindos dos estados que protagonizaram os chamados ciclos regionais, como Pernambuco e Bahia. Falar dos primórdios da crítica local, necessariamente envolveu explorar os primórdios do cinema local. No entanto, o livro revela que certos ciclos econômicos da mesma forma se vinculam à produção crítica, como deixa claro o artigo que trata da crítica no Acre. Lá, o ciclo da borracha vai propiciar a abertura de salas de cinema e o investimento em jornais, que por sua vez abrem espaço para a crítica de cinema. Estas relações de causa e efeito percorrem o livro como um todo e percebemos que se trata de um mapeamento singular, que dá relevo à riqueza do pensamento crítico nos 23 estados.
No atual cenário político-ideológico que atravessamos, é muito bem-vinda uma publicação de teor memorialístico, que pensa o passado para iluminar nosso presente. Ter consciência de que as lutas e os engajamentos fazem parte da história é compreender nosso papel na crítica para além do juízo de valor sobre um filme X ou Y.