*Carol Lucena
Todos os curtas desta 54ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro traziam questões sociais importantes como temática. Seja os problemas causados pela pandemia de coronavírus, a violência doméstica e o machismo, a precariedade trabalhista, o racismo contra negros e asiáticos, e muito mais.
O curta-metragem “Adão, Eva e o Fruto Proibido” se destacou por justamente oferecer, além da denúncia singela dos problemas vividos por mulheres trans, um tom também otimista e afetivo, mais do que necessário em meio a muitos retratos de sofrimento e dor.
Os filmes com temática LGBTQIA+ são notoriamente conhecidos pelos retratos dos problemas pelos quais seus membros passam. Essa prevalência acabou criando até um tropo chamado bury your gays (enterre seus gays), que enfatiza o quanto personagens LGBTQIA+ são mortos ou têm finais trágicos nas obras. O mundo ainda não é um lugar tolerante e acolhedor, apesar dos avanços conquistados nos últimos tempos. E o cinema reflete essa condição, mostrando várias histórias tristes e com caráter de denúncia, o que continua sendo muito importante para manter viva a voz dessas pessoas, despertar a consciência das lutas que ainda precisam ser vencidas, e o quanto a sociedade ainda tem que aprender e mudar.
Entretanto, ao mesmo tempo que precisamos manter viva na memória essas lutas, também precisamos de histórias aspiracionais, em que personagens LGBTQIA+, ou de qualquer outro grupo oprimido, terminem felizes e realizados. Isso não implica em uma defesa do filme histriônico, da felicidade em um mundo de fantasia a todo custo, ou do filme-entretenimento para as grandes massas que usa personagens LGBTQIA+ como piada, como era muito comum até pouco tempo atrás. Claro que filmes fantasiosos também podem e devem existir, mas há também possibilidades de mostrar finais felizes realistas para esses personagens. E é o que “Adão, Eva e o Fruto Proibido” faz. Ashley (interpretada por Danny Barbosa, de “Bacurau”) tem a oportunidade de se aproximar do filho adolescente, do qual esteve separada desde o nascimento. Ela está disposta a enfrentar os preconceitos, insistindo em levá-lo na escola mesmo sob o risco de chacota dos colegas de turma dele.

O filme economiza bastante na história pregressa, deixando vários pontos em aberto, à imaginação da espectadora. O mais importante é a forma singela com que o afeto vai sendo construído. Por se tratar de um curta-metragem, o diretor R.B. Lima recorre a algumas elipses para encurtar o desenvolvimento da relação entre mãe e filho. Mas, mesmo assim, o arco da história funciona muito bem, principalmente ao evocar rimas imagéticas, como a massagem nas pernas, que une os personagens no passado e no presente.
Uma cena de destaque é a do banho no chuveiro, em que a excelente atuação de Manoa Vitorino consegue exprimir com maestria, mesmo sem palavras, os sentimentos de sua personagem.
O filme também não evoca o tropo mais do que cansado da maternidade como sacrifício. Ashley se esforça para acolher e cuidar do menino, e apoiá-lo em seus hobbies, como a batalha de dança da qual participa. Porém, jamais é indicado que Ashley precisou abrir mão de sua vida pessoal para se dedicar a seu novo papel de mãe. “Adão, Eva e o Fruto Proibido” poderia facilmente se desdobrar em um longa-metragem, desenvolvendo mais a fundo os temas que levanta. É uma felicidade encontrar um filme otimista e aspiracional, que humaniza seus personagens e não os trata como estereótipos. Uma grande vitória da seleção do 54º Festival de Brasília.
*Carol Lucena fez parte do Júri Abraccine.