32º Cine Ceará: Para Cuba e Venezuela, com amor

*Neusa Barbosa

Confirmando a vocação do cinema para explorar caminhos que outros meios não alcançam, dois filmes da competição do Cine Ceará 2022 trouxeram retratos de dois dos países mais vilanizados pela mídia internacional, Cuba e Venezuela. A diferença é que, em se tratando de produções realizadas dentro desses países e por pessoas que os conhecem profundamente, independentemente de suas posições, ambos aprofundaram nuances de suas crises que costumam escapar da monocórdica cobertura midiática mundial. 

Vencedor dos prêmios de direção para Carlos Lechuga e melhor atriz para Linnett Hernández, “Vicenta B.” traçou um perfil feminino extraordinário de uma mulher madura, mãe de um jovem que está prestes a imigrar para os EUA – uma saga comum a tantos outros cubanos, procurando melhores condições econômicas fora de sua pátria e deixando para trás afetos e laços familiares.

Vicenta, uma cartomante versada na religiosidade africana e exercendo um sincretismo que aproxima o filme da realidade brasileira, representa esta pátria abandonada a contragosto, onde alguns que ficam, como a jovem Mônica, mergulham na depressão e no desalento. As paisagens por onde se movem estes personagens comuns, trabalhadores, mostram fachadas de casas em ruínas, monumentos desbotados, um traço visual simbólico de uma deterioração social que pede cuidados. 

Nesta crônica cubana, no entanto, não há maniqueísmo. Se Lechuga, diretor premiado anteriormente no Ceará, por “Santa y Andrès” (2016), investe poderosamente no realismo de uma crítica social, não deixa de contemplar com eficiência e conhecimento de causa o misticismo que impregna a mentalidade local e o poder dos afetos como construtores de laços numa sociedade resistente e orgulhosa de seu próprio ímpeto, apesar de tudo.

“Meninos de Las Brisas” – Divulgação

No caso do filme venezuelano, o documentário “Meninos de Las Brisas” (Ninõs de Las Brisas), a diretora Marianela Maldonado, acompanhando por 10 anos três jovens aspirantes a músicos profissionais, infiltrou-se um tom mais retórico – especialmente quando salientou a apropriação política do El Sistema, projeto de formação de jovens músicos em bairros populares, pelo governo Hugo Chávez. Fixando-se apenas no período chavista, a cineasta deixou de apontar que o criador do sistema, o maestro José Antonio Abreu, é quem havia se aproximado do falecido presidente para que apadrinhasse o projeto, como havia feito, aliás, com todos os governantes anteriores desde que o criou, em 1975.

Descontado este aspecto, o documentário mostra-se eficiente, não raro emotivo, no perfil destes três jovens, Wuilly, Dissandra e Edixson, que têm seus sonhos destroçados pelo desmoronamento econômico e social do país – que é inegável. De todo modo, a parcela da realidade venezuelana que o filme mostra é mais substancial do que a maior parte do noticiário nacional e internacional sobre o país, polarizado contra ou a favor do governo Nicolás Maduro.

Ninguém nega de que há problemas imensos em Cuba e na Venezuela, que estes filmes abordam com propriedade. O fato de que ambos os cineastas não mais vivam em seus respectivos países, aliás, é mais um sinal disso. A criar um espaço para que suas vozes sejam ouvidas, o Cine Ceará fez o que tantos jornais não fazem, apesar de ser essa sua vocação – ouvir o outro.

*Neusa Barbosa fez parte do Júri Abraccine.

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