Em memória de um baiano essencial, meu amigo João Sampaio
Por Neusa Barbosa, do Cineweb
Pois é – o muito querido João Sampaio deu zignáu.
Esse crítico que era pura inteligência e intuição, esse amigo que era sorriso sem vacilação, esse baiano retado longe dos clichês que simbolizava como ninguém a Bahia de raiz, a Bahia do Recôncavo.
O João que inventava ou divulgava gírias que ninguém sabia de onde tirava – como o “dar zignáu”, ou seja, sumir de cena.
Não era para fazer isso com a gente não, João!!!
Quem dera, pedindo licença a Jorge Amado, você pudesse dar uma de Quincas Berro d’Água e percorrer de novo as ladeiras de Salvador com a gente. Vivo, bem vivo, embalado no teu sorriso.
Quem dera.
Saudade é demais, meu amigo.
Mas, para fazer jus à tua incondicional alegria, não vou preservar a tristeza dessa tua partida muito brusca, muito precoce, muito absurda.
Em homenagem a você, ao teu imortal espírito brejeiro, vou manter o coração aberto às alegrias que virão, ou que a gente vai extrair, ou vai fabricar. Porque alegria também se inventa e precisa inventar, porque a criação é a marca humana sobre a terra.
E que sobre a terra do Brasil, que a tua presença iluminou por 44 anos, que o teu espírito cordial frutifique – porque era você o verdadeiro homem cordial brasileiro. Que a gente possa instaurar essa tua disposição de ser sempre gentil mesmo discordando até a última palavra do teu interlocutor. Tudo isso está faltando demais hoje neste país, que você deixa nas nossas mãos, e que a gente, tua legião imensa de amigos por esse mundão, precisa preservar da maré de baixo astral. Que fique com a gente teu espírito imortalmente belo e gentil.
Vou começar por aqui: mesmo sendo corintiana até a alma, puxo um viva ao teu Vitória, em tua homenagem.
João Carlos Sampaio
Por Alex Hercog, do blog 366 filmes de AZ
Mais um mês começando com uma notícia ruim. Mais uma vez, a morte aprontando das suas. Em fevereiro, foi Eduardo Coutinho. Em maio, foi a vez de João Carlos Sampaio seguir viagem.
O cinema baiano perde um de seus mais importantes críticos. O Vitória perde um ilustre e engajado torcedor. A Bahia perde um ator político. E o Facebook fica menos interessante.
De consolo, fica a certeza de que João foi um cara que aproveitou bem a sua vida.
Meu primeiro contato com ele foi lendo suas críticas publicadas no jornal “A Tarde” e na internet. Também participei de alguns seminários e oficinas, tendo a oportunidade de ouvi-lo contar sobre sua juventude cinéfila pelas ruas e salas de exibição de Salvador. No entanto, não foi o cinema que nos apresentou pessoalmente, mas o Vitória.
Eu e João participamos de alguns grupos de torcedores que atuavam politicamente em prol do Vitória. Das reuniões e assembléias para o “Face”. Suas postagens eram, sem dúvida, um diferencial. Futebol, política, humor, inteligência, alegria e cinema estavam diariamente no cardápio. Sempre misturando seus posicionamentos político com uma leveza de bom humor inconfundível. Sempre criticando, sem perder a ternura jamais.
A morte dele foi surpreendente. De um lado, fica a sensação de injustiça feita pelo destino, que levou um cara que certamente merecia mais um tempo de vida. De outro, a satisfação de poder ter conhecido essa ótima pessoa, que sem dúvida fará falta.
Por isso, dedico a postagem do mês de maio a João Carlos Sampaio. E compartilho um top 10 de filmes em sua homenagem, com filmes e diretores que ele apreciava e com a expectativa de que ele aprove a seleção, aonde quer que ele esteja.
1. Viridiana (Viridiana) – México (1961), direção: Luis Buñuel
2. Faces (Faces) – EUA (1968), direção: John Cassavetes
3. Câncer – Brasil (1972), direção: Glauber Rocha
4. Dark Star (Dark Star) – EUA (1974), direção: John Carpenter
5. O Homem que Amava as Mulheres (L´Homme qui Aimait les Femmes) – França (1977), direção: François Truffaut
6. Sonata de Outono (Höstsonaten) – Suécia (1978), direção: Ingmar Bergman
7. Marighella: Retrato Falado de um Guerrilheiro – Brasil (1999), direção: Silvio Tendler
8. Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (Big Fish) – EUA (2003), direção: Tim Burton
9. O Homem Urso (Grizzly Man) – EUA (2005), direção: Werner Herzog
10. Blue Jasmine – EUA (2013), direção: Woody Allen
Como serão nossos encontros sem ele?
Por Erika Rodrigues, Canal Brasil
Como serão nossos encontros sem João Sampaio, nos próximos festivais?
Os nossos tradicionais gritos histéricos de felicidade quando nos encontrávamos?
A primeira coisa que eu fazia quando chegava a um festival era perguntar: cadê o João?
Lembro que, em Gramado, no ano passado, disse no receptivo do festival:
– Oi, tudo bem… Queria saber se meu marido já chegou, o João Sampaio. A gente se desencontrou.
E a linda moça loira, disse:
– Já sim.
Quando contei, ele deu tanta risada com isso… Custo a acreditar que não veremos mais o João.
Em dezembro, completo 15 anos de “Canal Brasil”. E lembro, quando Wilson Cunha criou o Prêmio Aquisição (hoje Prêmio Canal Brasil de Curtas). João Sampaio estava sempre entre os críticos convidados.
Nossa amizade vem de tempos atrás. Éramos muito amigos. Não só de festivais. João ficou na minha casa, eu fiquei na dele, nos falávamos por telefone toda semana e através do Facebook, quase todos os dias.
João era meu confidente. Reclamou duas coisas comigo, lá de Recife. A primeira, minha ausência – risos. E a segunda, de cansaço (e já tinha se queixado disso há três semanas, em Salvador).
Fico pensando que se eu estivesse lá, em Recife, poderia ter feito alguma coisa… Sei lá. Bom, tenho um amor por vocês dois [Maria do Rosário Caetano e Luiz Zanin Oricchio, a quem a mensagem foi enviada] que também não é de hoje. E espero, sinceramente, que a gente ainda se cruze muito nessa vida. Porque na próxima, quero ficar é grudada com meu João.
Um abraço, Erika.
Fazendo e pensando o cinema em Salvador
Por Claudio Marques, Diretor de cinema (“Depois da Chuva”) e programador do Espaço Itau – Cine Glauber Rocha (Salvador/BA)
Eu conheci João Sampaio no início dos anos 90, naquela terrível fase do cinema brasileiro. Com uma mínima produção e moral lá embaixo, eram poucos os jovens a manifestar o desejo de viver fazendo e pensando o cinema em Salvador. João (um pouco mais velho) e eu éramos desses poucos.
Jamais fomos os melhores amigos, um do outro, mas estivemos sempre muito próximos nesses últimos 20 anos. Próximos o suficiente para que eu conhecesse o João mal humorado e que tinha pouca paciência diante da falta de compromisso e honestidade. Isso tudo o tornava ainda mais humano e interessante. Ódio mortal, mesmo, ele tinha contra ACM, o velho, e tudo o que esse personagem trouxe de tenebroso para a Bahia, até os dias de hoje.
Eu sinto falta dos nossos breves, mas habitais encontros. Debatíamos sobre quase tudo e discordávamos muito, mas sempre caminhamos pela mesma estrada e nos apoiávamos fortemente. João foi um grande parceiro de luta e sua ausência está sendo sentida de maneira intensa. A ficha ainda não caiu, na verdade.
Na última terça-feira, quando eu me preparei para enviar as novidades do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha para os jornalistas, eu vi que o e-mail de João estava lá, no topo da lista. Eu fiquei alguns segundos parado, observando para a grafia do nome do amigo que se foi, de maneira abrupta. Eu me recusei, uma vez mais, a tirar o nome dele dali.