
Críticos da Abraccine: Celso Sabadin, Maria do Rosário Caetano, Neusa Barbosa, João Carlos Sampaio e Paulo Henrique da Silva
Algumas linhas sobre o maior do mundo
(texto publicado originalmente na revista “Lateral”)
Fui incentivado pelo editor deste espaço, Maurilio Martins, a alinhavar umas ideias sobre o Esporte Clube Vitória, da Bahia, agremiação que, de mim, tem todo o crédito, devoção, apreço e uma lista infindável de adjetivos.
Fosse outro, abdicaria da missão, tamanho é o desafio dentre todos os temas possíveis a se discorrer neste vasto campo pebolístico, mas o problema é que sou este mesmo, que se avexa, mas não se conforma, nem se arreda. Pior ainda, Maurilio é meu amigo; e amigo é como time de futebol, não se escolhe, é coisa que se abraça e atende.
Então, depois de me raciocinar todo (royalties para Antonio Biá), optei pelo caminho mais simples: explicar aos distintos interlocutores o óbvio ululante (alô, Nelsão!), o porquê de o Esporte Clube Vitória ser o maior do mundo.
Corria a passos mornos o ano de 1980 e eu, a esta altura com dez verões bem vividos, me dividia entre os ofícios de ler gibis de heróis, catar fruta da estação e tentar passar pelos babas (como chamamos pelada, na Bahia) sem levar gols. Como é mundialmente sabido, ficar entre os três paus de trave é o destino dos desprovidos de ligação afetiva com a esfera arredondada, vulgarmente chamada de bola.
Mas voltando ao que interessa: àquela altura, espantava-me a predileção que tios, primos e até minha avó nutriam – com perdão da má palavra – pelo Esporte Clube Bahia, doravante denominado de “Aquele Outro”.
Aquele Outro vencia tudo nos remotos anos 1070, do torce para a escolha dos lados do campo até as decisivas pelejas valendo dois pontos (sim, minha preta, dois pontos; três pontos só depois, consulte os búzios!).
De maneira irritante, teimava em contradizer o nome do seu rival, que vivia à base de vitórias macrobióticas e títulos homeopáticos, somente para não ser diagnosticado como morto.
Pois foi aí que me identifiquei. Sempre tive uma simpatia, quase amor, pelos malditos, desafortunados e incompreendidos, estes irmãos de “copo e de cruz” (cruz nem tanto, copo, sempre, viu Chico?). Comecei a dizer, não impunemente, que torcia pelo Vitória, sem medir as consequências da assertiva.
Mais tarde, o que era pirraça de menino, virou uma iluminação divina. (Quase) direto ao assunto: não é que justamente na alvorada do segundo semestre daquele ano da graça de 1980 aconteceu um milagre? Sua Santidade, o papa João Paulo II, desembarcou na Bahia e, pasmem, não comeu acarajé!
Nem a antiga enciclopédia “Delta Larousse”, tão cheia de sabedoria, registrou isto; mas é fato: nenhum turista tinha conseguido esnobar o bolinho queimado ao ponto certo, no azeite, para sempre chamado pelo sambista Riachão de “coisinha gostosa de dendê”.
Tal sacrilégio cometido pelo “santo homem” mudou tudo no horizonte rubro-negro baiano, ainda que a lógica e a ciência não o reconheçam.
O Esporte Clube Vitória, que havia sete anos seguidos não conquistava nem torneio de cusparada à distância, agigantou-se e interrompeu uma implacável sequência de títulos de Aquele Outro.
Bem mais que isso, pacientes amigos, o Vitória de Bagatini, Paulo Maurício, Amadeu (Xaxa), Zé Preta (Otávio Souto) e Válder (Marquinhos); Édson Silva, Carlinhos Procópio e Alberto Leguelé; Wílton, Tadeu Macrini e Paulinho deu à luz ao ano um da paixão maior de meus dias, minha alegria, meu tormento, meu zen, meu bem, meu mal (oi, Gal!).

João guarda um pouco da grama do Barradão. Foto: Samantha Pamponet
Acometido por uma dor de garganta e uma febre oscilando nos 40 graus Celsius (sensação térmica de 50 graus!), ouvi pelo radinho de pilha, lá na minha cidade natal, a megalópole de Aratuípe (quase dez mil citadinos, de acordo com o último censo demográfico, que se esqueceu de passar lá em casa), o hino do rubro-negro.
Tal cântico sagrado não soou em vão! O Vitória sagrava-se campeão, vencendo, pela contagem mínima (quase sempre necessária), naquele 23 de novembro de 1980, a equipe do Galícia Esporte Clube, até então denominada, não sem razão, de “Demolidor de Campeões”.
Até hoje não consigo avaliar se o delírio febril contribuiu para a intensidade da alegria, só sei que naqueles dez primeiros anos de vida não costumava ter nada para me vangloriar (não mudou muito, mas não vem ao caso). O fato é que, a partir da data, deixei de ser inocente e puro… Fiquei apenas besta (valeu, Raul!).
Tão besta e senhor de mim que, anos depois, encontrei o argumento imbatível para os que insistem em não reconhecê-lo como o maior do mundo…
Vou ser sucinto e cirúrgico nesta conclusão, fiquem atentos.
Naquele mesmo ano, o glorioso rubro-negro baiano também conquistou o campeonato local de remo, modalidade esportiva praticada desde a origem do Vitória, em 1899.
Tornou-se assim, com pés e mãos; no chão, na água e, quiçá, no céu, por intervenção do papa; o detentor de um título inquestionável, inviolável, insuperável e inoxidável (etc. etc.), lá vai: CAMPEÃO DE TERRA E MAR NO ANO DA PRIMEIRA VISITA DE UM PAPA À BAHIA.
O leitor sabido e atento já disparou o seu Google interior e certamente não encontrou tamanho feito reproduzido por nenhuma outra agremiação. Nem Barcelona, nem Manchester United, nem Mazembe, nem Galatassaray (é assim que escreve?), ninguém repetiu, nem poderá repetir façanha igual.
Pobre dos palmeiras, santos, flamengos, cruzeiros, atléticos, grêmios e outros afamados do Brasil, que terão de se contentar com troféus de Libertadores, Mundial Interclubes e bobagens idênticas.
É do maior do mundo, o Esporte Clube Vitória, da Bahia, o título de único (vou repetir, aprendam!) Campeão de Terra e Mar no Ano da Primeira Visita de um Papa à Bahia.
Com ou sem acarajé, a verdade é assim, crua, ainda que cozida.
E foi assim, desde os dez anos de idade que encontrei o caminho, a verdade e a vida (boa, JC!), a saber: enquanto os times de alguns dos distintos leitores sobrevivem de derrotas, empates e, somente às vezes, vitórias; o meu, mesmo na derrota, continua Vitória!
Sobe música triunfal, por favor. Pausa dramática. Close no meu riso de superioridade maior do mundo. Silêncio. E, finalmente, para vocês, aquele abraço! (Valeu, Gil!). “Fade out” não, corte seco!
(…)
Imagens depois dos créditos: Três dias depois de parido este texto, o glorioso Vitória conhece mais uma derrota, desta vez para o todo-poderoso Bahia de Feira de Santana e perde um pentacampeonato que já estava debitado no crédito.

A prova: João Carlos Sampaio, goleiro do time de comunicação da UFBA. Arquivo: Washington Startari
Estorna aí, garçom, que o maior do mundo continua o mesmo traquinas de sempre, esse moleque! Avante, Vitória!
João Carlos Sampaio, além de torcer pelo maior do mundo, tentou ser goleiro, continua lendo gibis e pensa e escreve sobre cinema nas horas vagas