Por Daniel Schenker*
ERA UMA VEZ BRASÍLIA, de Adirley Queirós
Depois de Branco Sai, Preto Fica , Adirley Queirós retoma a ficção científica para abordar o aqui/agora, mas sem perder de vista a perspectiva histórica. O investimento no cinema de gênero em prol de uma análise do real também foi empregado no longa O Nó do Diabo e no curta Chico , filmes presentes na competição do Festival de Brasília. Na fábula apresentada por Adirley (caráter sugerido pelo Era uma Vez do título), o agente intergaláctico WA4 (Wellington Abreu) recebe a missão de vir à Terra para matar o presidente Juscelino Kubitcheck, mas acaba desembarcando num momento histórico diverso. Por meio desse mote, o cineasta destaca instantes emblemáticos da história de Brasília: a sua fundação e o impeachment de Dilma Rousseff (com menção à folclórica votação dos deputados) e a entrada de Michel Temer.
Mais do que o roteiro, algo descosturado, de autoria do próprio Adirley, Era uma vez Brasília chama atenção pela ambientação em espaços da periferia (ou do que se costuma classificar como periferia) – no caso, a cidade-satélite de Ceilândia. Uma atmosfera formada por ruas quase desertas, às vezes não asfaltadas, latidos de cachorros, movimento constante de metrô, grades de ferro, carros abandonados e desmontados – elementos da geografia afetiva de Adirley. Esse universo é reforçado por uma espécie de nave espacial de sucata, proposta da direção de arte (de Denise Vieira) e síntese de um cinema que, diante da escassez de recursos, investe na criatividade. Cabe destacar ainda a interpretação de Andreia Vieira, ótima na cena em que relata a trajetória de sua personagem, em especial no que se refere ao motivo pelo qual foi parar na prisão. Apesar da distância entre a proposta e o resultado, Adirley Queirós se mantém fiel ao seu cinema e não deixa de correr riscos, a exemplo do ritmo exasperante que impõe ao longo da projeção.
Curtas-metragens:
CHICO, de Irmãos Carvalho
Como Era uma Vez Brasília , Eduardo e Marcos Carvalho se valem de uma abordagem futurista (contam uma história ambientada em 2029) para falar sobre os dias de hoje. A ação se passa numa favela e é centrada na jornada de Chico (Fabricio Assis). Como as demais crianças negras e pobres, ele é rastreado por meio de uma tornozeleira. Vive com a mãe agressiva (Jeckie Brown, de Jogo de Cena , de Eduardo Coutinho) e a avó amorosa (Lucia Talabi) num prédio em ruínas. Os diretores constroem uma instigante dramaturgia dos espaços num filme que chama atenção pela montagem (de João Rabello) – cabe destacar o corte abrupto de Chico subindo a favela para a agitação física da mãe –, pelo trabalho de som (a cargo de Gustavo Andrade e Mariana Graciotti) e pelo final impactante. Também há fragilidades, no roteiro (de Tiago Coelho), que opõe mãe e avó de maneira algo esquemática, e na atuação exagerada de Brown. Mas o resultado bate na tela de forma contundente.
CARNEIRO DE OURO, de Dácia Ibiapina
Dedé Rodrigues é apaixonado por cinema desde criança. Munido de disposição invejável, tornou-se cineasta e, no interior do Piauí, passou a realizar filmes repletos de efeitos especiais artesanais. Não por acaso, ficou conhecido como o “Spielberg do sertão”. O público já se deparou, em outros filmes, com os feitos de um diretor como Dedé. De qualquer modo é um prazer conhecê-lo. Dácia Ibiapina apresenta ao público esse ótimo personagem, ilustrando as falas de seu personagem, colhidas em entrevistas, com trechos de suas produções.
* Daniel Schenker é crítico cinematográfico. Texto originalmente publicado no site Críticos, confira no link a cobertura completa do crítico.