
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
Sertânia, Geraldo Sarno
“Mais de um século se passou desde que a literatura começou a narrar seus dramas e o sertão ainda não virou mar, mas cada vez mais “a beira-mar” se parece com o sertão de outrora, nos seus embates, ao mesmo tempo polarizados e ambíguos, e nas suas mazelas”
Nayara Reynaud
“A narrativa é conduzida com a ambição de um diretor que não temeu alternar camadas realistas, contemplando as incursões dos cangaceiros nas cidades, onde se manifesta a ambiguidade das relações do capitão com as elites locais; fantásticas, como a procura de Gavião pelo pai no reino dos mortos (com direito a uma conversa com o pioneiro industrial Delmiro Gouveia, interpretado por Lourinelson Vladmir); e até metafóricas, desnudando o mecanismo da representação ficcional ao mostrar as câmeras e técnicos da produção – o que não deixa de ser uma forma de aproximar os tempos, o da história narrada e o nosso”
Neusa Barbosa
“Antão, o narrador de Sertânia, interpreta o mundo como alguém que não é protagonista, embora seja o personagem central. Vê o mundo meio de lado. A repressão na figura dos soldados, às vezes enfileirados ao modo Encouraçado Potemkin, igualmente parece que não representam a preocupação principal de Antão.”
Ivonete Pinto
“Sarno parece ter conquistado em Sertânia algo que poucos alcançam no contemporâneo cinema brasileiro quando se tem em mente uma pauta cinematográfica tão cara e tão bem explorada esteticamente na década de 1960 – já apropriada inclusive por Sarno, com seu Viramundo (1965)”
Luiz Joaquim
“Nos delírios de Antão, as muitas viagens dentro do filme possibilitam outras tantas fora dele. E é aí que está a potência de Sertânia, no proporcionar caminhos, outras viagens e delírios. Mesmo que esteja confortável de partir de um lugar que ele domina e diz querer continuar explorando, o sertão, aos 81 anos, Sarno assume o risco e acerta em cheio.”
Cecilia Barroso

LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO ESTRANGEIRO
Retrato de uma Jovem em Chamas, Céline Sciamma
“A delicadeza com que o roteiro é desenvolvido entre o explícito e as metáforas faz da obra uma experiência extremamente impactante. É feminina, mas não apenas por retratar mulheres e suas descobertas, inclusive o amor lésbico. Mas por tratar de sentimentos reprimidos, aqui expostos em uma sociedade do século XVIII, mas que ainda hoje nos sufocam”
Amanda Aouad
“A questão artística da pintura, que era o meio de produzir retratos, põe em relevo o que se pode captar da figura humana, como reproduzi-la fielmente e o que seria isso. Ver não é compreender, não é possível enxergar sem interagir, sem captar o que vai pelo psiquismo, por melhor que seja a técnica empregada”
Antonio Carlos Egypto
“O momento acontece na primeira das caminhadas rumo à praia das duas, onde o próprio cenário das falésias exprime a beleza e o perigo da relação delas naquela época, bem como as chamas e outros elementos intrigantes da trama. Mas tal qual as personagens, tão bem conduzidas por suas intérpretes, a plateia também é levada à beira deste abismo.”
Nayara Reynaud
“O maior acerto do filme provavelmente é captar, neste momento particular da História, dilemas da condição feminina que se projetam para nossa compreensão contemporânea, gerando identificação e empatia. Conta, para isso, com o afinamento de seu ótimo quarteto de atrizes”
Neusa Barbosa
“Em sua filmografia, a cineasta francesa Céline Sciamma é afeita às questões de gênero, de performatividade, de corpo e de sexualidade. Nesse, que é seu primeiro drama histórico, não foge desses temas, explorando-os, mais uma vez, em um recorte de grande intimidade”
Isabel Wittmann
“Retrato de uma Jovem em Chamas não aborda somente um amor interditado pelas tradições vigentes na França do século 18, até porque Marianne e Héloïse demoram a romper a proibição para, finalmente, se entregarem aos braços uma da outra. É um filme que fala do olhar, do modo como ressignificamos objetos, entes e amores a partir da nossa perspectiva contaminada por toda sorte de vicissitudes”
Marcelo Müller
“Sciamma se prende muito ao olhar de Marianne, a ela interessa não só aquilo que a pintora descobre e experimenta, mas como transmite isso, seja através da criação, em carvão ou tinta a óleo, ou na mudança de sua própria imagem. É um jogo interessante e inusitado. Quando se afasta, mesmo que ainda se aproveite desse lugar de descoberta do olhar, a diretora explora o ambiente e a força do feminino.”
Cecilia Barroso
Podcast com Isabel Wittmann, Stephania Amaral, Camila Vieira e Kel Gomes: Feito por Elas
MELHOR CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
Inabitável (PE), Matheus Farias e Enock Carvalho
“Inabitável fala da sensação de não pertencimento. Tanto de uma alma que habita um corpo com o qual não se identifica, quanto de pessoas que parecem não se encaixar em um mundo ainda tão transfóbico”
Amanda Aouad
“O fato de a jovem ser trans não é por acaso. E Farias e Carvalho usam o conhecimento público do alto número de casos de violência contra pessoas trans no Brasil como pano de fundo (in)consciente para a narrativa”
Nayara Reynaud
“A câmera acompanha e se demora em cada um desses personagens para que suas angústias tomem forma, toda a atmosfera é construída com a ajuda do além da tela, o pavor é reconhecido sem que a violência física seja explícita. É um trabalho complexo, mas preciso”
Cecilia Barroso
“Na busca, a mãe Marilene encontra no quarto de Roberta um objeto estranho, autônomo em sua luz e calor, que funciona como a chave que abrirá a porta para o fantástico no filme – aspecto sempre presente nas obras de Enock e Matheus.”
Luiz Joaquim
“Trata-se de um filme com uma mensagem direta sobre esse país que se tornou inabitável para muitas pessoas”
João Paulo Barreto
A Morte Branca do Feiticeiro Negro (SC), Rodrigo Ribeiro
“A morte branca do feiticeiro negro que foi o fim de tantos,
no vidro, no veneno e na representativa terra engolida
Um último plano que se abre para mostrar quantos, muitos, incontáveis
Imagem de toda uma história construída em cima da desumanidade”
Cecilia Barroso
República (RJ), Grace Passô
“Delírio e sanidade montam a parábola que Grace desenhou, como o despertar para um sonho no qual estamos todos inseridos enquanto nação. Durante o tempo em que a realidade desaparece das ruas desertas, deixando livres os espíritos catalisadores do nosso imaginário, internamente, Grace acorda para descobrir que nada do que temos é concreto.”
Francisco Carbone
Podcast Abraccine
Na 15ª edição do podcast da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), nós discutimos os filmes vencedores do Prêmio Abraccine 2020. Além do melhor longa brasileiro, do melhor longa estrangeiro e do melhor curta brasileiro, comentamos os filmes mais votados em cada categoria, o que também serve como um balanço do cinema em 2020 – um ano em que o cinema se destacou por filmes que tratam de temas relevantes e urgentes. Nossos convidados para este podcast são Kel Gomes (Cinematório, MG) e Francisco Carbone (Cenas de Cinema, RJ). Apresentação: Amanda Aouad (Cine Pipoca Cult, BA) e Renato Silveira (Cinematório, MG).
Ouça: Podcast Abraccine 15#