16º Fest Aruanda: O céu dos orixás e o mar de lutas

*Roberto Cotta

Volto a participar de um festival presencial depois de dois anos, já que o último havia sido a 1ª Mostra de Cinema Latino-americano de Rio Grande no longínquo 2019. O Fest Aruanda também não tinha exibições numa sala de cinema desde a mesma época. Devido à pandemia, a edição 2020 foi totalmente online, prática que tomou conta da maioria dos festivais. Em 2021, o tradicional evento reencontrou seu público original, com exibições diárias no Cinépolis do Manaíra Shopping, em João Pessoa/PB. Ainda assim, boa parte da programação esteve disponível na plataforma Aruanda Play, permitindo a quebra das barreiras geográficas. É provável que esse formato híbrido tenha vindo para ficar. Dessa forma, o espectador local mantém contato com a projeção física, enquanto outros públicos se formam através do streaming pelos quatro cantos do Brasil.

Entre 9 e 15 de dezembro, assisti a 36 filmes exibidos na 16º edição do festival. Foram longas e curtas-metragens espalhados por duas mostras competitivas (Nacional e Sob o Céu Nordestino), além de sessões especiais, abertura e encerramento. Mesmo respeitando a heterogeneidade das obras, são notórias as possibilidades de conexão entre os filmes, apresentando pontos norteadores para cada dia de exibição. Este é um dos vários traços positivos delineados pela equipe de curadoria formada por Amilton Pinheiro, Camila de Morais e Marcus Mello nos curtas, Amilton Pinheiro novamente e Lúcio Vilar nos longas.

Muitas vezes, inclusive, era possível firmar uma conversa entre obras exibidas em mostras e dias distintos, como é o caso dos curtas “O Pato” (2021), de Antônio Galdino, “O que os Machos Querem” (2021), de Ana Dinniz, e “Incúria” (2021), de Tiago A. Neves. O primeiro esteve presente na competição Nacional, ao passo que os demais foram apresentados na Sob o Céu Nordestino. Tratam-se de três filmes paraibanos que abordam o abuso cotidiano sofrido por mulheres e possuem protagonistas que encontram uma forma de revide.

Corte nosso de cada dia

"O Pato" (2021), de Antônio Galdino - Divulgação
“O Pato” (2021), de Antônio Galdino – Divulgação

Em “O Pato”, os vestígios de violência estão em tudo. Os planos mostram um caqueiro jogado ao chão, a casa arruinada pelo marido, a criança desolada numa cadeira de balanço e a mulher obrigada a matar um animal para o jantar. Não querendo passar esse legado adiante, Cida (Norma Góes) enfrenta um dilema: se punir ou acabar com o ciclo violento que enfrenta? Na dúvida, o laço afetivo com a filha (Ana Julia) fala mais alto e desemboca num dos mais belos planos do festival, quando ela trança os cabelos de sua rebenta e esta, por sua vez, entrelaça as madeixas de uma boneca. É claro que os rastros da maldade permanecerão, mas o olhar para o fora de campo convoca o espectador à luta. Ao menos por um instante, a paz reina em seu lar. Daí em diante, cada dia trará um novo desafio.

“O que os Machos Querem” se inspira num conto homônimo de Ruth Ducaso, trazendo trechos da autora para a própria cena. Enquanto a narração descreve a “faca afiada de ponta fina…e o cheiro fresco da carne vermelha”, a personagem de Ana Marinho corta as vísceras de um animal em cima da pia. Porém, engana-se quem pensa que a literalidade prejudica a construção do filme. Som e imagem, na verdade, estão propondo uma terceira camada entranhada na experiência da protagonista. Dando foco à preparação do alimento, o curta evoca as marcas presentes na vida dessa mulher. Aos poucos percebemos que o animal é um velho conhecido, proporcionando uma atmosfera creepy e ares de deboche. Não é possível acostumar-se com a morte, entretanto é permitido canibalizar as chagas deixadas por ela.

Já “Incúria” mostra a rotina de uma família em meio ao sumiço repentino do patriarca. Logo no início, a adolescente Carla (Tarciana Gomes) questiona a escoriação no rosto da mãe (Verônica Cavalcanti), a qual não vemos de imediato. A face da matriarca será mostrada somente depois, com um semblante atravessado pelas sombras do passado. A filha procura o pai, sem êxito, e começa a descarregar a raiva no próprio lar. Conhecemos também seu irmão Caio (Olavo Farias), desinteressado em encontrar a figura paterna. A tensão cresce no seio familiar e culmina na suposição de que a mãe teria assassinado o marido. Carla, então, cava a terra do quintal para se deparar com as memórias violentas que alimentam sua família.

Essa leva de filmes em torno de abusos contra a mulher não se constitui de maneira fortuita. Sob a égide de um governo autoritário, o feminicídio tem crescido vertiginosamente, fator agravado durante a pandemia. Mas o que chama mesmo a atenção é como esses três filmes apresentam uma possibilidade de vingança, entregue como um prato que se come cozido ou um problema que se enterra com as próprias mãos. Todos eles são permeados por uma intensidade estética, com enquadramentos e movimentos de câmera arrojados e um mergulho pontiagudo no universo narrativo do qual se apropriam. Para encarar a rotina de mulheres tão fustigadas, foi necessário que a linguagem também apresentasse sua zanga.

Outros filmes também orbitam temáticas próximas, ligadas às relações de gênero. Dentre eles, é importante destacar “Sideral” (2021), de Carlos Segundo. O curta-metragem se constrói a partir de um futuro distópico que mais nos lembra o Brasil atual. À medida que o país se prepara para lançar seu primeiro foguete em direção ao espaço, Marcela (Priscilla Vilela) tem uma vida entediante tomada pelo trabalho como faxineira. Seus sonhos a levam ao céu, mas os homens da Terra é que decidirão seu destino. Ela verá as estrelas de perto, mas terá que faxinar a nave espacial como forma de sobrevivência, lamentável sina. Atravessado por um ritmo mais ponderado e imagens em preto e branco, o filme propõe um cruzamento de “brasis”. Da época em que a Base Aérea de Natal/RN foi criada, nos anos 1940, até o futuro vislumbrado, parece que nos encontramos inertes diante dos mesmos costumes conservadores que sempre regem a nação.    

A luta individual é coletiva       

"Transversais" (2021), de Émerson Maranhão - Divulgação
“Transversais” (2021), de Émerson Maranhão – Divulgação

Diversos filmes traçam perspectivas políticas coletivas, olhando para os anseios individuais de seus personagens. Nesse sentido, dois documentários saltam aos olhos pelo modo contundente como abordam seus temas: “Transversais” (2021), de Émerson Maranhão, e “Miami-Cuba” (2021), de Caroline Oliveira. Ambos foram exibidos na competitiva de longas Sob o Céu Nordestino. O primeiro apresenta as experiências de pessoas trans que vivem em distintas cidades cearenses, dando atenção às relações familiares e aos preconceitos enfrentados por elas. Já o segundo mostra uma cartografia afetiva da capital paraibana, trazendo as dicotomias entre o Centro Histórico (conhecido como Cuba) e a parte gentrificada da cidade (apelidada de Miami).

“Transversais” se estrutura a partir de relatos variados, colocando em evidência cinco atores e atrizes sociais. Há também momentos de observação que revelam o dia a dia dos personagens no lar, nas ruas e no trabalho. Apesar do formato convencional e do ritmo muitas vezes reiterativo, algumas situações geram efeito comovente. É o caso do filho paramédico (Caio José) que lança questões ao pai enquanto este trabalha em sua emissora de rádio. No primeiro instante, temos a impressão de que se trata de um relacionamento fraturado, tamanha é a reticência como o pai o responde. Depois, nosso tapete é puxado quando deparamos com a centelha de afetos que os dois têm entre si.

O empoderamento atravessa a fala da professora de matemática Érikah, que também dirige uma escola. A empatia perpassa a visão do pesquisador Kaio Lemos sobre a própria mãe, que rejeita sua transexualidade. A funcionária pública Samilla encara a resistência dos pais em chamá-la pelo nome social. E Mara, mãe da adolescente Lara e militante do movimento Mães pela Diversidade, fala sobre a aceitação da filha trans, considerando os novos ares que a representatividade LGBTQIA+ tem encontrado, algo praticamente inviável anos atrás. De toda forma, a batalha continua sendo diária e cada personagem busca sobrevivência da maneira que pode. 

Em “Miami-Cuba”, Caroline Oliveira parte de sua relação com a cidade de João Pessoa para esquadrinhar problemas sociais seculares e experiências coletivas atuais. A verticalização urbana, iminente desde os anos 1950, proporcionou a construção do bairro Altiplano, formado por um conjunto de prédios imensos com vista ao mar e pouca conexão dos moradores com o chão. Em contrapartida, o filme proporciona uma defesa incessante do Centro Histórico, onde os trabalhadores e habitantes têm que lidar com o descaso do governo local.

O documentário é constituído de deslocamentos. Acompanhada de amigos, em geral pessoas relacionadas à militância e ao campo artístico, a cineasta percorre os dois lados do município para mostrar suas contradições. Como enfrentamento às normas, muitas vezes lança mão de um tom irônico. É notável também o caráter performático de algumas interações. Em determinado momento, a produtora cultural Ednamay Cirilo atrapalha o registro fotográfico de um turista fazendo o gesto da arminha popularizado por Bolsonaro, em frente ao letreiro Eu amo Jampa (apelido de João Pessoa). A situação ocorre de maneira tão natural que o turista fica sem reação. Em meio a tantas derivas, o filme muitas vezes se perde em sua caminhada, já que abre tantos temas e conversa com vários personagens. Ainda assim, demonstra uma pulsão cinematográfica vigorosa, sendo uma declaração de apoio à memória de uma cidade que se apaga.

Outro filme a trazer implicações políticas é a ficção “Madalena” (2021), de Madiano Marcheti, que estava na mostra competitiva Nacional. Assim como os curtas de Nathália Tereza, trata-se de um dos raros exemplos de imersão no cotidiano das regiões do agronegócio, que possuem cada vez mais espaço na economia e na política do país. A narrativa se passa no interior do Mato Grosso do Sul, local onde a personagem-título, uma mulher trans, desaparece. A partir de então, seguimos três perspectivas sobre esse sumiço desenhadas por pessoas que não se conhecem: Luziane (Natália Mazarim), Bianca (Pamella Yule) e Cristiano (Rafael de Bona). Cada um tem um tipo de vínculo com Madalena, que paira como um fantasma sobre suas vidas.

O longa é atravessado por uma composição contemplativa, da qual ressoa o tempo dilatado das ações. Destacam-se os planos que mostram a grandiosidade das plantações de soja, onde temos contato com o corpo de Madalena logo no início, e as trocas afetivas entre os personagens, sempre marcadas por falas lacônicas e a rudeza típica que atravessa suas formações nesse ambienteurbano carregado de fortes influências rurais. O que talvez atrapalhe a fruição seja a dificuldade de se conectar com os próprios personagens. Como o filme apresenta Madalena como um espectro, sua presença cósmica ganha tanto protagonismo que às vezes impede a decifração dos desejos de quem está em cena e suas relações com a desaparecida. De todo modo, é um registro particular de um espaço socioeconômico em plena transformação, cujo qual ainda há muito a se descobrir.    

O céu interior e o limbo dos decadentes

"A Praia do Fim do Mundo" (2021), de Petrus Cariry - Divulgação
“A Praia do Fim do Mundo” (2021), de Petrus Cariry – Divulgação

Nas religiões de matriz africana, diz-se que Aruanda é o céu dos orixás, lugar onde as mágoas se dissipam e a plenitude é atingida. Vários foram os filmes a tratar de crenças espirituais baseadas na religiosidade afro, sobretudo duas obras de curta duração exibidas na competitiva Nacional. Em “Yabá” (2021), de Rodrigo Sena, cultos ancestrais são realizados numa aldeia de pescadores cujos antepassados vieram da África. Os moradores locais hoje enfrentam a falta de peixe decorrente de crimes ambientais, mas a fé é uma forma de respeito ao passado e clamor por um futuro melhor. Já “Inventário do Corpo” (2021), de Alini Guimarães e Jonathan Bào, traz a ginga de uma mulher negra e relatos da miscigenação que permeia sua família, num misto de oração, resgate histórico e busca de identidade em meio às condições diaspóricas que a trespassam.

O longa “Capitu e o Capítulo” (2021), de Júlio Bressane, também evoca uma série de espíritos. O primeiro deles é a obra canônica de Machado de Assis, “Dom Casmurro” (1899), base de sua construção narrativa. O segundo se materializa na pintura, de onde vem as imagens de Leopoldo Gotuzzo Porto, Paulo Gagarin e Carlos Oswald, entre outros, que aparecem no filme. Por fim, há uma evocação do próprio umbigo, ou seja, do cinema de Bressane, através do qual trechos de seus filmes são incorporados ao imaginário que se constitui.

“Capitu e Capítulo”, no entanto, não deve ser considerada uma mera adaptação. O grande vencedor da Mostra Nacional se apropria da essência machadiana para contorcê-la. Antes de tudo, entende que a substância do livro encontra-se na força autônoma de seus capítulos, dotados de incisividade e concisão. Bressane, então, resolve forjar um filme fragmentado, repleto de blocos singulares que desvelam o mundo interior de seus personagens. A história de Bentinho, Capitu e sua suposta traição dá lugar à insegurança da vida adulta e o rancor que se consolida na velhice. Dois tempos se misturam para mostrar a deturpação da realidade. No presente, temos o velho Casmurro (Enrique Díaz) que vive na penumbra e olha o passado de forma melancólica. No passado, o jovem Bentinho (Vladimir Brichta) começa a enlouquecer diante das incertezas sobre o comportamento de Capitu (Mariana Ximenes), que aos nossos olhos são bastante claros. Ela arde de tesão, enquanto ele prefere mergulhar em sua própria egolatria.

O refinamento estético de Bressane é avis rara no cinema brasileiro. A cada ano o cineasta parece melhorar, entregando uma obra mais consistente que a outra. Ao mesmo tempo, seus filmes estão cada vez mais depurados, utilizando poucas locações e aproveitando ao máximo as gradações da profundidade de campo e a cadência de ritmo de montagem. Mas se existe um cineasta capaz de chamar Bressane para um convescote no Fest Aruanda, esse é Petrus Cariry. Dessa vez, o jovem diretor trouxe ao festival dois filmes, um curta e um longa, respectivamente “Foi um Tempo de Poesia” (2021) e “A Praia do Fim do Mundo” (2021). A eles se aliam a maturidade artística já apresentada nas obras anteriores, sobretudo em “Clarisse ou Alguma Coisa sobre Nós Dois” (2015), “A Jangada de Welles” (2019) e “O Barco” (2020). Claro que Cariry ainda tem muito chão a percorrer para alcançar uma carreira tão consolidada como a de Bressane. Entretanto, a crescente qualidade de seus trabalhos promete o surgimento de muita coisa boa nos próximos anos. É curioso como ele também convoca referências de natureza diversa, de forma confessa ou inconfessa, mas faz tudo parecer tão pessoal que a relação com a história do cinema fica em segundo plano. Em seus filmes, encontram-se a câmera apontada para os rostos que remete a Yasujiro Ozu, a temporalidade distendida e esculpida à la Andrei Tarkovski e a crise íntima que corrói os personagens como fazia Ingmar Bergman. Tudo que poderia ser tomado como clichê acaba não sendo, o que torna sua obra ainda mais louvável.            

“Foi um Tempo de Poesia” é composto por imagens de arquivo em super-8 registradas pelo pai, o cineasta Rosemberg Cariry, na tentativa de fazer um documentário sobre o poeta e compositor Patativa do Assaré nos anos 1980. Na banda sonora, Petrus narra eventos particulares que atravessam sua infância, na companhia do lendário artista, seu padrinho. Diante da nostalgia dos registros surgem reflexões sobre a consciência de classe e a reforma agrária defendida por Patativa, permitindo que os aspectos individuais se conectem à visão política que tinha sobre o Brasil. O curta é uma ode à permanência da imagem e da voz de Assaré na vida de tantas pessoas, em especial a do próprio diretor.

“A Praia do Fim do Mundo” se passa em Ciarema, no interior do Ceará, onde o mar avança em direção às casas, causando a remoção de seus moradores. A partir disso, temos um conflito de gerações. Alice (Fátima Macedo) é uma jovem ambientalista que mora com a mãe Helena (Marcélia Cartaxo), uma senhora arraigada no espaço onde vive. Em meio às tradições que desmoronam, o mar nos engole de modo descomunal. Um dos planos mais extraordinários do filme, inclusive, revela as ondas do mar se multiplicando à enésima potência, vindo em direção ao espectador. Enquanto isso, as personagens habitam um lugar inscrito entre a permanência e o desejo de fuga. O sumiço repentino da amiga Elisa (Larissa Góes) e a chegada de um filho fazem Alice questionar ainda mais o seu destino. A preciosa articulação entre planos e ações, aliada à condução magnânima de seu elenco, fazem do longa um dos melhores filmes brasileiros do ano, tendo vencido 10 entre os 13 prêmios possíveis da mostra Sob o Céu Nordestino.

Falando em praia, diversas são as obras que trazem imagens das águas para dentro de suas narrativas. Dado o fato de estarmos em um festival cuja maioria dos filmes foi realizada em cidades litorâneas do Nordeste, talvez isso não seja novidade. De qualquer maneira, é notória a presença de um longa feito no interior de São Paulo que é quase uma oferenda a Iemanjá. Em “A Felicidade das Coisas” (2021), de Thaís Fujinaga, o elemento água se insere do começo ao fim. Paula (Patricia Saravy) é uma mulher de 40 anos com dois filhos pré-adolescentes e à espera do terceiro. Seu marido é uma figura ausente, a qual nem vemos a face. Ela e o resto da família, que também conta com a mãe Antonia (Magali Biff), passam férias numa casa de veraneio em Carapicuíba, litoral paulista. Lá, a praia não é das mais encantadoras e o rio ao redor da propriedade agrega problemas. Resta comprar uma piscina gigantesca para desfrutar os dias de ócio. Contudo, a escassez financeira dificulta sua instalação. O filme possui apreço realista, baseando-se no minimalismo dos gestos e na morosidade das ações. Toda fúria e energia possíveis se encontram dentro de Paula, mas ela nunca explode. A protagonista afronta os ritos de passagem que afetam sua família somente com a força do olhar.    

Se os filmes citados nesta seção são marcados pela contenção, “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente” (2021), de Cesar Cabral,é a maior das exceções. Uma das poucas animações selecionadas, é uma obra anárquica por natureza. E não poderia ser diferente, afinal se baseia no universo criativo do cartunista Angeli. O protagonista Bob Cuspe é um sujeito punk asqueroso (Milhem Cortaz) que habita um mundo destituído de sentido, espécie de limbo ou, na verdade, o cérebro de seu próprio criador. Misturando ficção e documentário registrados em stop motion, o longa ironiza a decadência do icônico personagem, à medida que a passagem do tempo faz de Bob Cuspe uma figura cada vez mais singular. Calcado em situações absurdas, somos envoltos em uma miscelânea de comentários irônicos que zombam do cartunista e até mesmo do filme em questão. Num mar sereno de filmes, essa foi certamente a mais brava tempestade. 

Também haveria muito a dizer sobre as nuances das heranças coloniais presentes em “Salamandra” (2021), de Alex Carvalho; o diálogo além-mar proporcionado por “Fendas” (2021), de Carlos Segundo; e o amor que não mede fronteiras de “Deserto Particular” (2021), primeiro filme de Aly Muritiba que realmente me desperta boas sensações. Entretanto, prefiro encerrar este balanço por aqui. Novas ondas surgirão e devem trazer possibilidade de desbravar esses filmes em outro momento.

*Roberto Cotta fez parte do Júri Abraccine.

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