26º Cine PE: A pluralidade da Competitiva Pernambucana

*Enoe Lopes Pontes

A Competitiva Curtas-metragens pernambucanos da 26ª edição do CinePE mostrou toda a versatilidade dos realizadores do Estado, seja em termos de gênero, formato ou tema. Com seis filmes de Pernambuco dentro desta Mostra, a curadoria trouxe uma animação, dois documentários e três ficções. Dentro deste universo, havia também nas obras um quê de experimentação e riscos estéticos sendo tomados. Independentemente da concretização de suas ambições, o que mais chama atenção nesta lista é uma personalidade forte, pois cada um deles traz marcas de linguagem, que fazem com que os curtas continuem reverberando em quem assiste, mesmo após um bom tempo depois da sessão.

A começar por “Mormaço”, de Carol Lima. O doc de dez minutos é aparentemente simples: imagens da praia, com relatos de mulheres sáficas em voz off. Entre focos e desfoques, planos que correm na tela de maneira fugaz, as vivências destas personagens crescem no ecrã, através desta instabilidade da câmera. É como se as emoções transbordassem, junto com o oceano, que deságua certo, mas que o espectador nem sempre enxerga com nitidez. E são nessas metáforas que o documentário se faz e entrega um resultado criativo e de força, por conseguir estabelecer uma conexão do público com aquelas histórias, fomentando as sensações através da dispersão das imagens e da constância das vozes.

“Mormaço” – Divulgação

Neste caminho de explorar emoções, buscando uma estética que pode ser descrita, talvez, como sensorial, tem-se o documentário “Da Boca da Noite à  Beira do Dia”, de Tiago Delácio. E o que seria esta estilística do sensorial? Seria justamente esta criação de atmosfera que traduz as emoções da personagem, usando uma linguagem que remete ao sonho, transmitindo sensações físicas em quem assiste. Mas, aqui, também há muito do jogo e da brincadeira. É através do tom lúdico e teatral que Delácio apresenta seu protagonista para a plateia. É instigante acompanhar a dinâmica de Sebastião Pereira de Lima e seus amigos, ainda que o ritmo acabe ficando desbalanceado em alguns momentos. Contudo, majoritariamente, o curta é divertido e amarrado pela própria lógica temporal presente em seu título.

Seguindo por este elemento da fantasia, a animação “Raiz de um”, de Pedro Henrique Lima, é uma produção que também  se destaca por conter aspectos que beiram ao mundo dos sonhos, porém com o surrealismo como guia. Na verdade, o filme deixa uma sensação mais intensa de pesadelo do que sonho – daqueles que causam um desconforto quando a pessoa desperta. De certo, Lima poderia ter estabelecido um pouco mais de coesão em seu roteiro, para que fosse estabelecida uma empatia por seu protagonista, mas, na verdade, a produção é quase como um rascunho, um brainstorming prestes a se tornar algo finalizado. Todavia, essa junção de ideias e imagens estranhas – como quando um jovem vai afundando em uma poça de sangue – são válidas por provocar o espectador a juntar as peças ele mesmo. Tem algo de diferente neste curta, que chega a ser esquisito até, e este é o seu maior acerto.

Isto porque a tentativa de tirar o espectador de um suposto lugar confortável é válida, pois  revela uma personalidade dos seus criadores, sobretudo daqueles que parecem estar em seu início de carreira e procuram estabelecer uma estética. E é por esta razão que “Solum”, de Vitória Vasconcellos, se sobressai. Ainda que exista um tom meio pretensioso e ela se perca no próprio enredo que criou, Vasconcellos entrega uma direção que mostra um potencial. O roteiro em si é solto e até ingênuo – como em seu desfecho, que coloca a protagonista em uma camisa de força -, mas a sua decupagem aumenta a qualidade do curta, com o uso dos quadros mais abertos e fechados para expressar os conflitos daquela personagem confusa e angustiada. 

Há um sufocamento que ela consegue transmitir através da sua direção e a própria personalidade da realizadora parece vazar para a tela, o que demonstra que há uma consciência artística e uma vontade de se colocar presente em seu trabalho. A direção de arte de Mackenzie Starr e a fotografia de Gabriel Guarano também fomentam esta ambientação focada em colocar na tela esta sensação de prisão que a figura central da trama possui. Há muito de sonho e pesadelo aqui também. Talvez, esta seja a característica que conecta todos os curtas-metragens pernambucanos exibidos no CinePE de 2022: a fantasia e a instauração de um clima no qual não se sabe exatamente o que faz parte do real ou não. 

“Último Dia” – Divulgação

Em “Último Dia”, de Armando Lôbo, o luto e a ópera se encontram, é o tom poético para tratar da morte e, ao mesmo tempo, sobre questões da cultura popular, que guia esta atmosfera do fantasioso. Além do fato de ser um musical com canto lírico, um dos elementos que mais chama a atenção aqui é o paralelo entre a estaticidade do elenco e as movimentações intensas e repetidas da câmera. O curta é quase um delírio, mas um delírio consciente, no qual há a exploração de um tom sarcástico para tratar de um momento teoricamente sofrido.  A proposta de convocar a poesia para falar sobre uma temática pesada também aparece em “Contos de Amor e Crime”, de Natali Assunção. 

O curta-metragem é uma adaptação em vídeo da obra do escritor Marcelino Freire, que tem como foco discutir o racismo, mas também tratando sobre o amor e a resistência. O espaço urbano combinado com as marcas das atrizes principais fomentam esta estética poética. Da lista desta Mostra, talvez esta seja a obra que remete mais ao real, ao cru e ao cotidiano. Todavia, são as palavras e as histórias presentes no texto de Freire que entregam esta impressão de que há um tom ficcional que remete a algo de fábula, mesmo que ao redor existam tantos prédios, tanta dureza e repressões. 

São nestas aflições, confusões, medos e incertezas que se cria uma linha condutora dentro da Mostra Competitiva Curtas-Metragens Pernambucos. Há um mérito da curadoria de Nayara Reynaud e Edu Fernandes em mesclar estas produções que são tão distintas e semelhantes ao mesmo tempo. Os filmes se aproximam ao tentar convocar linguagens criativas, buscando o lúdico e/ou poético para abordar os seus temas, mas são tão singulares e complexos em suas estéticas, que cada um poderia ter textos individuais longos, a partir de suas propostas. No entanto, o que cabe observar agora neste texto é que esta foi uma Mostra na qual foi possível enxergar potenciais e certo frescor dentro do cinema de Pernambuco.

*Enoe Lopes Pontes fez parte do Júri Abraccine.

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