Casa: Dor e Refúgio

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Barbara Demerov*

Nenhuma família é perfeita, mas toda família tem uma história. A diretora Letícia Simões sabe disso e transporta em seu filme fragmentos universais que pairam sob sua mãe, sua avó e a si mesma: aqui acompanhamos a dificuldade que existe dentro de certos relacionamentos, a falha na comunicação, a frustração ao tentar amenizar os momentos mais difíceis… e o amor que permanece. “Casa” tem a presença de Simões constantemente frente à câmera, sendo essa uma direção participativa e que se conduz majoritariamente pela emoção, apesar de a técnica também ser bem executada.

Documentários que possuem uma visão tão pessoal quanto emocional de um(a) diretor(a) para com seus personagens, de certa forma, andam em uma linha tênue – afinal, sua mensagem pode não se conectar com o público, que acompanha a história não mais que no período em que se senta na sala de cinema. No entanto, “Casa” consegue conversar com qualquer pessoa que tenha tido uma avó afetuosa ou uma mãe cujo carinho é intercalado por cobranças.

Com uma mãe de personalidade e ideais tão precisos quanto os seus (a diretora decidiu que não queria ser mãe aos 15 anos e saiu de sua casa, em Salvador, aos 16), é inevitável entender sua motivação para realizar este documentário. Simões aproveita toda a bagagem dentro de suas memórias de maneira sensível, ao mesmo tempo que extremamente pungente – são inúmeras as passagens em que a câmera registra sérios desentendimentos entre a tríade de diferentes gerações, o que possibilita justamente essa abordagem tão próxima que faz o público pensar em vivências pessoais.

Apesar da relação entre mãe e filha ser o maior foco de “Casa”, o conflito geracional também permeia pela narrativa criada pela diretora. A velha história de uma mãe que deseja ter seus netos é trabalhada de um modo que é possível entender ambos os lados: o de uma geração que cresceu com a ideia de continuidade da família e da significância em dar seguimento às memórias através dos anos, e o lado de uma nova geração que já não vive sob a mesma perspectiva, priorizando o autoconhecimento e a liberdade em saber que os melhores caminhos talvez não sejam os mesmos do passado. Esta discussão é inserida tão naturalmente que se torna crucial na mensagem absoluta do filme.

Além disso, após contar a história de sua mãe (seu casamento, divórcio, estudos e os problemas que vieram logo após), Simões narra acontecimentos marcantes da vida de sua avó (como, por exemplo, quando casou no Ano Novo para que todos os fogos de artifício fossem dedicados a ela). Entre essas histórias, também conhecemos um pouco mais da própria diretora quando a vemos diante da câmera reagindo (positiva ou negativamente) ao jeito intenso da mãe e ao carinho da avó. Tais reações soam sinceras mesmo que o trio sempre saiba quando a câmera está ligada – especialmente Heliana, a mãe, que tem a consciência de que está sendo filmada e, como resultado, acaba encarnando uma versão mais intensa de si mesma, com direito a expressões e nuances comportamentais das mais diversas.

Ainda há espaço para que narrações expliquem os paradeiros dos homens da família, mas eles nunca aparecem de fato. O que sabemos é o que é proferido da boca de cada uma, além de fotos guardadas e, claro, casas que marcaram a infância de Simões e sua família. O pai, o avó e até mesmo o ex-marido da diretora orbitam tanto em volta do documentário que, mesmo tendo parcelas significativas, tornam-se arestas que não se encaixam com a força do trio principal.

No entanto, a história de “Casa” se destaca de forma positiva por suas sutilezas; afinal, é sobre três mulheres que se mantiveram unidas apesar de muito diferentes – e ainda com inúmeros problemas que seriam suficientes para separá-las. Esta é uma história universal que mistura mágoa com carinho, aconchego com afastamento. Uma referência cinematográfica de nossas vidas reais.

* Barbara Demerov foi membro do júri Abraccine no 8º Olhar de Cinema em Curitiba

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