13º Olhar de Cinema: A graça de Greice

por Marden Machado*

"Greice" - Divulgação
“Greice” – Divulgação

A conexão entre Portugal e Ceará, ou melhor, entre Lisboa e Fortaleza, mostrada no filme “Greice”, não é gratuita. Seu roteirista e diretor, Leonardo Mouramateus, nasceu na capital cearense, onde se graduou em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará, e hoje vive na capital lusitana, onde concluiu Mestrado em Arte Multimédia na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

“Greice” foi o grande vencedor da 13ª edição do Festival Olhar de Cinema, onde conquistou os prêmios de melhor filme na mostra competitiva brasileira, melhor roteiro e melhor atuação para a atriz Amandyra.

Segundo longa-metragem Mouramateus, o anterior, “Antonio Um Dois Três”, de 2017, também recebeu muitos prêmios e consolidou o talento desse cineasta que já havia realizado dez curtas antes da estreia em longas.

Falar de “Greice” exige alguns cuidados extras. Temos aqui um filme que te pega desprevenido e vai te envolvendo aos poucos, sem que você consiga antecipar muitas das situações que serão vividas pela protagonista. Tudo começa de forma despretensiosa com jovem brasileira que estuda em Lisboa e divide a moradia com a amiga Lis (Laura Raio). Uma inusitada troca de favores leva ambas até a casa, ou melhor, palacete do português Afonso (Mauro Soares).

Quando conhecemos Greice fica evidente seu estilo, digamos assim, descolado. Sabemos desde o início que ela não é exatamente o que diz ser. Mas isso, em absoluto, impede que torçamos por essa jovem simpática e extrovertida. E todo esse carisma, às vezes ambíguo, mas sempre genuíno da personagem, se deve ao desempenho encantador de Amandyra e ao roteiro repleto de ótimos diálogos e situações.

A estrutura narrativa apresentada por Mouramateus segue uma linha linear, no entanto, se permite algumas elipses e mudanças temporais que pregam algumas boas surpresas. Inclusive não se furta a inserir questões como colonialismo, xenofobia, racismo e diferenças sociais e de caráter sem cair em
lugares-comuns e muito menos parecer pedante.

Pelo contrário. “Greice” é de uma leveza ímpar, mesmo que sua heroína seja uma mulher aparentemente bastante egoísta, e até mesmo infantil ao não medir as consequências de seus atos. Ela lembra, muitas vezes, a impulsiva Susan Vance de Katharine Hepburn, em “Levada da Breca”, comédia hollywoodiana dirigida em 1938 por Howard Hawks.

Uma série de eventos faz com que Greice retorne à sua terra natal e a partir daí temos a entrada em cena de duas outras ótimas personagens: Enrique (Dipas), empregado do hotel onde ela se hospeda; e Márcia (Bruna Pessoa), sua prima e melhor amiga. Não posso esquecer de mencionar a pequena, porém, luminosa participação de Luciana Souza no papel de Luíza, mãe da protagonista.

Historicamente, o público brasileiro tem predileção por comédias. “Greice” é uma comédia que não segue a fórmula consagrada de ter à frente do elenco nomes conhecidos do gênero na televisão ou no teatro em situações que muitas vezes parecem uma colagem de esquetes, alguns até com bordões. O humor aqui é mais sofisticado e vem sustentado por um roteiro criativo, uma direção precisa, uma montagem ágil e um elenco afinado. E os prêmios recebidos até o momento apenas comprovam as muitas qualidades dessa divertida obra de Mouramateus, que ainda revela Amandyra e Dipas, estreantes de muito talento.

*Marden Machado fez parte do Júri Abraccine.

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