28º Cine-PE: Uma celebração da diversidade e do cinema brasileiro

por Yasmine Evaristo*

"Chão" - Divulgação
“Chão” – Divulgação

O Cine-PE 2024, realizado no Recife de 6 a 11 de junho, consolidou-se como um dos principais festivais de cinema do Brasil. Mais do que uma mostra de filmes, o evento se tornou uma celebração da diversidade, da cultura brasileira e do acesso à arte. Com uma curadoria impecável, o festival apresentou 38 produções nacionais de diferentes regiões do país, abordando temas relevantes e instigando a reflexão do público.

A diversidade foi a marca registrada do Cine-PE 2024. Longas, médias e curtas-metragens provenientes de todo o Brasil ocuparam as telas, apresentando realidades e perspectivas distintas sobre a nossa sociedade. Filmes como “Chão”, de Phillippe Wolney, um compilado de poesias lançados em meio a imagens que remetem a um ritual espiritual de memórias e ancestralidade, e “Moagem”, de Odília Nunes, um olhar poético lançado sobre a rotina das populações que vivem da moagem no interior pernambucano, ou até mesmo “Das Águas”, de Adalberto Oliveira e Tiago Martins Rêgo, uma denúncia sobre a precariedade provocada por políticas de extermínio de populações marginalizadas, ilustram essa multiplicidade de vozes, retratando a vida em comunidades ribeirinhas urbanas, rurais e a busca por futuros possíveis para as minorias.

O festival também foi palco de importantes debates sobre a diversidade de olhares que podemos lançar sobre as inúmeras realidades brasileira. “Jogo de Classe”, de Quico Meirelles, “Solange Não Veio Hoje”, de Hilda Pontes Lopes e Klaus Hastenreiter, e “Dependências”, de Luisa Arraes, abordam de maneira ácida a empáfia da, parafraseando Jessé Souza, elite do atraso, ao colocar no centro desses curtas-metragens o tema relações trabalhistas que reproduzem as práticas escravagistas. Cada um desses filmes, à sua maneira, ironiza e tensiona assuntos como falta de conhecimento sobre a organização e gestão de uma casa, superioridade moral fundamentada em recorte de classe, infantilização e emburrecimento de adultos que deveriam ser pessoas funcionais, preguiça e desmazelo na ausência de um corpo para se escravizar. Curiosamente nenhum dos três filmes foi realizado por pessoas que algum dia ocuparam esse espaço de servidão ou viram seus pais ou mãe serem profissionais de trabalhos domésticos. 

Entre os diversos filmes exibidos, três chamaram a atenção por trazerem como protagonistas, realizadores e personagens pessoas com deficiência, sendo assim filmes que abordaram temas relevantes e apresentarem histórias cativantes: “Invisível”, “Zagêro” e “Memórias de um Esclerosado”.

“Invisível”, dirigido por Carolina Vilela e Rodrigo Hinrichsen, conta a história de um casal surdocego que enfrenta os desafios da vida cotidiana e do preconceito da sociedade. O filme é uma ode ao amor de Cláudia Sofia e Carlos Jorge e, apesar de mostrar como a comunicação e o afeto superam barreiras, a produção não se apega à ideia de apresentar ao espectador um filme de superação. Dessa maneira o que encontramos ao assistir “Invisível” é a possibilidade de entender a rotina de pessoas comuns que vivem ao nosso redor e são constantemente minimizadas e invisibilizadas pelo preconceito. 

Já em “Zagêro”, dirigido por Victor di Marco e Márcio Pícoli, vemos um filme que mistura gêneros cinematográficos como terror, comédia e drama para abordar a temática da deficiência e o isolamento vivido por PCDs seja ele físico, intelectual ou afetivo. O protagonista, interpretado por di Marco, reflete sobre sua identidade e se posiciona contra os limites impostos por pessoas sem deficiência sobre sua existência. A produção é engraçada, ácida, triste e sombria, além de surpreendente nas mudanças de tom entre um “capítulo” e outro de um ensaio sobre ocupar espaços com corpos diversos. “Zagêro” oferece ao ator/realizador e ao público que se identifica com ele o agenciamento de existências múltiplas na construção das ficções e na reordenação da realidade.

De maneira semelhante a “Invisível”, em “Memórias de um Esclerosado” – documentário dirigido por Rafael Corrêa e Thais Fernandes que narra a história do cartunista Rafael Corrêa, diagnosticado com esclerose múltipla em 2010 – acompanhamos a rotina de um PCD. O filme aproveita imagens de arquivos da vida de Rafael e de sua criatividade e habilidade como desenhista para construir um mosaico arrematado pelo uso de técnicas mistas (arquivo, ficção, entrevistas, animação) para explorar a vida e o trabalho do realizador/ator. A obra é pessoal e aborda os desafios enfrentados pelo cartunista, a persistência de memórias da infância, rotina, angústia, medo e muito carisma e honestidade. Ao mesmo tempo é um filme sobre o poder da arte, a importância da rede de apoio, o amadurecimento vivido por Corrêa e a celebração de sua vida. 

Mais do que uma mostra de filmes, o Cine-PE 2024 foi um encontro com a arte, a cultura e as várias identidades brasileiras. A riqueza e a diversidade do nosso cinema brasileiro foram celebradas em cada sessão, consolidando o festival como um espaço de resistência, transformação e esperança. Em suma, o Cine-PE 2024 contribuiu para o fortalecimento do cinema brasileiro e proporcionou ao público a oportunidade de conhecer novas realidades, refletir sobre temas importantes e se emocionar.

*Yasmine Evaristo fez parte do Júri Abraccine.

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