por Cristiano Castilho*
Já são 13 anos de Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. É uma raridade em tempos efêmeros que a essência de um evento cultural deste tipo se mantenha – especialmente em meio a pandemias virais e a pandemônios políticos. Desde sempre, quando surgiu como novidade numa capital de muitos cineastas e cinéfilos, o Olhar, como é carinhosamente chamado por quem o aprecia, o acompanha e o difunde, tem a boa e necessária prerrogativa em manter uma programação instigante e reveladora, contemporânea em sua proposta, mas também nostálgica na medida certa, sem remorsos.
Por mais que espaços como o Itaú de Cinema tenham fechado as portas em Curitiba, o Olhar se virou: tanto para salas que procuram proporcionar uma experiência mais enriquecedora na sala escura, caso do Cine Passeio (um cinema de rua!), quanto para aquelas que batalham com a força desleal dos blockbusters alienadores, caso do Cinemark Mueller. E assim vem sendo.
Neste 2024, mais de 80 filmes de diversos países foram exibidos num inverno que não deu as caras na capital mais fria do país. Como membro convidado do júri da Abraccine, acompanhei 24 obras brasileiras, entre longas e curtas-metragens. É interessante perceber, e relembrar, que a arte funciona como espécie de pêndulo, pois não só ajuda a orientar a mediação do mundo, mas também o reflete em temáticas urgentes e incontornáveis.
Os filmes vencedores, para este júri, são bom exemplo disso. O longa “Tijolo por Tijolo”, de Victoria Alvares e Quentin Delaroche, aborda de forma assertiva, mas não condescendente, os direitos reprodutivos das mulheres no momento em que sofrem ataques moralistas. A partir de montagem e edição que dialogam com novas linguagens audiovisuais, Victoria e Quentin falam também de “empreendedorismo”, e ressaltam certo protagonismo coletivo de classes socioeconômicas desprivilegiadas por vezes retratadas de forma estereotipada, mesmo em filmes já consagrados de nossa cinematografia. É a metáfora de reerguer as coisas do nada, tijolo por tijolo, parede por parede, e a capacidade de reconhecer este trabalho como lar mesmo que falte algum reboco.
O curta-metragem premiado por este júri foi “Cavaram Uma Cova no Meu Coração”, de Ulisses Arthur. O filme é um compêndio de documentário, metacinema e ficção redentora que se dá a partir do “Caso Braskem”. A mineração de sal-gema da empresa, desde 2018, fez com que bairros inteiros de Maceió afundassem, e se transformassem em localidades fantasma. O “ruir” do cenário do filme não é só concreto, mas adquire um poder metafórico impressionante ao revelar com inteligência e personalismo o maior crime socioambiental da capital de Alagoas.
Filmes premiados por outros júris, caso do delicioso “Greice” e do retumbante “Praia Formosa”, também dialogam com as temáticas substanciais do nosso tempo, reativando a sensação de que o cinema – e o Olhar de Cinema – são parte de um dialogismo maior e potencialmente mais profundo, que requer acesso e visibilidade para não se tornar meramente um repetidor de distopias deliberadas.
*Cristiano Castilho fez parte do Júri Abraccine.
