34º Cine Ceará | A Valorização do Artista Cearense

por Ailton Monteiro*

34º Cine Ceará: homenagem Gero Camilo – Foto: Luiz Alves

Quando o Cine Ceará deste ano de 2024 deu início, ficou aquele gostinho de que algo ali estava em crise. Mas a crise era financeira, somente. Não houve, como em edições passadas, homenagens a artistas tão mais famosos nacionalmente, como Fernanda Montenegro (2019), Camila Pitanga (2022) ou Leandra Leal (2015). E não tivemos a presença de diretores que hoje são estrelas em festivais de primeiríssimo porte, como o português Pedro Costa, o argentino Lisandro Alonso e o chileno Pablo Larraín, para citar mais uma vez a edição de 2015. Isso se não formos buscar lembranças gloriosas de edições dos anos 2000, por exemplo, quando lembraremos das presenças de Carlos Reichenbach, Ivan Cardoso, Carlos Reygadas, Patrícia Pillar, Cláudio Assis…

Inclusive, senti falta de uma apresentação artística, como a Camerata da UFC, da edição de 2022. Falando em Universidade Federal do Ceará, a própria entidade foi uma das homenageadas com a entrega do troféu Eusélio Oliveira. Em 2024, nossa universidade federal completou 70 anos de existência. E sua relação com o festival é muito estreita: afinal, a Casa Amarela é um equipamento cultural da própria universidade e foi o espaço de nascimento do Cine Ceará, quando o festival ainda se chamava Vídeo Mostra Fortaleza.

Quem também fazia aniversário em 2024 era o cinema cearense. Tanto que a vinheta do festival destacava primeiramente essa efeméride. O primeiro filme cearense é atribuído à “Temporada de Futebol Maranhense no Ceará”, de Adhemar Bezerra de Albuquerque, exibido no dia 15 de outubro de 1924, no hoje extinto Cine Moderno, então situado na Rua Major Facundo, a mesma do Cineteatro São Luiz, o único cinema de rua do centro de Fortaleza a permanecer de pé nos dias atuais. 

As pessoas físicas, por assim dizer, também agraciadas com o troféu Eusélio Oliveira foram o cantor, compositor e ator Rodger Rogério, que recebeu o prêmio das mãos de Ednardo, outro ícone da geração do Pessoal do Ceará, a turma de músicos cearenses surgidos na década de 1970, e o ator, cineasta, poeta e dramaturgo Gero Camilo. Ambos ganharam vídeos de homenagem antes da entrega: Rogério, um vídeo feito pela direção do próprio Cine Ceará; e Camilo, o já tradicional e caprichado vídeo de homenagem produzido pelo Canal Brasil. 

A alegria de homenagear esses dois artistas está no fato de que não apenas são artistas cearenses, mas também por estarem no auge de suas carreiras no cinema. Rodger Rogério nunca foi tão respeitado como ator e neste ano brilhou num dos filmes mais celebrados pela crítica, “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi. Rogério conquistou o prêmio de melhor ator coadjuvante por seu papel no filme na mais recente edição do Festival de Cinema de Gramado e está presente em papéis pequenos mas muito marcantes em filmes de grande visibilidade, como “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e “Pacarrete”, de Allan Deberton. 

Já Gero Camilo, ao receber o prêmio no palco, canta “Tá caindo flor” e relembra que ali, naquele cinema imponente e belo foi o lugar onde ele assistiu ao primeiro filme de sua vida, dos Trapalhões, e fala no quanto sua trajetória é incrível, já que ele interpretou Renato Aragão em “Mussum: o Filmis” (2023), de Silvio Guindane. Com uma carreira de mais de 30 títulos desde os anos 2000, Camilo fez personagens marcantes em filmes populares como “Bicho de Sete Cabeças” (2000), de Laís Bodanzky, “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, “Carandiru” (2003), de Hector Babenco, “Os Pobres Diabos” (2013), de Rosemberg Cariry, e “Saudosa Maloca” (2023), de Pedro Serrano. Em 2022 estreou seu primeiro filme como diretor, “Aldeotas”, em que também destaca seu amor pelo teatro. 

Além disso tudo, há dois fatos muito simbólicos para esse louvor aos artistas cearenses presentes nesta edição do festival: a imagem-símbolo que víamos todos os dias ao entrarmos no Cineteatro São Luiz foi inspirada em “Siri-Ará – Cinema Figural Brasileiro”, de Rosemberg Cariry, um dos cineastas mais respeitados do Brasil e o de carreira mais prolongada no Ceará. Tão amado e respeitado que cada citação a seu nome era motivo de palmas por parte do público. 

Outro nome querido é o do próprio Wolney Oliveira, diretor-executivo do Cine Ceará, que no festival exibiu, fora de competição, um de seus mais brilhantes trabalhos, “Lampião, Governador do Sertão”, documentário valioso que conta com imagens de arquivo, imagens de filmes sobre o cangaço e entrevistas com pessoas que viveram naquele período e estudiosos sobre o tema.  Além do mais, podemos citar a exibição de um curta-metragem cearense dos mais elogiados, “Fenda”, de Lis Paim. Isso sem falar, claro, nos filmes da Mostra Olhar do Ceará, que não pude ver, por causa da falta de tempo e do trabalho. 

O cinema cearense vive um de seus momentos mais festivos. Basta dar uma olhada nos títulos importantes que passaram pelo circuito neste ano de 2024: “Estranho Caminho”, de Guto Parente; “Vermelho Monet”, de Halder Gomes; “Greice”, de Leonardo Mouramateus; “Mais Pesado É o Céu”, de Petrus Cariry; “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, “Quando Eu Me Encontrar”, de Amanda Pontes e Michelline Helena; além do relançamento do clássico “Corico & Dadá”, de Rosemberg Cariry, em cópia remasterizada. 

*Ailton Monteiro fez parte do Júri Abraccine.

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